Estatuto Do Idoso - Lei Federal 10.741/2003 - Aspectos Processuais - Observações Iniciais

AutorLuiz Manoel Gomes Junior
CargoMestre E Doutor Em Direito Pela Puc-Sp
Páginas1-13

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I - Introdução

Recentemente foi sancionada, sem nenhum veto, o Estatuto do Idoso - Lei Federal nº 10.741/2003 -, que disciplina os direitos assegurados aos idosos, assim consideradas as pessoas com 60 (sessenta) anos, ou mais, de idade.

Do ponto de vista legal, trata-se de um relevante instrumento normativo, visando a assegurar e disciplinar os direitos desta importante parcela da população que cresce dia a dia, considerando o aumento da expectativa de vida1.

Nesta oportunidade, tecemos algumas considerações quanto aos aspectos negativos e positivos do novel Estatuto do Idoso, sob o ponto de vista estritamente processual2, tentando, de alguma forma, colaborar para o início dos conseqüentes debates que, sem sombra de dúvidas, advirão.

II - Os direitos coletivos - Algumas considerações

No seu capítulo III, o Estatuto do Idoso regula a proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis3 ou homogêneos e que estejam relacionados com a proteção do idoso. Este será o ponto central de nossas observações, considerando ser a parte processual do mencionado diploma. Page 2

Conforme tivemos ensejo de argumentar em diversas oportunidades4, atualmente houve uma considerável preocupação dos operadores do direito, em seu sentido mais amplo, com os direitos coletivos e mesmo com formas mais ágeis e eficazes de oferecimento da tutela jurisdicional.

Contudo, não se trata de uma preocupação atual, como possa parecer. Segundo anotado por Paulo Bonavides5, foi Karal Vasak, em aula inaugural dos cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, na França, que bem delimitou o desenvolvimento das diversas categorias de "direitos".

Os direitos coletivos incluem-se dentre os direitos de terceira geração6 que se originaram da noção de um mundo globalizado, dividido em nações ricas e pobres, desenvolvidas e subdesenvolvidas. Há uma valorização de um lema difundido pela Revolução Francesa: a fraternidade.

Incluem-se nos direitos de terceira geração o direito ao desenvolvimento, ao meioambiente7, à paz, à propriedade em relação aos bens comuns da humanidade e à comunicação.

Segundo a doutrina8 "(...) fala-se em direitos de terceira geração, assim eqüidistantes dos direitos individuais como dos valores corporativos, já agora tomando o homem em dupla projeção: de um lado, na sua integração física com o planeta (meio ambiente no senso naturalístico), e, de outro lado, na sua interação com os semelhantes, podendo falar-se de direitos de fraternidade ou de comunhão universal. Neste último plano, pontificam os chamados interesses metaindividuais, notadamente os de maior amplitude social, ditos difusos, já normatizados dentre nós (CF, art. 129, III; Lei 8.078/90, art. 81, I) (...)".

Paulo Bonavides9 chega a mencionar direitos de quarta geração, que incluiriam o direito à democracia, à informação (que aqui entendemos como informação verdadeira10) e ao pluralismo. Segundo o referido doutrinador, seria a "globalização dos direitos fundamentais".

Considerando-se que determinados danos (ambientais, p. ex., ou a venda de produtos tóxicos) produzem efeitos além das fronteiras previamente delimitadas, há a necessidade de serem eles debelados e eficazmente combatidos. Estamos, assim, em uma "era de direitos", sendo que a atuação do exegeta, ao analisar este tema, deve partir de tal perspectiva.

Hoje, não interessa, apenas, a defesa intransigente do lucro ou da livre iniciativa, ambos valorizados, mas exige-se ainda que haja o atendimento de sua função social indispensável11 em qualquer tipo de atividade, individual ou coletiva.

III - Aspectos negativos do estatuto do Idoso

Ao nosso ver, todas as normas que disciplinam a aplicação dos direitos coletivos - Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65), Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), Código do Consumidor Page 3 (Lei 8.078/90), Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), Lei da Pessoa Portadora de Deficiências (Lei 7.853/89), Lei Protetiva dos Investidores do Mercado de Valores Imobiliários (Lei 7.913/89) e Lei de Prevenção e Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica, ou lei Antitruste, (Lei 8.884/94) - formam um único sistema interligado de proteção dessas espécies de direitos (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Valéria Bononi Gonçalves de Souza12 argumenta, com indiscutível razão, que: "Finalmente, a Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1.990 introduziu o Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê em seu art. 81 que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida individual- mente ou a título coletivo.

"Necessário destacar que, quando o CDC em seu Título III trata da defesa do consumidor em juízo dispõe que - às ações ali previstas aplicam-se as normas da Lei da ação civil pública (art. 90) -, autoriza verdadeira integração entre os dois sistemas (também em virtude do acréscimo do art. 21 à LACP), com aplicação subsidiária do CPC, cuja aplicação estende-se a outras ações coletivas que versem sobre diferentes direitos que não os dos consumidores.

"Mais uma vez nos valemos dos ensinamentos da Profª. Tereza Arruda Alvim (Apontamentos sobre as Ações Coletivas, São Paulo: Revista dos Tribunais, RePro 75, p. 277), quando explicita o seguinte comentário: "O sistema das ações coletivas latu sensu é regido fundamentalmente pelo CDC e pela LACP, ou seja, ações em que se veiculam pretensões de direitos supra-individuais dizem respeito a todas as ações coletivas e não só àquelas por meio das quais se formulam pedidos ligados aos direitos do consumidor"13 - destaques nossos.

Nos termos do art. 90 do Código do Consumidor, nas demandas envolvendo relações de consumo, há a incidência do sistema instituído pela Lei da Ação Civil Pública. Tal raciocínio pode ser ampliado para todas as normas que disciplinam direitos coletivos, formando um micro- sistema. No ponto reside o principal fator negativo do Estatuto do Idoso, ao menos do ponto de vista processual.

Houve, praticamente, uma repetição (arts. 78 e seguintes) dos dispositivos legais inseridos na Lei da Ação Civil Pública e no Código do Consumidor. No art. 79 são previstos os direitos que podem ser invocados por meio de demanda coletiva:

"I - acesso às ações e serviços de saúde;

"II - atendimento especializado ao idoso portador de deficiência ou com limitação incapacitante;

"III - atendimento especializado ao idoso portador de doença infecto-contagiosa;

"IV - serviço de assistência social visando ao amparo do idoso.

"Parágrafo único. As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos, próprios do idoso, protegidos em lei".

Tais direitos nada mais são que direitos coletivos em sentido lato e, portanto, inseridos no conceito previsto no inciso IV do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública. Seria mais prático e funcional se fosse incluído mais um inciso no referido art. 1º da Lei da Ação Civil Pública: "VI - aos direitos dos idosos, com idade igual ou superior a 60 anos, abrangendo os difusos, coletivos e individuais homogêneos, disponíveis ou não" - caso a intenção fosse ressaltar tal categoria de direitos. Page 4

Houve, ao nosso ver, uma repetição desnecessária e que somente serve para criar confusões, data vênia, assim como ocorre no art. 80 do Estatuto do Idoso, que nada mais faz senão repetir a disposição contida no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública.

Já o art. 83 do referido estatuto apenas repete o art. 461 do Código de Processo Civil e o art. 84 do Código do Consumidor, como se essas normas já não pudessem ser invocadas na defesa dos idosos.

Do mesmo modo, há mais uma impropriedade técnica no art. 84 do Estatuto do Idoso. O art. 83, §2º, permite a fixação de uma multa, cuja evidente finalidade é a de coagir o réu a cumprir o que foi determinado pelo julgador14.

Trata-se de instituto de natureza processual, mas que guarda semelhança com outros de natureza civil - cláusula penal, cláusula resolutória expressa e direito de retenção, p. ex. -, ou seja, atuam no sentido de obrigar o cumprimento do que foi convencionado. No caso de uma decisão judicial, em sede de antecipação da tutela, visa a obrigar ao seu cumprimento.

Há duas espécies básicas de multa, uma de natureza compensatória ou moratória, que visa atenuar o prejuízo com o atraso no cumprimento da obrigação, e outra de natureza cominatória, tecnicamente denominada astreintes, cuja finalidade é compelir que a parte cumpra a obrigação que lhe foi imposta. A multa aplicada em sede de antecipação da tutela tem evidente natureza cominatória.

Na verdade: "As astreintes, originadas do direito francês, têm por objetivo coagir o devedor, que foi condenado a praticar um ato ou a abster-se da referida prática, a realizar o comando imposto pelo juiz. Elas não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento, e, portanto, somente são incidíveis nas obrigações de fazer ou de não-fazer. Cuida-se, na verdade, de "meio coercitivo indireto", para usarmos de feliz expressão de Amaral Santos, podendo, inclusive, levar o devedor à insolvência (...)"15.

As astreintes podem ser fixadas a requerimento do interessado ou ex officio pelo juiz16 e sem limites17, ou seja, sem correlação com o valor da obrigação, até porque a sua finalidade é obter o cumprimento da decisão judicial.

Consta que a multa fixada em decorrência de desobediência a uma decisão judicial (§único do art. 84 do Estatuto do Idoso), caso não seja paga voluntariamente, será objeto de demanda executiva a ser ajuizada pelo Ministério Público.

Ora, havendo vários legitimados ativos (art. 81 - União, Estados, Municípios, OAB e...

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