Regime de participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação social eletrônica: notas sobre o projeto de lei n. 29/2007 E âmbito de aplicação do estatuto da igualdade entre Brasil e Portugal de 1971

AutorFabrício Bertini Pasquot Polido
Páginas233-251

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1. Notas introdutórias: participação de capital estrangeiro e segmentos de comunicação social eletrônica

1.1 Entre as delicadas questões em torno da liberalização do mercado de serviços de comunicação eletrônica no Brasil encontram-se empoeiradas e insustentáveis premissas. Ao incauto jurista, esse tema poderia retomar a velha lógica da preservação da "nacionalidade" da propriedade de certas empresas atuantes nos segmentos de radiodifusão sonora e de sons e imagens, como mesmo prevê a regra contida no art. 222 da Constituição Federal de 1988.1

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1.2 Em suma, o dispositivo estabelece uma série de limitações constitucionais à participação do capital estrangeiro na propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão de sons e imagens, considerando-a exclusiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas sediadas no Brasil, nas quais pelos menos 70% do capital votante seja detido, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.2

1.3 Entre suas contradições e conteúdos ideologizantes, o debate sobre a participação de capital estrangeiro em empresas prestadoras de serviços de comunicação social eletrônica encontra-se hoje apoiado nos desdobramentos da tramitação do Pro-jeto de Lei n. 29, de 5 de fevereiro de 2007 (PL n. 29/2007), que prevê a criação de um quadro normativo concernente às comunicações sociais eletrônicas no contexto doméstico. A iniciativa legislativa comentada propõe alterar importantes normas que disciplinam a oferta de serviços de TV por assinatura e serviços audiovisuais eletrônicos no mercado brasileiro, com importantes conseqüências para a produção nacional e independente de conteúdo televisivo e ele-trônico.

1.4 Em seus principais dispositivos, o PL n. 29/2007 oferece alternativas para que empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa e móvel passem a produzir e distribuir conteúdo eletrônico no domínio das "comunicação social", desde que elas sejam sociedades empresárias constituídas e sediadas no Brasil e nas quais a maioria do capital social e votante seja detida por nacionais brasileiros ou naturalizados há mais de dez anos. Nesse cenário, as emissoras de rádio e de televisão brasileiras têm sustentado a exclusividade na prestação dos serviços de comunicação social eletrônica, com base em uma interpretação am-pliativa das limitações estabelecidas na Constituição Federal de 1988. No limite, trata-se de evidente conflito de concepções no campo da política normativa para regulamentação de setores muito distintos e que no fundo estão diretamente relacionados com o interesse público no acesso e democratização da informação.

1.5 Por outro lado, o Projeto estabelece que as mesmas normas constitucionais e infraconstitucionais vigentes para a regulação dos serviços de comunicação social prestados por emissoras de televisão, sobretudo quanto à criação, produção e distribuição de conteúdo, serão aplicáveis também para as empresas atuantes nos segmentos de telefonia fixa e móvel. Dentre elas destacam-se a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive divulgação entre o público; re-

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gionalização da produção cultural, artística e jornalística, de acordo com percentuais a fixados em lei; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

1.6 O PL n. 29/2007, assim, expõe a questão de determinar se diferentes percentuais, ou limites de participação de capital estrangeiro na estrutura societária de empresas atuantes nos segmentos de comunicação audiovisual eletrônica, estariam em conformidade com as normas pertinentes às matérias veiculadas nos arts. 220 e ss. da Constituição Federal de 1988, que dispõem, especificamente, sobre o regime jurídico da comunicação social no direito brasileiro. Aqui são discutidas, mais uma vez, opções de participação de capital estrangeiro em empresas de TV por assinatura, tanto por pessoas naturais como pessoas jurídicas, as limitações legais estabelecidas pelo ordenamento brasileiro à participação do capital estrangeiro em empresas de TV a cabo e as competências do Poder Executivo na regulação do setor. Em destaque estão ainda a consideração da atuação de pessoas jurídicas de direito estrangeiro no Brasil (e suas questões no Direito Internacional Privado) e a aplicação das normas de tratados bilaterais firmados entre o Brasil e Portugal para reconhecimento mútuo de direitos civis, políticos e econômicos, com inegáveis reflexos sobre o ordenamento constitucional doméstico.

1.7 O presente estudo busca analisar os principais aspectos do regime da participação de capital estrangeiro em empresas atuantes nos segmentos de comunicação eletrônica. O item 2 apresenta um sumário executivo do PL n. 29/2007, com a descrição de suas principais normas, definições e alternativas propostas pela iniciativa legislativa quanto à participação de capital estrangeiro em empresas atuantes nos segmentos de comunicação social eletrônica, em especial nas provedoras de serviços de TV a cabo. No item 3, são analisados os desdobramentos do processo legislativo em curso no Congresso Nacional, além das implicações do PL n. 29/2007 so-bre a Lei brasileira da TV a Cabo de 1995. Os aspectos gerais da disciplina jurídica relativa à participação de capital estrangeiro em empresas jornalísticas e de radiodifusão também são revisitados no item 4, que inclui observações sobre o controle concreto por órgãos brasileiros de registro comercial de atos societários envolvendo participações societárias estrangeiras em empresas atuantes no território brasileiro. No item 5, são abordados os principais aspectos da aplicação extensiva do Estatuto da Igualdade entre portugueses e brasileiros de 1971. As conclusões do presente estudo são apresentadas no item 6.

2. O PL n 29/2007 e quadro da política legislativa relativa à comunicação social eletrônica no Brasil

2.1 Em 5 de fevereiro de 2007 o Deputado Paulo Bornhausen (do Partido dos Democratas/SC) apresentou o Projeto de Lei n. 29, que estabelece normas relativas à "organização e exploração das atividades de comunicação social eletrônica" no Brasil.3 Em realidade, o Projeto pretende consolidar um marco jurídico complementar para o setor de telecomunicações no Brasil, atendendo às demandas especificas das tecnologias de internet e redes digitais. Importante destacar que o texto apresentado faz referência direta às matérias constantes dos arts. 220 a 224 da Constituição Federal de 1988 (relativas à "Comunicação Social"), prevendo a revogação de dispositivos da Lei n. 8.977, de 6 de janeiro de 1995 ("Lei da TV a Cabo") concernentes às restrições de participação do capital estrangeiro em empresas concessionárias de serviços de telecomunicações no Brasil, incluindo aquelas prestadoras de serviços de TV a cabo.4

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2.2 O Projeto em análise encontra-se em regime de tramitação ordinária no Congresso Nacional brasileiro, submetido à apreciação conclusiva pelas Comissões da Câmara dos Deputados.5 À iniciativa legislativa representada pelo PL n. 29/2007 estão apensados outros Projetos de Lei co-relatos, nomeadamente o PL n. 70/2007,6 PL n. 332/20077 e PL n. 1.908/2007,8 bem como as Emendas ns. 1 a 12 e 1° a 25, apresentadas, respectivamente, à Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) e à CCTCI, como propostas de substitutivos para alteração do texto do projeto original.

2.3 Dentre os dispositivos originalmente estabelecidos pelo PL n. 29/2007, destacam-se o art. 2o, relativo à liberdade de produção, programação, oferta e comer-cialização de conteúdo eletrônico no território nacional, que é definido como o "conjunto de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens sons e informações de qualquer natureza, contendo material de natureza informativa, educativa ou de entretenimento",9 e o art. 5o, que especifica os serviços de telecomunicações associados à distribuição de conteúdo eletrônico no Brasil:

(i) serviço de radiodifusão sonora;

(ii) serviço de radiodifusão de sons e imagens;

(iii) serviço de TV a cabo;

(iv) serviço de distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite (DTH);

(v) serviço de distribuição de sinais multiponto multicanal (MMDS); e

(vi) outros serviços de acordo com a regulamentação da ANATEL.

2.4 O Projeto define igualmente "distribuição de conteúdo eletrônico" como "a disponibilização (sic) ou fornecimento de conteúdo eletrônico, de forma livre ao público em geral ou mediante contrato aos usuários finais, por intermédio de um dos serviços de telecomunicações abrangidos pelo art. 5o desta Lei". E em seu art. 1o existe uma referência indireta à aplicação do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962), considerando radiodifusão como modalidade de serviço de telecomunicações. Uma das conseqüências imediatas do PL n. 29/2007 seria a de submeter a organização e o regime dos serviços de radiodifusão (inclusive no que tange à distribuição de conteúdo) à esfera de competências da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) relativas ao setor de telecomunicações. Assim, todas as atividades implicadas no domínio da "comunicação social

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eletrônica" estariam aos poderes...

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