Estupro (Art. 213)
Autor | Francisco Dirceu Barros |
Ocupação do Autor | Procurador-Geral de Justiça |
Páginas | 1529-1559 |
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 213
1. Conceito do delito de estupro
Dignidade na precisa lição de Wolfgang é:
“A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano
que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e corresponsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos.”
O delito de estupro consiste no fato de o sujeito ativo
constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Constranger na de nição de CHRYSOLITO DE
GUSMÃO, “é o ato pelo qual o indivíduo abusa de
seus recursos físicos ou mentais para, por meio de
violência, conseguir ter conjunção carnal com a sua
vítima, qualquer que seja o seu sexo”.
Para Hungria, o estupro era a cópula sexual,
secundum naturam, do homem com a mulher, median te
o emprego por aquele de violência física (vis corpo-
ralis) ou moral (vis compulsiva), com a “intromissão
do pênis na cavidade vaginal”.
Hoje, com a reforma provocada pela Lei no
12.015, de 7 de agosto de 2009, o conceito do maior
penalista brasileiro cou desatualizado, pois estupr o,
além da conjunção carnal, é também a prática ou
permissão da prática, mediante violência ou grave
ameaça, de outro ato libidinoso.
Como exemplo de ato libidinoso diverso de
conjunção carnal podemos citar o coito anal, o coito
inter femora e as modalidades de sexo oral, a saber:
a) Fellatio ou irrumatio in ore;
b) cunnilingus;
c) o pennilingus;
d) o annilingus.
Já Para Paulo Queiroz, o estupro é um tipo fun-
damental em relação aos demais delitos contra a
dignidade sexual, que são acessórios, razão pela
qual a ocorrência destes últimos pressupõe a não
incidência do tipo principal.
Lembra meu grande amigo Rogério Greco que
em 1º de agosto de 2013 foi editada a Lei nº 12.845,
que passou a dispor sobre o atendimento obrigató-
rio e integral de pessoas em situação de violência
sexual, tendo o próprio diploma legal, em seu art. 2º,
conceituado violência sexual como sendo qualquer
forma de atividade sexual não consentida. Inclui-se
na referida lei, inclusive, aquela modalidade de vio-
lência sexual praticada contra pessoas consideradas
vulneráveis, a exemplo dos menores de 14 anos, ou
alguém que, por enfermidade ou de ciência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática
do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode
oferecer resistência.
1.1. As anomalias sexuais
Segundo Nélson Hungria, a classi cação proposta
por Krafft-Ebing-Lobstein, essas infrações podem
ser divididas em quatro grupos: “1º, paradoxia (in-
tempestividade do instinto sexual); 2º, anestesia
(de ciência do instinto); 3º, hiperestesia (excesso
do instinto); 4º, parestesia (desvios do instinto).
Nesse último grupo é que se incluem as perver-
sões e inversões propriamente ditas. Podem ser
individualizadas, como abaixo se segue, as mani-
festações da sexualidade anormal: Exibicionismo:
Capítulo 1
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exposição das partes genitais em público (notada-
mente à passagem de pessoas do sexo oposto).
Embora raramente, vai ao extremo de realização
do ato sexual coram populo. Erotomania (ou au-
toerotismo): satisfação do instinto sexual exaltado
com representações mentais de cenas ou coisas
eróticas. É também chamado de coito psíquico. Ero-
tismo: tendência abusiva para os atos eróticos. No
homem, chama-se satiríase ou priapismo; na mu-
lher, ninfomania ou uteromania. Onanismo (mór-
bido): impulso obsessivo para a masturbação (com
a própria mão ou com objetos adrede preparados).
Acarreta, às vezes, a perda integral do pudor [...].
Fetichismo: excitação sexual condicionada à visão
ou tateio de certas partes do corpo ou objetos (pe-
ças de vestuário, calçados, etc.) de pessoa do outro
sexo. O fenômeno chega, às vezes, a substituir o
ato sexual. Pigmalionismo: amor pelas estátuas.
É uma variante do fetichismo. Erotofobia: horror
ao ato sexual. Anafrodisia: diminuição do instinto
sexual no homem. Frigidez: diminuição do instinto
sexual na mulher. Mixocospia [...]: excitação sexual
condicionada à contemplação da libidinagem prati-
cada por outrem. Triolismo: prazer sexual condi-
cionado à coparticipação de mais de duas pessoas
nas práticas sexuais. Necrolia ou vampirismo:
satisfação do instinto sexual sobre cadáveres. Ge-
rontolia (ou cronoinversão): a atração sexual
dos moços pelos velhos e vice-versa. Bestialidade
ou zoolia (sodomia ratione genere): ato sexual com
animais. Croprolagnia: excitação sexual mediante
cheiro ou contato de dejeções imundas. Edipismo:
obsessão para o incesto. Algolagnia, que apresenta
três formas: 1 Masoquismo (algolagnia passiva): o
prazer sexual só é atingido condicionadamente a
sofrimento físico ou moral. É mais próprio das mu-
lheres, embora o nome seja uma alusão ao escritor
Sacher-Mazoch, que padecia de tal perversão. 2º
Sadismo (algolagnia ativa): a excitação sexual só
é conseguida quando se inige sofrimento físico
ou moral a outrem, ou se assiste a tal sofrimento.
O grande sadismo (diferenciando-se do pequeno
ou platônico, que se limita aos simples mordiscos
ou beliscões) é responsável pelos mais horrendos
episódios da crueldade entre seres humanos. É a
Vênus Cruenta, que costuma ir ao extremo de oci-
são da vítima, numa selvageria arrepiante. É mais
própria dos homens, embora entre as mulheres haja
o famoso exemplo da condessa húngara Elisabeth
Barthory, que, para provocar a própria excitação
sexual, fez matar para mais de 500 raparigas [...].
3º Sadomasoquismo: conjugação das duas últimas
anomalias.”
2. Análise didática do tipo penal
2.1. Formas de realização do tipo
O tipo realiza-se de três formas:
a) Constranger mulher, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal;
b) Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a praticar ato libidinoso diverso da con-
junção carnal;
c) constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, permitindo que com ele se pratique ato
libidinoso diverso da conjunção carnal.
Na primeira forma, há atitude passiva da mulher
que, por não poder reagir à violência ou a grave
ameaça, se submete aos macabros desejos libidino-
sos do estuprador. Na segunda, há participação ativa
do(a) ofendido(a), quando a vítima é quem pratica o
ato libidinoso. Na terceira forma, existe atitude pas-
siva da vítima (homem ou mulher), que se submete
aos caprichos de seu agressor, permitindo a prática
do ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
A lei 12.015/2009 promoveu signicativas mudan-
ças nos crimes contra a dignidade sexual, trazendo
praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso,
promovendo uma ampliação nas possibilidades de
sujeitos ativos e passivos do crime, bem como nas
condutas que podem ser perpetradas para levar à
sua consumação.
É tipo misto alternativo, portanto, se o agente, no
mesmo contexto fático, pratica conjunção carnal e
outro ato libidinoso contra uma só vítima, pratica um
só crime do artigo 213, CP.
não promoveu a descriminalização do atentado vio-
lento ao pudor (não houve abolitio criminis), o que
ocorreu foi a continuidade normativo-típica, conside-
rando que esta conduta continua sendo incriminada
no mesmo diploma legal, porém, em outro tipo penal.
A Lei inseriu a mesma conduta no art. 213.
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