Estratégias de proteção patrimonial nas empresas familiares

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas349-370

Page 349

Ver Nota1

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo descrever e analisar os mecanismos de proteção patrimonial nas empresas familiares, em face de responsabilidades por dívidas, divórcios, desinteligências entre os familiares ou por insegurança legislativa e alternâncias jurisprudenciais.

Para tanto, será discorrido no primeiro momento os conceitos e características da empresas familiares e posteriormente a análise das estratégias de proteção patrimonial, como a constituição de sociedades, criação de holding, cláusulas de impenhorabilidade, dentre outros.

Page 350

1 Atributos das empresas familiares

Na doutrina não há harmonia no conceito de empresas familiares. Para Kelin
E. Gersick, et al (2006, p. 7), a definição de empresa familiar restringe-se a aquela em que o controle e a administração são exercidos pela própria família.

Entende Werner Bornholdt (2005, p. 34) que será uma empresa familiar a que tiver o controle acionário pertencente a uma família ou a seus herdeiros, ou que os laços familiares determinem a sucessão no poder, ou que os parentes se encontrem em posições estratégicas, como na diretoria ou no conselho de administração, ou que as crenças e os valores da organização identifiquem-se com os da família, ou que os atos dos membros da família repercutem na empresa, não importando se nela atuam, ou a ausência de liberdade total ou parcial de venderem suas participações acumuladas ou herdadas na empresa.

Para Roberta Nioac Prado (2011, p. 20), a empresa familiar se caracteriza pela identificação com uma família há pelo menos duas gerações, pois é a segunda geração que, ao assumir a propriedade e a gestão, transforma a empresa em familiar, ou aquela que na sucessão da gestão está ligada ao fator hereditário, ou quando os valores institucionais e a cultura organizacional da empresa se identificam com os da família ou quando a propriedade e o controle acionário estão preponderantemente nas mãos de uma ou mais famílias.

Diante desses conceitos amplos e com diversas facetas, a verdade é que a empresa familiar é aquela que sofre influência da entidade familiar nas suas decisões. Verdade que, na sua grande maioria, as pessoas naturais que são acionistas ou quotistas, pertencem a alguma família. Porém, deve-se inquirir se a família como entidade influencia substancialmente nas decisões do sócio na gestão da empresa ou nos votos na sociedade ou na administração do patrimônio.

Desta feita, entendemos ser empresa familiar aquela que tem seu poder de controle influenciado por uma entidade familiar, sujeitando não somente aos interesses individuais do sócio, mas também aos interesses da entidade familiar, que detém o controle acionário, político e familiar, sendo a affectio societatis caracterizada ou imposta pelo vínculo familiar entre seus sócios.

A constituição da empresa familiar tem por objetivo proteger os bens da família e da empresa de dívidas e de desavenças entre os próprios familiares, como divórcios, dilapidação patrimonial e, ainda, estabelecer uma política de administração dos bens.

Page 351

Objetiva, também, a atração de novos investimentos e financiamentos com a profissionalização na administração dos negócios, criação de novas oportunidades e minimização dos riscos das atividades econômicas.

Para Kelin E. Gersick, et al (2006, p. 16), as empresas familiares alicerçam-se em três pilares, com características próprias, quais sejam: a família, a propriedade e o negócio.

Ao longo do tempo, a entidade familiar se sujeita naturalmente a inúmeras mudanças em face de nascimentos, mortes, casamentos, divórcios etc., refletindo naturalmente em alterações na propriedade, na empresa, na administração e na partilha de seus bens.

Segundo Kelin E. Gersick, et al (2006, p. 16), esses eventos tem influência direta no âmbito da empresa familiar, que passa a ter como familiares sócios pessoas que, antes, eram familiares empregados e, num momento ainda mais remoto, eram apenas familiares.

Por outro lado, é no patrimônio da entidade familiar que se encontra seu extraordinário valor, pois é a fonte e a segurança econômica da família, a sustentá-la por gerações, bem como uma forma de proteger e circular a riqueza.

2 Estratégias de proteção patrimonial

A empresa familiar, tendo a família como base de seus valores e atributos, e a propriedade e o negócio como a segurança econômica da entidade familiar, deve-se precaver dos infortuitos das relações familiares e dos negócios, devendo desenvolver estratégias de proteção patrimonial dos bens que foram adquiridos ao longo de gerações.

Ressalta-se que o objetivo não é criar proteção ilícita ou ilegal. O escopo é a proteção da unidade econômica da família contra má gestão, desavenças entre seus membros ou responsabilidade por dívidas decorrentes de atos de seus membros, que comprometam seu patrimônio. Esta proteção pode ser realizada por meio de mecanismos jurídicos que impedem ou minimizam os efeitos dos riscos familiares e econômicos na entidade familiar, como a constituição de sociedade, de holding, de acordos parassociais, cláusulas especiais, dentre outras.

2. 1 Constituição de Sociedade

A constituição de uma sociedade, dotada de personalidade jurídica, é uma da principais formas de proteger os bens da empresa familiar, distinguindo-os dos

Page 352

seus sócios. Constitui-se pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas que assumem a obrigação de contribuir com seus esforços e recursos para exercer atividade econômica e lograr fins comuns. Essa união é materializada no contrato ou no estatuto social, seu ato constitutivo, imprescindível para sua formação, pois vincula juridicamente os sócios, e estes e a sociedade, estabelece regras e cria um sujeito de direitos e obrigações2, dotado de personalidade jurídica,3que realiza, em seu nome, negócios jurídicos.

A pessoa jurídica tem existência distinta da dos seus membros, não havendo confusão entre os bens da sociedade com os bens de seus sócios. Desta feita, se os sócios vinculados pelo laços de família, por serem cônjuges4, ou cônjuges e filhos, ou pais, irmãos, netos e sobrinhos, resolvem constituir uma sociedade, as dívidas da sociedade não atingirão os bens de seus sócios, sendo verdadeira a recíproca, salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, notadamente por dívidas trabalhistas.

Todavia, deve-se, em face do perfil dos sócios familiares, da atividade a ser exercida, da forma de se administrar e distribuir lucros, escolher o tipo societário que vinculará os sócios e os sócios à sociedade.

Assim como os nubentes devem escolher o regime de bens de seu casamento – comunhão universal ou parcial, separação total de bens ou participação final nos aquestos –, os sócios devem escolher o melhor tipo societário, que estará inevitavelmente restrito a dois tipos: a sociedade limitada e a sociedade anônima.5A escolha do tipo societário, limitada ou anônima (aqui será abordado a sociedade anônima de capital fechado), pode influenciar especialmente no processo sucessório, na administração, nas relações entre os sócios, na desarmonia grave entre eles, bem como no campo da eficiência administrativa e operacional. A es-

Page 353

colha será realizada de acordo com os interesses dos sócios, devendo ser pautada na conjugação de vários fatores, nunca um isolado, que, unidos, proporcionarão maior segurança ao investimento e transparência nas relações familiares.

Em comum, a sociedade limitada e a anônima têm a necessidade de, no mínimo, dois sócios para sua constituição, a limitação da responsabilidade dos sócios ao limite do capital investido na sociedade e a possibilidade da administração ser realizada por não sócios.

Por outro lado, possuem pontos diferenciados, como a proteção ao sócio minoritário, a cessão e transferência das ações e quotas, a sucessão em caso de falecimento do sócio, dentre outros. Confira-se:

Quanto à sucessão, no caso de falecimento de acionista, isto nas sociedades anônimas, os herdeiros passam a substituí-lo automaticamente na companhia, exercendo, em nome próprio, todos os direitos relativos à disposição acionária herdada, isto é, tornando-se acionista imediatamente. Nesse caso, em face da saisine, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo que até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.6Porém, em se tratando de limitada, o tema deve estar previsto no contrato social. Assim, ou o contrato prevê o não ingresso do herdeiro, por entenderem que não haverá affectio societatis ou que o herdeiro do sócio do falecido poderá colocar em risco o andamento da sociedade, apurando-se, por consequência, o valor da quota do falecido, ou o contrato prevê a entrada na sociedade do herdeiro, não podendo, por outro lado, obrigá-lo a ser sócio. Assim, é necessário que o contrato social autorize a entrada dos herdeiros e estes aceitem o ingresso na sociedade.

Quanto à administração, nas S/A’s, os diretores não precisam ser acionistas e podem ser profissionais, estranhos ao quadro de acionista, tendo com principal característica a transitoriedade do cargo, sendo que o mandato da diretoria ou dos membros do conselho de administração, pela lei, não pode ser superior a três anos, sendo permitida a reeleição.

Vale lembrar que a Lei das S/A’s é clara a respeito, afirmando que o cargo de Diretor pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT