Estrutura genética humana

AutorRoberto Camilo Leles Viana
Ocupação do AutorAdvogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho
Páginas9-17

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1.1. Interdisciplinaridade científica

Para a ciência jurídica, o homem é autor e destinatário do direito, criador e, ao mesmo tempo, finalidade da criação, uma vez que a normatização das relações sociais faz do indivíduo sujeito e realizador do Direito. Já para a ciência genética humana, ramo do saber que estuda a variação e a hereditariedade dos seres hu manos1, o homem se traduz num conjunto de genes que são transpassados de geração para geração.

O paradigma da compartimentalização, segundo o qual as ciências naturais e humanas são desenvolvidas a partir de sistemas fechados, os quais não mantêm relações entre si, resulta no desenvolvimento de cada disciplina desconhecendo os progressos das outras, razão pela qual, diz se que, a par de se aperfeiçoarem muito pela especialização alcançada, também acabam por criar distorções, ao trazerem visões reducionistas e muitas vezes bastante simplificadas sobre a realidade2. A dissociação das ciências naturais e humanas, característica do pensamento moder no, acabou por traduzir se na negação da perspectiva ontológica do homem e na consequente afirmação de seu caráter biológico como o único capaz de explicar a natureza humana3.

Atualmente, tal paradigma não é mais compatível. A reflexão deve basear se em outras perspectivas que possam captar as complexidades resultantes das novas técnicas e da própria sociedade. Pois ciências distintas, com maneiras autônomas de enxergar o homem, como são Direito e Genética, encontram se ligadas pela via da necessidade de normatização das pesquisas genéticas humanas, principalmen

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te no que diz respeito aos seus resultados e respectivas interferências nas relações jurídicas, sobretudo no âmbito do contrato de trabalho4.

Para discutir os exames genéticos e seus possíveis resultados para a relação trabalhista, seja ela já consolidada pelo contrato de trabalho ou ainda na fase pré contratual, é imprescindível que seja percorrido o caminho das conceitualizações. Outra maneira não há de expor a profundidade do debate sem que seja feita uma abordagem preliminar sobre a estrutura genética humana.

É fato que não há qualquer tipo de pretensão em adentrar os complexos detalhes que envolvem a ciência genética humana, muito menos apresentar novos paradigmas médicos, pelo contrário, a abordagem científica se dará no âmbito das ciências jurídicas, fazendo se com que as explanações técnicas sejam apenas uma parte da necessária fundamentação para o posterior desenvolvimento dos direitos envolvidos.

Portanto, é preciso esclarecer como os testes genéticos são feitos e de que modo os seus resultados inteferirão na vida social e laboral do indivíduo. Para isso, será necessário limitar os tipos de investigação genética que interessam para a relação jurídica entre empregador e empregado, o que se pretende fazer demonstrando se desde a lógica sequencial da estrutura genética humana até a interpretação dos dados obtidos por meio dos testes genéticos individuais.

1.2. Estrutura genética humana

A informação genética do ser humano se encontra no DNA (deoxyribonucleic acid), presente no interior de cada célula do corpo. O DNA é composto, em parte, por quatro bases nitrogenadas denominadas, com suas respectivas siglas: adenina

(A), citosina (C), guanina (G) e timina (T)5, e cada uma delas carrega a menor par te possível da informação genética. Para cada indivíduo, a sequência dessas bases

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é diferente, por isso,não há um indivíduo idêntico a outro6 e não existem seres vivos com características genéticas idênticas.

Cada molécula de DNA, conhecida pela sua significativa imagem de dupla hé lice7, forma um cromossomo. Com exceção das células da linhagem germinativa, óvulo e espermatozoide, todas as demais células do corpo humano, chamadas de células somáticas, possuem 46 cromossomos agrupados em pares. Cada cromos somo de um par é herdado de um dos pais biológicos, ou seja, 23 são oriundos da mãe e 23 do pai. Desses 23 pares de cromossomos, 22 são similares em homens e mulheres e são chamados de autossomos, numerados em ordem decrescente do maior (cromossomo 1) até aos menores (cromossomos 21 e 22). O par restante constitui os cromossomos sexuais, XX nas mulheres e XY nos homens8.

Ao longo dos cromossomos, ocupando uma posição precisa ou locus, estão os genes, responsáveis pela estrutura e pelo funcionamento do organismo, bem como pela transmissão da informação genética de geração para geração9. O locus pode ser ocupado por formas alternativas de um gene, denominados alelos. Devido ao fato de os cromossomos estarem em pares, há duas cópias de um gene em cada locus, cada uma delas herdada de um dos pais biológicos. Quando dois ou mais alelos são encontrados em um conjunto de pessoas, tem se um po limorfismo, a presença de diferentes formas de um gene para uma determinada característica10.

O gene corresponde, especificamente, a um código distinto, a informação para produzir uma determinada proteína11 e controlar uma característica particular do organismo. Na linguagem química do código genético, o gene funciona como

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uma sentença", cujas letras são as quatro bases nitrogenadas (A, C, G e T), e cada conjunto de três bases é uma palavra"12. Essa sentença" sinaliza às células a síntese de uma proteína. O gene carrega a informação para fazer toda a proteína requerida pelo organismo, a qual determina, entre outras coisas, como o corpo metaboliza a comida ou luta" contra uma infecção, bem como, algumas vezes, a manifestação de uma doença.

Elemento importante neste processo é o RNA (ribonucleic acid), o qual se utiliza do código genético contido no DNA para, a partir dele, produzir a sequência de aminoácidos da proteína a ser criada13. Esta sequência é responsável, designa damente, pelas características das proteínas. E essas características, por sua vez, decidem quais são as reações que vão ou não operar no corpo humano.

O conjunto dos genes de um organismo é chamado genótipo14. Já as ca racterísticas bioquímicas, fisiológicas e morfológicas observáveis naquele são denominadas fenótipo15. O genótipo condiciona o fenótipo, mas não o determi na, sendo um parâmetro a partir do qual poderão decorrer diversas possibilidades, que resultarão nas características específicas de cada ser humano. Desse modo, o fenótipo é o resultado da interação do genótipo com fatores externos, tratando se das características observáveis de uma pessoa16.

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Por fatores externos ou ambientais devem se entender todos aqueles elementos não oriundos do corpo humano que possam influenciar em seu desenvolvimento e metabolismo, sejam naturais ou artificiais, favoráveis ou não ao indivíduo. Dentre estes podem se destacar os cuidados com a alimentação, a prática ou não de exercícios físicos, a exposição a radiações ou a produtos químicos, aos quais acrescentam se, ainda, os estímulos sociais e psicológicos, pois estes exercem influência sobre o estado não só mental, mas também físico do indivíduo, repercutindo em sua saúde.

As mudanças que ocorrem no genótipo são denominadas mutações. Tais alterações no arranjo do DNA podem ser classificadas em três categorias: mutações que afetam o número de cromossomos na célula (mutações genômicas) mutações que alteram a estrutura de cromossomos individuais (mutações cromossômicas) mutações que alteram genes individuais, ou seja, mudanças na sequência do DNA que variam de apenas uma única base a muitos milhares de pares de bases (mutações gênicas)17. Elas podem ocorrer tanto pelo processo normal de divisão celular quanto pela influência de fatores externos. O DNA humano está sujeito às mais variadas mudanças hereditárias (mutações), rearranjos e/ou reorganizações gênicas, responsáveis pelas particularidades individuais"18.

Todos os três tipos de mutações ocorrem em frequências apreciáveis nas diversas células do corpo humano e nem todas são responsáveis por originar do enças. O fato de alguém apresentar alterações genéticas...

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