O Estatuto de Defesa do Torcedor

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada/Advogado
Páginas138-156
138
MARIANA ROSIGNOLI
e
SÉRGIO SANTOS RODRIGUE S
Capítulo 6
O Estatuto de Defesa do Torcedor
1. Introdução
m 15 de maio de 2003 foi promulgada a Lei n. 10.671, conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT),
E que foi editada no intuito de proteger os interesses do “consumidor dos esportes”,(259) impondo que as instituições
responsáveis pelo desporto no país se estruturem de maneira organizada, transparente, segura e justa, viabilizando a
todos o direito constitucional ao esporte.
Em 2010 foram implementadas diversas alterações ao EDT com a promulgação da Lei n. 12.299, sendo mantida,
todavia, sua essência de primar pela segurança do torcedor, como demonstra todo capítulo dedicado à criminalização
de condutas, em clara tentativa de se reduzir a violência no desporto.
O EDT foi objeto de questionamento judicial pela ADI n. 2.937/DF, que alegava a inconstitucionalidade de alguns
artigos da norma. O Supremo Tribunal Federal (STF), entretanto, declarou a Lei Federal n. 10.671/2003 constitucional:
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Arts. 8o, I, 9 o, § 5o, incs. I e II, e § 4o, 11, caput e §§ 1o, 2o, 3 o, 4o, 5o e 6o, 12, 19, 30,
parágrafo único, 32, caput, e §§ 1o e 2o, 33, parágrafo único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1o e inc. II, e § 3o, da Lei Federal
n. 10.671/2003. Estatuto de Defesa do Torcedor. Esporte. Alegação de incompetência legislativa da União, ofensa à autonomia das
entidades desportivas, e de lesão a direitos e garantias individuais. Vulneração dos arts. 5o, incs. X, XVII, XVIII, LIV, LV e LVII, e § 2o,
18, caput, 24, inc. IX e § 1o, e 217, inc. I, da CF. Não ocorrência. Normas de caráter geral, que impõem limitações válidas à autonomia
relativa das entidades de desporto, sem lesionar direitos e garantias individuais. Ação julgada improcedente. São constitucionais as
normas constantes dos arts. 8o, I, 9o, § 5o, incs. I e II, e § 4o, 11, caput e §§ 1o, 2o, 3o, 4o, 5o e 6o, 12, 19, 30, parágrafo único, 32, caput
e §§ 1o e 2o, 33, parágrafo único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1o e inc. II, e § 3o, da Lei federal n. 10.671/2003, denominada
Estatuto de Defesa do Torcedor.(260)
O primeiro capítulo, que trata das disposições gerais, recebeu em 2010 o art. 1o-A, que passou a estabelecer que:
Art. 1o-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes,
associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem
como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.
Com a necessidade visível não só de combater, mas de prevenir a violência presente nos espetáculos esportivos,
o legislador definiu que a responsabilidade pela prevenção da violência ficaria a cargo não só dos organizadores do
evento, mas também daqueles que estão relacionados diretamente ao desporto e ao espetáculo espor tivo em si: poder
público, confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas, associações
de torcedores e seus dirigentes.
O art. 2o, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), define quem pretende amparar, o torcedor,
“que é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a
prática de determinada modalidade esportiva”.
Diferentemente do que alguns imaginam, portanto, o Estatuto é aplicado ao torcedor de qualquer modalidade
esportiva e não só do futebol. O parágrafo único do citado artigo traz a presunção relativa (juris tantum) dos elementos
caracterizadores do torcedor, o que é importante na definição ou resolução de situações concretas.
Dando continuidade à definição de torcedor, o art. 2o-A passou a definir torcida organizada e os requisitos de
cadastro de seus membros:
Art. 2o-A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que
se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.
(259) Art. 1o Este Estatuto estabelece normas de proteção e defesa do torcedor.
(260) STF, Ação Direta De Inconstitucionalidade ADI n. 2.937/DF – DISTRITO FEDERAL, Tribunal Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, Julgamento
23.2.2012, Pub. 29.5.2012.
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MANUAL DE DIREITO DESPORTIVO
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Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter,
pelo menos, as seguintes informações:
I – nome completo;
II – fotografia;
III – filiação;
IV – número do registro civil;
V – número do CPF;
VI – data de nascimento;
VII – estado civil;
VIII – profissão;
IX – endereço completo; e
X – escolaridade.
A manutenção desses cadastros atualizados é de fundamental importância para a responsabilização por atos de
violência, bem como por eventos danosos relacionados ao espetáculo esportivo.
O art. 3o equipara a entidade responsável pela organização da competição à figura do fornecedor definido na Lei n.
8.078/90(261) e prescreve, em suma, que para todos os efeitos da lei, a entidade que organizar a competição (confederação
ou federação, em regra) e o clube que tiver o mando de jogo respondem objetivamente pelos danos causados ao torcedor
por defeito relativo à prestação do serviço, informação insuficiente ou inadequada sobre o uso e risco deste serviço.
2. Transparência na organização
O Capítulo II do EDT versa a respeito da transparência na organização das competições esportivas, o que reflete
a preocupação do legislador em garantir a suficiência e adequação das informações prestadas ao torcedor pelo serviço que
irá usufruir, sob pena de se caracterizar o defeito na prestação deste e, consequentemente, a condenação dos responsáveis,
nos termos do já citado art. 3o.
Outra garantia assegurada é a publicidade quanto a alguns aspectos das competições, o que se reflete no § 1o
do art. 5o, que prevê que as entidades organizadoras da competição devem divulgar em seu sítio na internet algumas
informações básicas:
Art. 5o
(...)
§ 1o As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio da entidade responsável pela organização do evento:
I – a íntegra do regulamento da competição;
II – as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário;
III – o nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição de que trata o art. 6o;
IV – os borderôs completos das partidas;
V – a escalação dos árbitros imediatamente após sua definição; e
VI – a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local.
Além da divulgação via internet, tanto os borderôs (espécie de boletim financeiro) quanto a escala dos árbitros
deverão ser afixados “ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as
entradas do local onde se realiza o evento esportivo”.
(261) Art. 3o Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,
que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1o Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2o Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
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