Estabilidade na mudança: famílias de partidos e a hipótese do congelamento do sistema partidário no Brasil (1982-2018)

AutorFernando Guarnieri
CargoProfessor adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: fhguarnieri@iesp.uerj.br
Páginas224-249
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n42p224
224224 – 249
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer m, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
Estabilidade na mudança: famílias
de partidos e a hipótese do
congelamento do sistema partidário
no Brasil (1982-2018)1
Fernando Guarnieri2
Resumo
Neste artigo, pretendo estudar a dinâmica do sistema partidário brasileiro a partir da hipótese do
“congelamento” do sistema partidário de Lipset e Rokkan (1967). Quando agrupamos os partidos
em famílias, vemos que, entre os anos 1990 até o m da primeira década do século XXI, o sistema
partidário brasileiro parece tão “congelado” quanto o europeu. Após 2010, assim como na Europa,
pequenos partidos de direita ganham força, mas o apoio das grandes famílias “esquerda” e “direi-
ta” permanece relativamente constante. Também constato alguma estabilidade quando agrupa-
mos os partidos conforme sua genealogia. Essa dinâmica é similar àquela dos sistemas partidários
europeus. A contribuição do artigo está em ser o primeiro a testar explicitamente a aplicação da
hipótese do congelamento do sistema partidário de Lipset e Rokkan para o caso brasileiro, assim
como o primeiro a sugerir a construção de famílias partidárias de modo sistemático utilizando as
sugestões de Mair e Mudde (1998).
Palavras-chave: Sistema Partidário. Volatilidade. Família de partidos.
A hipótese do congelamento dos sistemas partidários
Ao explicar a origem do sistema partidário europeu, Lipset e Rok-
kan (1967) descrevem como, entre meados do século XIX e começos do
século XX, uma série de clivagens sociais se organizou em partidos. Essas
1 Os dados e o script para a replicação das guras e tabelas utilizados neste artigo podem ser solicitados para
fhguarnieri@iesp.uerj.br
2 Professor adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: fhguarnieri@iesp.uerj.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 42 - Mai./Ago. de 2019
225224 – 249
clivagens se deram em torno, principalmente, das duas grandes revolu-
ções: a revolução nacionalista e a revolução industrial. Da construção dos
estados nacionais, que, na Europa, somente teve seu m em meados do
século XIX, surgiram as clivagens Centro vs Periferia, opondo as forças
centralizadoras aos antigos potentados locais e a clivagem Estado vs Igreja,
opondo os proponentes e os opositores ao Estado laico. Destas clivagens,
teriam nascido os partidos liberais, regionais, conservadores e religiosos.
Na revolução industrial, houve conitos em torno de interesses materi-
ais, como a oposição entre as elites urbanas e rurais reetida na clivagem
Rural vs Urbano e a clivagem Trabalhadores vs Burguesia. Destas clivagens,
teriam nascido os partidos agrários, camponeses, trabalhistas, socialistas e
sociais-democratas (CARAMANI, 2004).
Essa dinâmica em que clivagens sociais se partidarizam deveria reno-
var o sistema partidário constantemente conforme novos conitos surgem.
Isso até certo ponto ocorre, como demonstra a aparição dos partidos co-
munistas após a revolução russa, e dos partidos verdes e congêneres no
período pós-industrial. No entanto, conforme observado por Lipset e
Rokkan (1967, p. 50): “[…] the party systems of the 1960’s reect, with few
but signicant exception, the cleavage structures of the 1920’s”. Essa propo-
sição cou conhecida como a hipótese do “sistema partidário congelado”.
Outros pesquisadores conrmaram esses achados (ROSE; URWIN,
1970) e se tornou um consenso que, até os anos 1960, o sistema partidário de
fato reetia as estruturas de clivagens dos anos 1920. No entanto, vários au-
tores questionaram a continuidade do congelamento em épocas posteriores.
Maguire (1983) replica o trabalho de Rose e Urwin para além dos
anos 1960 e seus dados questionam a ideia de um sistema estável. Pedersen
(1983) mostrou como, neste período, a volatilidade agregada era alta; mas,
seus dados cobriam apenas o período entre 1960 e 1980 não podendo ser
comparado com o período entre 1920 e 1960. Dalton, Flanagan e Beck,
utilizando survey, chega à conclusão de que “[...] the structure of democra-
tic party systems, frozen for so much of our lifetimes, is beginning to thaw
(DALTON; FLANAGAN; BECK, 1984, p. 457); mas, seu trabalho tam-
bém cobre um período limitado.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT