Espécies de equiparação salarial

AutorFabíola Marques
Ocupação do AutorAdvogada militante na área trabalhista, mestre e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP
Páginas39-51

Page 39

Como vimos anteriormente, a doutrina não é unânime com relação à terminologia utilizada para identificar a equiparação salarial, tampouco para determinar a sua abrangência.

Grande parte dos doutrinadores, quando trata da isonomia salarial e da equiparação salarial, refere-se, tão somente, à hipótese prevista no art. 461 da CLT,1 que exige a total identidade na prestação de serviços entre equiparando e paradigma.2

Antonio Lamarca limita-se a definir o salário equitativo como aquele resultante de equiparação ordenada por lei e decretada judicialmente, como remuneração corretiva ou equitativa. Sustenta, ainda, que "o sexo, a côr e o estado civil não podem justificar discriminação salarial; a idade e a nacionalidade, sim".3

Francisco Antonio de Oliveira e Sergio Pinto Martins comungam do entendimento de que as expressões equiparação salarial e equivalência salarial são institutos absolutamente distintos.4

Page 40

A equiparação salarial, prevista no art. 461 da CLT, interpretada e regulamentada judicialmente pelo TST através de sua Súmula n. 6, exige que o trabalhador exerça função idêntica à do paradigma, não se contentando com a simples semelhança. Já a equivalência salarial, prevista no art. 460 da CLT, não se confunde com a equiparação, porque objetiva garantir salário equivalente a outro colega de emprego, quando a empresa não haja definido o salário do obreiro, ou o salário não puder ser comprovado.

Por sua vez, Fernando Américo Veiga Damasceno sustenta que a Consolidação das Leis do Trabalho trata da aplicação do princípio isonômico de duas formas distintas. A primeira, prevista no art. 461, quando equipara dois empregados brasileiros. A segunda, estabelecida no art. 358, quando o paradigma é estrangeiro.5

Aluysio Sampaio, ao tratar do princípio constitucional da isonomia salarial, utiliza a expressão equivalência salarial como gênero, do qual são espécies: a equiparação salarial prevista no art. 461; a estipulação do salário por equivalência do art. 460; e a equivalência salarial entre nacionais e estrangeiros do art. 358, todos da CLT.6

Octavio Bueno Magano, por sua vez, entende que a equiparação salarial apresenta-se com duas feições distintas: equiparação por identidade e por equivalência. A primeira é disciplinada no art. 461, a segunda no art. 460, ambos da CLT.7 É preciso notar a mudança de posicionamento do autor, nem sempre observada por todos os doutrinadores. Em edição anterior de seu Manual de Direito do Trabalho, datada de 1981, o autor sustentava que a equiparação salarial apresentava três feições distintas, quais sejam, a da equiparação por identidade; equiparação por analogia; e a equiparação por equivalência.8

Entretanto, em edição mais recente de sua obra (1993), sustenta o eminente jurista que a Constituição de 1988, em seu art. 7º, inciso XXX, proíbe a discriminação salarial, de exercício de funções e de critério de admissão, somente por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, sendo omissa quanto à nacionalidade, como já tivemos oportunidade de estudar.

A CLT, por seu turno, conforme o art. 461, proíbe que a discriminação tenha como fundamento a nacionalidade do empregado. Essa proibição também

Page 41

encontra respaldo no art. 5º, caput, da Constituição Federal e na Convenção n. 111 da OIT, aprovada e ratificada pelo Brasil, conforme já explicitado no capítulo 1.2. Tais institutos consideram a discriminação, a distinção, exclusão ou preferência fundada, dentre outros motivos, na ascendência nacional, isto é, na nacionalidade do empregado.

Ora, para Octavio Bueno Magano, a existência desse último preceito constitucional, conjugada com o desaparecimento da regra constante das Constituições anteriores, a partir da de 1937, em que se agasalhava a chamada lei de dois terços, leva à conclusão de que está revogado o Capítulo II da CLT, referente à nacionalização do trabalho, inclusive o art. 358, matriz de discriminação positiva em favor dos trabalhadores brasileiros.9

O assunto é realmente controvertido, e a doutrina pátria não é unânime a respeito do tema. Compartilhamos, entretanto, do posicionamento do Professor Octavio Bueno Magano, segundo o qual a equiparação salarial apresenta-se de duas formas: a equiparação salarial por identidade e a equiparação salarial por equivalência. Isso tem razão de ser, por entendermos que o art. 358 da CLT foi revogado pela Constituição Federal de 1988.

2.1. Equiparação salarial por analogia (entre trabalhadores brasileiros e estrangeiros)

Segundo o que esclarece o Professor Luiz Alberto David Araujo "a nacionalidade é o vínculo jurídico que se estabelece entre um indivíduo e um Estado".10

Reputa-se estrangeiro, no dizer de José Afonso da Silva, "quem tenha nascido fora do território nacional que, por qualquer forma prevista na Constituição, não adquirira a nacionalidade brasileira". Ainda complementa o autor: "Há os estrangeiros residentes no País e os não residentes. Aqueles integram a população brasileira e convivem com os nacionais sob o domínio da ordenação jurídico-político pátria."11

Segundo a Carta Constitucional Brasileira, o princípio fundamental é o de que os estrangeiros residentes no País gozam dos mesmos direitos e têm os mesmos deveres que os brasileiros.12 Essa paridade de condição jurídica é quase que total no que diz respeito à aquisição e gozo dos direitos civis, já que o art. 5º, caput, da Constituição Federal determina que:

Page 42

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)."

Desse modo, caracteriza-se como inconstitucional qualquer discriminação contra estrangeiro, inclusive indireta, proibindo-se, também, a distinção entre brasileiros natos e naturalizados.13

No âmbito do Direito do Trabalho, entretanto, o objetivo da lei é impedir a distinção retributiva que pode existir entre os trabalhadores nacionais e estrangeiros residentes no País, em razão de fatores tendentes a burlar o princípio da igualdade, conforme o que determina o caput do art. 5º da Carta Magna, e seu inciso XIII, o qual garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Por outro lado, limitações podem existir. Atualmente, as restrições em relação aos estrangeiros estão previstas na própria Carta Constitucional e dizem respeito, por exemplo, à existência de cargos privativos de brasileiros natos, como o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República, de Presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, de Ministro do Supremo Tribunal Federal, dentre outros (art. 12, § 3º, incisos I a VII); aos cargos, empregos e funções públicas acessíveis somente aos brasileiros (art. 37, inc. I); à autorização de pesquisa e lavra de recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica somente aos brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no País (art. 176, § 1º); ao transporte de mercadorias na cabotagem e à navegação interior quando competirá à lei estabelecer as condições em que o transporte aquático poderá ser feito por embarcações estrangeiras (178, parágrafo único); e, à empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, cuja propriedade é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos (art. 222).

Historicamente, no entanto, a igualdade entre brasileiros e estrangeiros nem sempre existiu. De fato, o princípio do "salário igual, para trabalho igual" foi incorporado à legislação brasileira, para proteger o trabalhador nacional. Em 1930, Getúlio Vargas, preocupado com o desemprego e a entrada desordenada de estrangeiros no País, impôs às empresas a obrigatoriedade de possuir em seus quadros de empregados dois terços de trabalhadores nacionais, através do Decreto n. 19.482 de 12.12.1930. Foi a chamada lei dos dois terços. O referido decreto, estabeleceu o seguinte em seu art. 1º:

Page 43

"Fica, pelo prazo de um anno, a contar de 1º de janeiro de 1931, limitada a entrada, no territorio nacional, de passageiros estrangeiros de terceira classe."; e em seu art. 3º que: "todos os indivíduos, emprezas, associações, companhias e firmas comerciaes, que explorem, ou não, concessões do Governo Federal ou dos Governos estaduaes e municipaes, ou que com esses governos contractem quaesquer fornecimentos, serviços ou obras, ficam obrigados a demonstrar perante o Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio, dentro do prazo de noventa dias, contados da data da publicação do presente decreto, que occupam, entre os seus empregados, de todas as categorias, dous terços, pelo menos, de brasileiros natos."

Como se disse, a justificativa para esse decreto foi a situação econômica do País, o desemprego, a migração interna de trabalhadores para os grandes centros em busca de emprego, bem como a entrada desordenada de estrangeiros que "frequentemente contribuem para augmento da desordem economica e da insegurança social".14

A Constituição de 1934, por seu turno, estabeleceu em seu art. 135 que a lei deveria determinar a percentagem de empregados brasileiros mantidos nos serviços públicos e nos estabelecimentos de determinados ramos de comércio e indústria, regra que foi repetida pela Constituição de 1937.

A regulamentação da Carta Constitucional de 1937 foi feita pelo Decreto-lei n. 1.843, de 07.12.1939, que, além de dispor sobre a exigência da proporcionalidade entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, estabeleceu em seu art. 9º:

"Nenhum empregador, ainda que não sujeito à proporcionalidade, poderá pagar a brasileiro que exerça função análoga, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, à que é exercida por estrangeiro a seu serviço, salário inferior ao deste (...)."

A Constituição de 1946 também tratou da fixação de percentagens de empregados brasileiros...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT