Estelionato (Art. 171)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas1307-1363
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 171
1. Conceito do delito de estelionato
O delito consiste no fato de o sujeito ativo obter, para
si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante arti-
fício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Do latim “stellionatus” (fraude, engano, embuste),
entende-se, genericamente, toda espécie de fraude
ou engano, introduzida nos contratos ou nas con-
venções, com o intuito de realizar um negócio, a que
se está vedado, a ceder objeto, que não possa ser
cedido, ou a tirar ou obter proveito ou vantagem, que
se considere ilícita.3741
Cleber Masson faz interessante análise: “O este-
lionato é crime patrimonial praticado mediante frau-
de: no lugar da clandestinidade, da violência física
ou da ameaça intimidatória, o agente utiliza o enga-
no ou se serve deste para que a vítima, inadvertida-
mente, se deixe espoliar na esfera do seu patrimô-
nio. A fraude consiste, portanto, na lesão patrimonial
por meio de engano”3742
CURIOSIDADE INTERESSANTE
O código usou como vocábulo centro do presente
delito Estelionato, que vem do Direito Romano (stel-
lius, onis), que é o nome de um lagarto que muda-
va de cores conforme os objetos que o rodeavam;
indica, assim, a natureza proteiforme do delito e
também a dissimulação do sujeito ativo que sempre
usa artifícios inteligentes, cuja  nalidade é ressalta-
da por Bento de Faria:3743 “os artifícios, manobras
3741 DE PLÁCIDO E SILVA – Vocabulário Jurídico, Forense,
1984, v. 2, p. 215.
3742 MASSON, Cleber. Ob. cit. p. 593.
3743 Código Penal do Brazil: Parte Especial. Rio de Janeiro
Francisco Alves, 1913. v. 2, p. 495.
fraudulentas, ou meios astuciosos, consiste em em-
pregar o agente uma combinação de fatos, uma ma-
quinação preparada com mais ou menos habilidade,
com ardil engendrado com mais ou menos arte, com
o  m de enganar a terceiro, sendo necessário, entre-
tanto, para que sejam puníveis, tomem corpo, revis-
tam uma forma e tornem-se por assim dizer visíveis
e tangíveis”.
2. Análise didática do tipo penal
Luiz Regis Prado e Cézar Roberto Biten-
court3744 lecionam com maestria: “A ação tipi-
cadaé obtervantagem ilícita (parasiou para
outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou man-
tendo alguém em erro (mediante artifício, ardil
ou qualquer outro meio fraudulento). Assim, a
conguraçãodoestelionato:1)empregodearti-
fício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2)
induzimento ou manutenção da vítima em erro;
3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em
prejuízo alheio (do enganado ou de terceiro).
Erro é a falsa representação ou desconhecimen-
to da realidade; artifício é toda a simulação ou
dissimulação idônea para induzir uma pessoa
em erro, levando-a a percepção de uma falsa
aparência da realidade. Ardil é a trama, o estrata-
gema, a astúcia.”
Manzini leciona que “o crime de estelionato
não é considerado um fato limitado à agressão do
patrimônio de “Tício” ou de Caio, mas antes como
manifestação de delinquência que violou o preceito
legislativo, o qual veda o servir-se da fraude para
conseguir proveito injusto com dano alheio, quem
quer que seja a pessoa prejudicada em concreto. O
3744 Obra citada.
Capítulo 15
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estelionatário é sempre um criminoso, mesmo que
tenha fraudado em relações que, por si mesmas,
não merecem proteção jurídica, porque sua ação é,
em qualquer caso, moral e juridicamente ilícita”.3745
Nucci também apresenta valiosa lição sobre o
núcleo do tipo: a conduta é sempre composta. Obter
vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém
em erro. Signica conseguir um benefício ou um lu-
cro ilícito em razão do engano provocado na vítima.
Esta colabora com o agente sem perceber que está
se despojando de seus pertences. Induzir quer dizer
incutir ou persuadir e manter signica fazer permane-
cer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem
indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofen-
dido ao engano ou quando deixa que a vítima perma-
neça na situação de erro na qual se envolveu sozinha.
É possível, pois, que o autor do estelionato provoque
a situação de engano ou apenas dela se aproveite.
De qualquer modo, comete a conduta proibida.3746
Cleber Masson3747 entende que se visualizam
quatro momentos diversos no estelionato: “(1) em-
prego de fraude; (2) situação de erro na qual a vítima
é colocada ou mantida; (3) obtenção ele vantagem
ilícita; e (4) prejuízo suportado pela vítima”.
OBSERVAÇÕES DIDÁTICAS
1. Segundo Crivellari, são elementos do este-
lionato:
a) o uso de artifício ou de ardil;
b) a idoneidade desses meios para surpreender a
boa-fé de outrem;
c) o engano resultante do induzimento em erro;
d) o injusto proveito com o prejuízo alheio.
Minha posição: entendo que o estelionato tem
os elementos infracitados:
a) obtenção, para si ou para outrem, de vantagem ilícita;
b) injusto proveito resultando prejuízo alheio;
c) indução ou mantenção de alguém em erro, me-
diante artifício, ardil ou qualquer outro meio frau-
dulento.
3745 MANZINI apud NORONHA, E. Maglhães. Direito Penal,
cit., v, p. 362.
3746 Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. 2. ed. São
Paulo: RT, 2002. No mesmo sentido, MASSON, Cleber.
Ob. cit. p. 594.
3747 MASSON, Cleber. Ob. cit. p. 596.
Entendo — e este é o entendimento doutrinário
dominante — que a boa-fé da vítima não é elemento
do estelionato. Voltaremos ao assunto no caso criminal
superinteressante “a torpeza bilateral”.
O item “c” ainda deve ser mais bem explicado,
porque devemos considerar duas hipóteses, mencio-
nadas a seguir.
1a hipótese: o estelionato pode ser cometido por
meio de um comportamento positivo.
EXEMPLO DIDÁTICO
É o estelionato cometido por meio da “indução
em erro”. Neste caso, há um comportamento posi-
tivo porque o agente ativo cria uma situação que
tem por objetivo levar a vítima a cometer o erro. No
mesmo sentido, Greco: “A indução pressupõe um
comportamento comissivo, vale dizer, o agente faz
alguma coisa para que a vítima incorra em erro”3748.
2a hipótese: o estelionato pode ser cometido por
meio de um comportamento negativo.
EXEMPLO DIDÁTICO
É o estelionato cometido por meio da “manu-
tenção em erro”. Neste caso, há um comportamen-
to negativo, porque a vítima já está enganada e o
agente ativo cria uma situação que tem a nalidade
de manter a vítima no erro. No mesmo sentido, Gre-
co, “a conduta de manter a vítima em erro pode ser
praticada omissivamente, isto é, o agente, sabedor
do erro no qual está incorrendo a vítima, aproveita-
se dessa oportunidade, silenciando a m de obter a
vantagem ilícita em prejuízo dela”3749.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Agora, você já pode resolver estas questões, ela-
boradas com base no forense prático.
1. Quais os elementos do estelionato?
2. Por que se diz que o estelionato pode ser
cometido de forma positiva e negativa?
Delmanto leciona que para que o esteliona-
to se congure, é necessário: 1o) o emprego, pelo
agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio
fraudulento; 2o) induzimento ou manutenção da vít ima
3748 GRECO, Rogério. Ob. cit. Capítulo VI – Do Estelionato e
Outras Fraudes.
3749 GRECO, Rogério. Ob. cit. Capítulo VI – Do Estelionato e
Outras Fraudes.
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em erro; 3o) obtenção de vantagem patrimonial ilícita
pelo agente; 4o) prejuízo alheio (do enganado ou de
terceira pessoa). Portanto, mister se faz que haja o
duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio)
relacionado com a fraude (ardil, artifício, etc.) e o
erro que esta provocou.
2. Sobre requisitos colacionamos os seguintes
julgados:
Para a subsunção de determinada conduta no tipo pe-
nal descrito no artigo 171 do CP, é essencial a presen-
ça dos seguintes elementos objetivos: o emprego de
algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o
induzimento em erro da vítima; e a obtenção da vanta-
gem ilícita pelo agente e o prejuízo de terceiros. Indis-
pensável que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e
prejuízo alheio), decorrente da fraude e o erro que esta
provocou. (TRF4, ACR 5006681-20.2013.404.7202,
OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN
NETO, juntado aos autos em 11/03/2016)
Exige-se, como elemento subjetivo, a presença do dolo
especíco para o estelionato, consistente no agir especia l
do agente para apoderar-se de vantagem ilícita, e, sen-
do crime material, se consuma no momento e no local
no qual o agente obtém a vantagem ilícita, em prejuízo
de outrem (TRF4, ACR 5006681-20.2013.404.7202,
OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN
NETO, juntado aos autos em 11/03/2016)
a) É imprescindível à caracterização do esteliona-
to que a vantagem obtida pelo agente, além de
ilícita, tenha relação com a fraude e com o erro
induzido por ela.3750
b) Não basta que induza ou mantenha a vítima em
erro pelo emprego de meio fraudulento, sendo
necessário, também, que da ação resultem
vantagem ilícita e dano patrimonial.3751
c) Para a conguração do estelionato, torna-se
indispensável a concorrência de dois requisitos:
fraude e lesão patrimonial.3752 Não há estelionato
sem que o agente pretenda obter vantagem em
prejuízo alheio.3753
d) Sendo crime contra o patrimônio, exige, ao
menos, a possibilidade de prejuízo alheio.3754
3750 TRF da 5a. R., Ap. 947, DJU 13/05/1994, p. 22641.
3751 TFR, Ap. 4.907, DJU 02/04/1987, p. 5640; TRF da 2ª R.,
Rev. 16.440, DJU 02/07/1992, p. 20077.
3752 TJSP, RT719/463.
3753 TJSP, RT 495/352.
3754 TJSP, RT482/351.
3. A diferença entre o estelionato e a extorsão
está no ânimo da vítima; na extorsão, há a entrega
da coisa, conquanto o ofendido não a queira entre-
gar, e no estelionato, por estar iludida, a vítima faz
conscientemente a entrega.3755
4. No estelionato, o dolo existe desde o começo,
enquanto na apropriação indébita ele é subse-
quente.3756
5. Delmanto leciona: Existe distinção entre fraude
civil que busca o lucro do negócio, e a fraude penal que
visa ao lucro ilícito. Note-se que se inexiste dano civil
não se pode falar em prejuízo ou dano penal.3757
6. Não é punível a emissão de cheque sem fun-
dos pelo autor de apropriação indébita, para ressar-
cir a vítima desse delito, visto não obter o agente
qualquer proveito.3758
7. Sobre os mecanismos grosseiros de engodo,
Nucci, leciona que não há crime, pois é exigível que
o artifício, ardil ou outro meio fraudulento seja apto a
ludibriar alguém. Utiliza-se, para tanto e como regra
geral, o critério do homem médio, ou seja, a pessoa
comum. Excepcionalmente, cremos ser cabível ana-
lisar, ainda, as condições pessoais da vítima, isto é,
se for pessoa muito simples, colhida de surpresa,
sem condições de se informar devidamente, portan-
to vítima que está abaixo da média da sociedade,
é possível congurar o estelionato por meio fraudu-
lento facilmente detectável pelo homem médio. De
outra parte, quando o ofendido for pessoa extrema-
mente esclarecida e especialista em determinada
matéria, de onde proveio o seu logro, o critério do
homem médio também pode falhar. Assim, o agente
que conseguiria enganar a pessoa comum, valendo-
se de determinado artifício, não o faria com a vítima
preparada. Se esta se deixar envolver, por mera
desatenção de sua parte, entendemos não con-
gurado o delito.3759 Masson, por sua vez, entende
que a ecácia do engodo deve se basear nas con-
dições pessoais da vítima, e não no homem médio:
“A constatação desta idoneidade leva em conta as
condições pessoais do ofendido, exteriorizadas pela
sua maior ou menor experiência de vida e perspi-
cácia para compreensão pela fraude, bem como
3755 TJSP, RT 505/357.
3756 TJSP, RJTJSP97/447; TJSP, RT535/323, 517/344.
3757 MARQUES, Frederico. “Estelionato: ilicitude civil e ilicitude
penal”, in RT 560/286.
3758 TJSP, RT631/315, Julgados 95/186.
3759 Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Editora RT, 2.
ed., 2002.
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