Ética e assédio moral

AutorJorge Luiz de Oliveira da Silva
Ocupação do AutorMestre em Direito Público e Evolução Social (UNESA-2004)
Páginas253-275

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O filósofo francês Roger Dadoun considera o trabalho como um dos três expoentes de determinismo da violência, ao lado da sexualidade e da racionalidade. Segundo Dadoun:

Horários, gestos, ritmos, condições materiais e morais - o trabalho é descrito, e sobretudo vivido, como uma coleira, uma corrente de ferro, embrutecimento, servidão, alienação, inferno - violência cotidiana e massificada denunciada por uma abundante literatura feita através de pesquisas, testemunhos, relatos, manifestos.1 Tal afirmativa poderá revestir-se de caráter verdadeiro ou não, dependendo daqueles que protagonizam o cenário do ambiente de trabalho. Nesta linha de raciocínio, parece-nos perfeito o ensinamento dos psicólogos Luiz Cuschnir e Elyseu Mardegan Jr., que consideram o mundo profissional como o palco ideal para o homem desenvolver todas as suas máscaras, exercitando a maioria delas, construídas ao longo da vida:

É exatamente na empresa onde se exige que ele demonstre, no cotidiano, muitos sentimentos e emoções que muitas vezes

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não são aquilo que está dentro dele ou que não refletem o homem real que existe por trás dessas máscaras.2No entanto, quando nos referimos ao assédio moral no ambiente de trabalho, é possível que ocorra o inverso. Assim, o assediador demonstra ao mundo exterior que é pura bondade, mas se aproveita do processo de assédio que, pelas características já descritas, apresenta-se como um fenômeno envolto por diversas contradições, para demonstrar seu verdadeiro caráter, muitas vezes preconceituoso e discriminatório. Neste contexto, a máscara do assediador é retirada e, uma vez visualizada toda perspectiva nefasta do processo, este é questionado em especial com relação a seus valores éticos. Chegamos, então, ao ponto crucial do assédio moral: trata-se de um processo completamente impregnado de indicativos antiéticos. Não há como analisar o assédio moral sem abordar os aspectos éticos que são atingidos pelo fenômeno, uma vez que a observância da ética nas relações interpessoais evita processos de vitimização como aqueles que ocorrem no fenômeno. Logo, o assédio moral ganha campo fértil no momento em que o assediador se vê destituído de freios éticos e morais, passando a protagonizar uma relação de autoritarismo e violência velada, o que conduz a todas as consequências referenciadas no capítulo 3 do presente trabalho. Assim, o marco inicial para o processo de assédio moral é, sem dúvida, o vilipêndio à ética.

6. 1 - O que é ética?

Contendo o processo de assédio moral uma característica antiética marcante, é imprescindível definirmos de forma precisa o conceito de ética. Cabe aqui ressaltar que o objetivo não é estabelecer um estudo sobre a clássica problemática envolvendo as dife-

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renças entre ética e moral; mesmo porque o conteúdo analisado no assédio moral está repleto de chamamentos éticos e morais que, muito embora não sejam construções sinônimas, acabam por refletir, na hipótese, semelhante mensagem cultural, de vida, de sentimentos e de posturas. Paulo Ghirardelli Júnior explica de forma simples e adequada a diferença básica entre ética e moral:

Ética e moral não são a mesma coisa. A moral explicita-se através de enunciados que dão valor a certas condutas, aprovando-as ou rejeitando-as. A ética é composta de enunciados que são gerados em uma investigação a respeito da validade ou não dos enunciados morais. A ética é, por assim dizer, uma filosofia moral.3Na verdade, a ética integra o corpo da filosofia, enquanto que a moral integra o corpo da vida concreta, conforme orienta Leonardo Boff:

A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole.

A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes podem, eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue os costumes até por conveniência) mas não necessariamente ética (obedece a convicções e princípios).4

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Assim, ainda que não representem necessariamente a mesma ideia, ética e moral encontram-se entrelaçadas, representando no contexto do assédio moral uma mensagem equivalente. No entanto, podemos observar que a ética é verificada na essência do homem, no seu íntimo, enquanto que a moral advém da influência de fatores externos. Portanto, em se tratando de assédio moral, primeiramente devemos buscar o apego à ética, pois a moral nem sempre apresentará respostas preventivas ao processo de psicoterror no ambiente de trabalho.

Em relação ao assédio moral, podemos trabalhar com diversas vertentes éticas, com destaque para a ética individual, ética empresarial e ética na Administração Pública. Convém salientar, no entanto, que o ponto principal está canalizado na ética individual, da qual todos os demais segmentos serão gerados.

6. 2 - Ética direcionada ao assédio moral

O processo desencadeado pelo assédio moral no ambiente de trabalho demonstra diversas facetas do ser humano. Não é a empresa ou a Administração Pública que vitimiza, mas sim os homens que integram uma ou outra. Portanto, o assédio moral retrata a essência do agressor e da vítima, cada um representando o seu papel nessa tragédia que assola o mundo das relações laborais. Enquanto que o assediador moral é levado a agir por diversas motivações que dominam o seu íntimo, a vítima ativa suas percepções e recebe as agressões de acordo com suas características pessoais. Assim, o assédio moral pode ser motivado por diversos fatores, variando desde a simples inveja até a busca pelo poder. Um dos motivos mais constantes para a prática do assédio moral é a discriminação. Um percentual significativo dos assediadores é impulsionado a agir por apresentar uma visão deformada da vida e dos critérios de igualdade entre os seres humanos, passando a atingir aqueles que, em sua ótica, não merecem as mesmas oportunidades e o mesmo respeito destinados aos “normais”. Desta forma, é comum o processo de

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assédio moral ser desencadeado em razão de preconceitos raciais, étnicos, sociais, por orientação sexual, idade, dentre outros. Já as vítimas se comportam perante o processo de psicoterror de acordo com suas características próprias. Algumas partem para o enfrentamento, na busca da preservação de sua dignidade; outras acabam sucumbindo às agressões e incorporam todas as consequências das quais tratamos no capítulo 3 do presente trabalho.

Segundo o psicólogo Iñaki Piñuel y Zabala, a maior parte das vítimas de assédio moral apresentam um perfil bem específico, despontando como indivíduos com elevada ética, honradez, retidão e sentido de justiça. Complementam o perfil da vítima sua capacidade de autonomia e independência, iniciativa, capacitação por sua inteligência e atitudes, popularidade, carisma e liderança naturais, alto sentido cooperativo e de trabalho em equipe5. Em relação a este perfil, o assediador passa a agir por inveja ou medo de ser suplantado, desejando implantar um sistema de poder que anule a vítima. No entanto, não se trata de um perfil exclusivo, uma vez que pessoas com características opostas também são vítimas em potencial da arrogância e da perversidade do impulsionador do processo de assédio moral. São pessoas humildes, com problemas existenciais ou com determinadas limitações, que acabam sendo o alvo perfeito para a afirmação e manipulação do assediador.

De uma forma ou de outra podemos visualizar com precisão a ausência de contornos éticos nas condutas apresentadas pelo assediador moral. O confronto, o desprezo pelo semelhante, o regozijo pela aniquilação da vítima, sem exageros, lembram as barbáries da época medieval. No entanto, na guerra estabelecida pelo processo de assédio moral, não há sangue, não há tiros, nem espadas. Os armamentos são substituídos por técnicas sutis, mas que atingem tão amplamente a vítima como qualquer outro armamento tradicional, destruindo sua dignidade e sua autoestima.

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Ora, sendo a ética o reflexo do bom caráter e da boa índole, obviamente não está presente na postura do assediador. Esta realidade implica na beligerância característica do processo de assédio moral, gerando uma guerra psicológica com consequências nefastas não só para a vítima, mas também para a empresa e para o Estado, conforme já amplamente discutido. Neste contexto, vale ressaltar o pensamento de João Carlos Boiczuk Rego, no sentido de que “a falta de ética e de honestidade pode provocar tensões e conflitos entre pessoas, entidades, empresas e países. Isto prejudica a busca da PAZ”.6

Portanto, o assediador é essencialmente um indivíduo destituído de ética, agindo por impulsos negativos e sem nenhuma nobreza de caráter, revelando seu lado perverso ao verificar sua vítima sucumbir aos poucos diante do desenvolvimento do processo de assédio moral. Com grande propriedade, Marie-France Hirigoyen cita Pierre Desproges, retratando um perfil simplificado do sentimento que emerge do âmago do assediador: “Uma palavra contundente é algo que pode matar ou humilhar, sem que se sujem as mãos. Uma das grandes alegrias da vida é humilhar seus semelhantes”.7

As atitudes que envolvem o assediador moral demonstram ser este um indivíduo infeliz, que busca suas vitórias particulares na degradação do semelhante. A Ética aristotélica consegue traçar um perfil do agente vetor do assédio moral, pois realiza uma inter-pretação das ações humanas fundamentadas em análises de meio e de fim, resultando da definição de determinadas práticas...

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