Etapas de implementação de tecnologia no processo civil e ODRS

AutorDierle Nunes
Ocupação do AutorDoutor em Direito Processual pela PUC-Minas/Università degli Studi di Roma 'La Sapienza'
Páginas381-406
ETAPAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE TECNOLOGIA
NO PROCESSO CIVIL E ODRS1
Dierle Nunes
Doutor em Direito Processual pela PUC-Minas/Università degli Studi di Roma “La
Sapienza”. Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas. Professor permanente do
PPGD da PUC-Minas. Professor adjunto na PUC-Minas e na UFMG. Secretário Adjunto
do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da International Association
of Procedural Law, do Instituto Iberoamericano de derecho procesal e do Instituto
Panamericano de Derecho Procesal. Diretor Executivo do Instituto de Direito Proces-
sual – IDPro. Membro da Comissão de Juristas que assessorou no Código de Processo
Civil de 2015 na Câmara dos Deputados. Diretor do Instituto de Direito e Inteligência
Articial – IDEIA. Advogado. dierle@cron.adv.br
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Etapas e mudanças. 3. Alguns impactos transformadores
da tecnologia – ODR. 4. Considerações nais.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É muito recorrente hoje o estudo dos tribunais online2 / justiça digital3, em especial,
com a aceleração do emprego da tecnologia durante a Pandemia da Covid19.
No entanto, predomina ainda o argumento de que a tecnologia seria para o Direito
(processual) meramente uma ferramenta que poderia ter aplicações prevalentemente
positivas na persecução da ef‌iciência.
Esta perspectiva instrumental poderia ser considerada, em alguma medida, correta
numa abordagem superf‌icial se a tecnologia estivesse apenas promovendo uma mudança
de meio, como ocorreu em parte na sua primeira etapa de virtualização (digitalização)
mediante v.g. o processo eletrônico no qual se mantinham as etapas em outro ambiente.4
1. Este texto é uma adaptação do publicado em outra sede (NUNES, Dierle. Virada tecnológica no direito processual
(da automação à transformação): seria possível adaptar o procedimento pela tecnologia? In: NUNES, Dierle; LU-
CON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (Coord.). Inteligência artif‌icial e Direito Processual: os
impactos da virada tecnológica no direito processual. Salvador: Jus Podivm, 2020) e resultado do grupo de pesquisa
“Processualismo Constitucional democrático e reformas processuais”, vinculado à Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Minas Gerais e Universidade Federal de Minas Gerais e cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de
Pesquisa do CNPQ http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3844899706730420). O grupo é membro fundador da
“ProcNet – Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.
br/grupos-de-pesquisa-integrantes-da-rede).
2. Expressão utilizada por: SUSSKIND, Richard. Online courts and the future of justice. Oxford: Oxford University
Press, 2019.
3. Cf. KATSH, Ethan; RABINOVICH-EINY, Orna. Digital Justice: Technology and the Internet of Disputes. Oxford,
University Press, 2017. GARAPON, Antoine; LASSÈGUE, Jean. Justice digitale: révolution graf‌ique et rupture
anthropologique. Paris: Presses Universitaires de France, 2018.
4. Pontue-se, no entanto, que com base em mineração de processo é possível se avaliar nos processos eletrônicos quais
etapas (logs) são essenciais, quais não seriam e quais merecem maiores esforços para evitar estrangulamentos. Isto pode
gerar a percepção de problemas e sugestão de modif‌icações, inclusive induzindo a redução da estrutura procedimental.
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No entanto, quando avançamos para a automação de funções, como as repetitivas,
e no emprego de novas formas de dimensionamento do conf‌lito, com a transformação
empregada pelo campo da Inteligência artif‌icial,5 esta perspectiva de análise do fenômeno
parece não ref‌letir e perceber a profundidade do movimento que vivenciamos.
Neste sentido, a proposta que vimos delineando há algum tempo é a de que o em-
prego da tecnologia não pode ser encarada pelo Direito apenas nesta visão, mas sim como
uma verdadeira virada que induzirá releitura de institutos desde o âmbito propedêutico
até o delineamento da refundação de técnicas processuais para que possam atingir bons
resultados, mas com respeito do conjunto de normas fundamentais atinentes ao modelo
constitucional de processo.
Ademais, precisamos forjar uma verdadeira tecnologia de interesse público (TIP)
que busque uma governança adequada, para além da preocupação da privacidade e do
controle de dados, que recorrentemente preocupam os intérpretes das leis atinentes ao
tema (com a análise sob viés privado de normas como LGPD e/ou GDPR).
No campo processual-jurisdicional a Jurisdição não oferta apenas o fornecimento
de um serviço,6 como em outras áreas, mas uma tutela processualizada garantista de
direitos que oferta decisões sensíveis para as quais o emprego da tecnologia deve ser
precipuamente auxiliar.7
Do mesmo modo, que o segundo pós-guerra8 evidenciou uma litigância de interesse
público (public interest litigation),9 que permitia novas litigâncias (para além das patri-
5. “Def‌inir inteligência artif‌icial não é fácil. O campo é tão vasto que não pode f‌icar restrito a uma área específ‌ica
de pesquisa; é um programa multidisciplinar. Se sua ambição era imitar os processos cognitivos do ser humano,
seus objetivos atuais são desenvolver autômatos que resolvam alguns problemas muito melhor que os humanos,
por todos os meios disponíveis. Assim, a IA chega à encruzilhada de várias disciplinas: ciência da computação,
matemática (lógica, otimização, análise, probabilidades, álgebra linear), ciência cognitiva sem mencionar o co-
nhecimento especializado dos campos aos quais queremos aplicá-la. E os algoritmos que o sustentam baseiam-se
em abordagens igualmente variadas: análise semântica, representação simbólica, aprendizagem estatística ou
exploratória, redes neurais e assim por diante. O recente boom da inteligência artif‌icial se deve a avanços signif‌i-
cativos no aprendizado de máquinas. As técnicas de aprendizado são uma revolução das abordagens históricas da
IA: em vez de programar as regras (geralmente muito mais complexas do que se poderia imaginar) que governam
uma tarefa, agora é possível deixar a máquina descobrir eles mesmos.” VILLANI, Cédric. Donner uns sens à li’in-
telligence artif‌icielle: pour une stratégie nationale et européenne. 2018.
6. Como faz crer a leitura superf‌icial, neste ponto, de Susskind. Cf. SUSSKIND, Richard. Online courts and the future
of justice cit.
7. Cf. NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência artif‌icial e direito processual: vieses algo-
rítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas. Revista de Processo, v. 285, nov./2018. NUNES,
Dierle; MARQUES, Ana Luiza P. C. Decisão judicial e inteligência artif‌icial: é possível a automação da fundamen-
tação? In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (Coord.). Inteligência
artif‌icial e direito processual: os impactos da virada tecnológica no direito processual. Salvador: JusPodivm, 2020.
8. Emblemático e pioneiro neste aspecto e neste período, ao promover a f‌iltragem constitucional e analisar a horizonta-
lização dos direitos fundamentais, é o caso Lüth (BVerfGE 7, 198 – Lüth – Tribunal Constitucional Federal Alemão,
primeiro Senado, 15 de janeiro de 1958): “1. Direitos fundamentais são principalmente direitos de defesa dos cidadãos
contra o Estado; No entanto, as disposições sobre direitos fundamentais da Lei Básica (Constituição – Grundgesetz
Bonner) também incorporam uma ordem objetiva de valores, que é uma decisão constitucional básica para todas as
áreas do direito. 2. No direito civil, o conteúdo legal dos direitos fundamentais se desenvolve indiretamente através dos
regulamentos do direito privado. Acima de tudo, ele toma disposições de caráter obrigatório e é particularmente viável
para o juiz através das cláusulas gerais. 3. O juiz civil pode violar direitos fundamentais por meio de seu julgamento
(§ 90 BVerfGG) se não reconhecer o impacto dos direitos fundamentais no direito civil. O Tribunal Constitucional
Federal analisa sentenças civis apenas por violações de direitos fundamentais, e geralmente por erros legais.” Tradução
livre. Acessível em: https://www.bundesverfassungsgericht.de/e/rs19580115_1bvr040051.html Cf. ainda MAUS,
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