Princípios especiais do Direito Individual do Trabalho ? Núcleo Basilar

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas71-99

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I Introdução

Direito do Trabalho é o complexo de regras, princípios e institutos jurídicos que regulam as relações empregatícias, quer no plano especificamente contratual, quer no plano mais largo dos vínculos estabelecidos entre os entes coletivos que representam os sujeitos desse contrato. regula o direito do Trabalho, ainda, outras relações laborativas não empregatícias especificadas em lei.

É ramo especial do direito, descolado desde meados do século XiX da matriz civilista originária, em direção à construção de uma cultura jurídica com regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios, os quais, em seu conjunto, asseguram-lhe autonomia no universo diversificado do direito.

Engloba o direito do Trabalho dois segmentos, um individual e um coletivo, cada um contando com regras, instituições, teorias, institutos e princípios próprios.

O direito individual do Trabalho trata da regulação do contrato de emprego, fixando direitos, obrigações e deveres das partes, vinculado esse ramo ao objetivo histórico de aperfeiçoar as condições de pactuação da força de trabalho no sistema socioeconômico. Trata, também, o direito individual do Trabalho, por exceção, de outras relações laborativas especificamente deter-minadas em lei.

O direito coletivo do Trabalho, por sua vez, regula as relações inerentes à chamada autonomia privada coletiva, isto é, relações entre organizações coletivas de empregados e empregadores e/ou entre as organizações obreiras e empregadores diretamente, a par das demais relações surgidas na dinâmica da representação e atuação coletiva dos trabalhadores.

Embora ainda haja certo debate acadêmico acerca da existência ou não de princípios específicos ao direito coletivo do Trabalho ou sobre a aplicabilidade plena dos princípios do direito individual do Trabalho sobre o segmento

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juscoletivo78, não há qualquer dúvida na doutrina sobre a vigorosa existência de princípios que são específicos ao direito individual do Trabalho (ou ao direito do Trabalho, em geral, caso não se acate a referida divisão de segmentos).

Afinal, hoje não se questiona a autonomia do direito do Trabalho, ou seja, o fato de possuir perspectivas, regras, teorias, institutos e princípios próprios e diferenciados do restante do universo jurídico. a propósito, essa autonomia, nos dias atuais, é tão marcante que esse ramo jurídico especializado chega a se caracterizar até mesmo por instituições sociais e estatais próprias, como, ilustrativamente, os sindicatos, o segmento trabalhista do Poder Judiciário (Justiça do Trabalho), o segmento trabalhista do Poder executivo (Ministério do Trabalho e emprego), o segmento trabalhista do Ministério Público da união (Ministério Público do Trabalho).

No quadro da afirmação autonômica e de diferenciação de qualquer ramo jurídico, os princípios cumprem papel essencial. como já enfatizado, na qualidade de vigas mestras do direito e de qualquer de seus ramos, os princípios conferem marca distintiva às produções jurídicas contemporâneas. no direito do Trabalho, seu papel é simplesmente decisivo.

Caráter teleológico do Direito do Trabalho

O papel decisivo dos princípios no direito do Trabalho advém do caráter essencialmente teleológico, finalístico, desse ramo jurídico especializado.

É bem verdade que, sabe-se, todo e qualquer direito demarca-se por inegável caráter teleológico. É que todo direito, como instrumento de regulação das instituições e relações humanas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Sendo as regras e diplomas jurídicos resultado de processos políticos bem-sucedidos em determinado quadro sociopolítico, sempre tenderão a corresponder a um estuário cultural tido como importante ou mesmo hegemônico no desenrolar de seu processo criador. Todo direito é, por isso, teleológico, finalístico, na proporção em que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes79.

O direito do Trabalho, é óbvio, não escapa a essa configuração a que se submete todo fenômeno jurídico. entretanto, o ramo juslaboral singulariza-se exatamente por levar a certo clímax esse caráter teleológico que caracteriza o fenômeno do direito.

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De fato, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de suas regras, princípios e institutos um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. este valor — e a consequente direção teleológica imprimida a este ramo jurídico especializado — consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Sem tal valor e direção finalística, o direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer se justificaria, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função principal na sociedade contemporânea.
a força desse valor e direção teleológica do direito do Trabalho confere caráter excetivo a regras jurídicas trabalhistas vocacionadas a imprimir padrão restritivo de pactuação das relações empregatícias. ao mesmo tempo, essa força lança como proposições diretivas cardeais desse ramo jurídico especializado um corpo sistemático e coerente de princípios acentuadores de tal valor e direção finalística.

É claro que a função central do direito do Trabalho (melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica) não pode ser apreendida sob uma ótica meramente individualista, enfocando o trabalhador isolado. como é próprio ao direito — e fundamentalmente ao direito do Trabalho, em que o ser coletivo prepondera sobre o ser individual — a lógica básica do sistema jurídico deve ser captada tomando-se o conjunto de situações envolvidas, jamais uma sua fração isolada. assim, deve-se considerar, no exame do cumprimento da função justrabalhista, o ser coletivo obreiro, a categoria, o universo mais global de trabalhadores, independentemente dos estritos efeitos sobre o ser individual destacado.

II Princípios aplicáveis ao direito individual do trabalho

O direito do Trabalho (ou direito individual do Trabalho, se admitida tal segmentação) é dotado, como visto, de princípios especiais, que firmam sua autonomia e especificidade no contexto do universo jurídico contemporâneo. ao lado desses, há, evidentemente, princípios gerais do direito ou especiais de outros ramos jurídicos que atingem também o direito do Trabalho, produzindo influência em sua estrutura e dinâmica.
independemente do status e abrangência que se confira à segmentação direito individual e direito coletivo do Trabalho, é preciso que fique claro que são os princípios especiais do ramo justrabalhista individual que fixam a marca mais distintiva e proeminente do direito do Trabalho no universo jurídico geral. Por essa razão é que seus princípios especiais confundem-se com o que se consideram princípios especiais do próprio direito do Trabalho.

1. Princípios especiais do Direito do Trabalho

Os princípios especiais do direito do Trabalho (ou do direito individual do Trabalho, se for o caso) são diversos, alcançando mais de uma dezena de

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proposições. À medida que o ramo jurídico desenvolve-se (e já são cerca de 150 anos de evolução no mundo ocidental), novos princípios são inferidos do conjunto sistemático de sua cultura, regras e institutos peculiares80.

Os mais importantes princípios especiais justrabalhistas indicados pela doutrina são: a) princípio da proteção (conhecido também como princípio tutelar ou tuitivo ou protetivo ou, ainda, tutelar-protetivo e denominações congêneres); b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade das normas trabalhistas; d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas (conhecido ainda como princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas); e) princípio da condição mais benéfica (ou da cláusula mais benéfica); f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva (mais conhecido simplesmente como princípio da inalterabilidade contratual; merece ainda certos epítetos particularizados, como princípio da intangibilidade contratual objetiva); g) princípio da intangibilidade salarial (chamado também integrali-dade salarial, tendo ainda como correlato o princípio da irredutibilidade salarial). neste primeiro grupo enquadram-se, ainda: h) princípio da primazia da realidade sobre a forma; i) princípio da continuidade da relação de emprego.

Este primeiro grande grupo de nove princípios forma aquilo que denominamos núcleo basilar dos princípios especiais do direito do Trabalho (ou direito individual do Trabalho).

São também princípios justrabalhistas especiais estas outras importantes proposições: princípio da despersonalização do empregador, princípio da alteridade (também chamado princípio da assunção dos riscos); princípio da irretroatividade das nulidades; princípio da aderência contratual (que se relaciona ao chamado princípio da ultratividade das normas trabalhistas).

Há alguns princípios justrabalhistas especiais francamente controvertidos — e que, por isso, devem ser examinados em separado (afinal, os princípios são grandes luminares, e a própria dúvida — se consistente — sobre sua real...

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