Estatuto da Criança e do Adolescente e os demais ramos do Direito

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas20-48

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A tarefa de estabelecer e destacar regras de integração e interpretação entre os vários ramos jurídicos ganha maior grau de dificuldade na medida em que, no Brasil, existem mais de quarenta mil leis em vigor. É praticamente impossível, analisar, com a minudência desejável, as regras e princípios de cada ramo do Direito e, a partir daí, estabelecer o processo de integração e de interpretação harmoniosa com o ECA. No entanto, ainda que muito difícil, é imperioso destacar alguns pontos cruciais que aclaram e facilitam a tormentosa e emblemática conjugação das normas e dos princípios jurídicos infanto-juvenis com os demais ramos do Direito.

Conhecer as partes do contexto jurídico nacional facilitará a atuação do operador do Direito e das demais pessoas que militam na vara da infância e da juventude, pois, na prática a falta de clareza ou de conhecimento dos aspectos básicos dos ramos do Direito que interagem - mais diretamente - com o direito infanto-juvenil tem sido uma das causas do desacerto de várias ações governamentais e não governamentais e não governamentais. O fato sempre citado, próprio do Direito Penal, que em nada contribui para melhorar a defesa infanto-juvenil e ao mesmo tempo confirma a idéia de que não se conhece o novo sistema é a discussão sobre a redução da menoridade penal de dezoito para dezesseis anos de idade, sempre que fatos de repercussão nacional ocorrem com adolescentes na qualidade de autores de atos infracionais graves. É portanto necessário compreender as bases científicas do Direito Penal para que se perceba que a punição penal não é suficiente e eficaz na temática da criminalidade. Ações preventivas - civis, administrativas e/ou políticas públicas sérias e consistentes - são muito mais eficientes na luta contra a eventual criminalidade infanto-juvenil.

O Direito é composto de um harmonioso conjunto de normas devidamente hierarquizadas, além disso, todos os setores são norteados por princípios e regras gerais e específicas. Segundo, existem regras e princípios gerais no sistema jurídico aplicáveis em todos os ramos do Direito. Terceiro, existem normas e princípios jurídicos aplicáveis apenas em determinados campos. Quarto, as leis brasileiras possuem dispositivos específicos que regulam a entrada em vigor e a revogação,

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bem como o âmbito territorial e/ou espacial de sua aplicação. Quinto, cada setor jurídico possui características específicas na confecção dos artigos de sua legislação.

Um fato merecedor de destaque é que, no Brasil, existem princípios e regras jurídicas criadas com o objetivo exclusivo de explicitar as formas, meios e modos de interpretação e integração de qualquer dispositivo ou mesmo de uma determinada lei. Ou seja, embora as leis tragam, eventualmente, parâmetros próprios de interpretação, integração e aplicação é certo que existe um conjunto de normas jurídicas aplicáveis em qualquer forma de interpretação e integração, denominada de Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.16 Assim, a leitura do que é princípio ou regra jurídica, como categorias autônomas, exige o conhecimento das principais formas de interpretação, integração e/ou aplicação da legislação brasileira.

Nessa vertente, passa a ser crucial buscar na doutrina do Direito, as diferenças existentes entre os princípios e as regras jurídicas, componentes do grupo maior denominado de normas jurídicas.

Cada ramo do Direito, como destacado, possui normas jurídicas, subdivididas em regras e princípios que coordenam cada setor específico da Ciência. Assim, saber diferenciar princípio da regra jurídica, a partir da leitura de qualquer dispositivo legal, do mesmo modo que conhecer as várias partes do Direito, também contribuirá de modo significativo para a consecução dos objetivos do trabalho.

Os doutrinadores divergem sobre as principais características dos princípios e das regras. Alguns, inclusive, informam que não existe diferença entre norma e regra jurídica. Outros dividem o assunto de forma diversa, ou seja, defendem a idéia de que a regra é o gênero do qual são espécies, o princípio e a norma jurídica. A preferência pela distinção entre regras e princípios jurídicos, como componentes do conjunto normas jurídicas tem sido uma das mais aceitas, dada sua aparente simplicidade de compreensão. No entanto, alguns aspectos são peculiares e merecem sintética abordagem.

Primeiro, os princípios jurídicos, sejam gerais ou específicos, são mais importantes do que as regras jurídicas. Segundo, são escritos em linguagem mais difusa, genérica e, normalmente, possuem conteúdo jurídico indeterminado.17 Terceiro, não trazem sanção direta e rígida

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pelo descumprimento, apesar de sua violação abalar mais fortemente a estrutura do sistema jurídico. Na outra perspectiva, pode-se afirmar que as regras são menos importantes que os princípios jurídicos porque têm menor alcance ou projeção social, possuem sanções previamente definidas na legislação de regência, a lesão atinge grupos limitados no tempo e no espaço e trazem linguagem específica e mais direta.

Outro importante aspecto que deve ser considerado reside no fato de que o Brasil adotou a Federação como forma de Estado.18 Dessa constatação, destaca-se a existência de leis nacionais, federais, estaduais, distritais e municipais. Como os estreitos limites do trabalho não comportam a análise minudente das várias leis produzidas nos diferentes entes políticos da Federação, os esforços serão concentrados na especificação dos dados, características e princípios relativos apenas à legislação federal vigente.

No entanto, embora o estudo se prenda, com mais força e especificidade ao modelo federal, por força das regras e princípios inseridos na Constituição Federal - que determina a descentralização administrativa e operacional para os Estados e Municípios - será analisada a forma de atuação do Estado-membro e, de modo mais detalhado, minucioso e específico a atuação do Município, uma vez que foi nesse ente político que restaram centralizadas e dirigidas as ações e atividades próprias de defesa dos novos direitos das crianças e dos adolescentes.

É conveniente lembrar que cada Estado-membro possui uma Constituição no mesmo plano simétrico da Constituição Federal. No mesmo sentido normativo, cada Município possui uma Lei Orgânica e leis próprias para regular a proteção infanto-juvenil. Todas as legislações com amplas possibilidades de regulamentar os assuntos próprios e específicos, porém, com a obrigatoriedade de seguir os passos, regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal, por força do sistema hierarquizado e verticalizado adotado no Brasil.

Embora os operadores do Direito, por mais estudiosos que sejam, não consigam dominar o conteúdo de todas as leis brasileiras, a maioria tem a exata percepção de que o real entendimento do princípio jurídico - seja geral, seja específico - constitui-se num dos passos importantes para o entendimento do sistema jurídico vigente e dos respectivos ramos.

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Não é, assim, indispensável conhecer todos artigos das inúmeras leis, porém é de suma importância entender os princípios jurídicos de cada ramo do Direito, pois da falta de sua percepção e alcance, decorre a ineficácia de qualquer ação interpretativa ou integrativa do sistema legal.

Assim, é crucial recordar que a correta compreensão dos estreitos limites e da própria divisão do Direito decorre a correta integração, interpretação e aplicação das regras e dos princípios do ECA. Portanto, assimilação dos princípios jurídicos básicos dos vários ramos do Direito são passos importantíssimos na eficácia da defesa dos novos direitos. Urge, assim, destacar nuances e especificidades dos ramos do Direito que mais interagem com os direitos infanto-juvenis.

3. 1 Direito Constitucional

O estudo do Direito Constitucional possui natural relevância, dado o sistema hierarquizado legislativo brasileiro, na medida em que o descumprimento da Lei mais importante de qualquer país - denominada de Constituição Federal - provoca graves seqüelas no sistema. As conseqüências decorrem do fato de que, caso as normas constitucionais sejam descumpridas, por serem localizadas na parte mais alta da pirâmide legislativa, subverte e provoca verdadeiro caos no sistema jurídico vigente. Assim, qualquer ação ou medida social, administrativa e jurisdicional deverá observar os princípios e as regras da Magna Carta.

De outro lado, como a atual Constituição Federal, fruto de expressivo movimento social-democrático, alberga os valores mais importantes para a vida do homem em sociedade, sobretudo frente ao Estado, aliado aos demais fatores sociais, seu cumprimento tem o poder de provocar crescimento econômico, avanços culturais e redução das mazelas sociais, tais como: violência, desemprego, má distribuição de renda etc.

É pertinente relembrar, sendo de amplo conhecimento público, que países menos desenvolvidos, no continente africano e na América Latina, inclusive o Brasil, ao longo de suas respectivas histórias têm demonstrado pouca aptidão para cumprimento das respectivas Constituições. As ações gerenciais são pautadas pelas idéias governistas momentâneas e não pelas ações de Estado, a partir do conteúdo constitucional. Não é, portanto, usual a busca do cumprimento da Constituição Federal, seja pelo desconhecimento do seu conteúdo, seja por aspectos ideológicos e culturais.

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A idéia da existência de uma Lei Maior, dentro do sistema jurídico de cada país, que paute sobretudo, as ações do Estado e fixe os direitos fundamentais de cada cidadão, é relativamente nova e, portanto, ainda não restou sedimentada no ideário popular, porém, é possível relembrar exceções de praxe, tais como o respeito e a valorização da atual Constituição...

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