A ética e o direito eleitoral aperfeiçoados

AutorGilson Alberto Novaes
CargoProfessor de direito na Mackenzie
Páginas110-117

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Princípios não são a tônica dos agentes políticos que representam ou se dispõem a representar os cidadãos no Legislativo e Executivo. A Lava-Jato provou isso

Atualmente, quando se fala em política, logo ela é associada à ética, pois nossos agentes políticos nos últimos anos perderam totalmente o respeito, a dignidade, a honradez e a ética. A população recebe diuturnamente informações, pela mídia, do desenrolar dos fatos da operação levada a efeito pela Polícia Federal denominada Lava-Jato. Na Polícia Federal existem dezenas de outras operações. A Lava-Jato foi deflagrada no início de 2014 com o cumprimento de centenas de mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando desvendar um esquema de lavagem de dinheiro cujo montante é impossível descrever, pois atualiza-se constantemente. Assim, o país está mergulhado numa crise de corrupção sem precedentes em nossa história, crise que agrava a política e a economia, e que resulta em sofrimento para o povo.

Os princípios éticos não têm sido levados em consideração nos últimos anos pelos agentes políticos, digo, por aqueles que pedem o voto do eleitor dizendo que serão seus representantes nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Prova disso são as centenas de ações que tramitam nos tribunais eleitorais contra prefeitos, vereadores, deputados, senadores e presidentes da

República. A mais grave é a que põe em dúvida a legalidade dos gastos feitos na última campanha presidencial, ainda sem julgamento no Tribunal Superior Eleitoral.

Ética

Se buscarmos o sentido etimológico da palavra ética, vamos perceber que remonta aos gregos. Provém de "ethos", que designa residência, moradia, mas também o conjunto de costumes de um grupo social, seu modo de ser, seu caráter. A ética na antiguidade era marcada pela sua indissociabilidade com a política. Platão e Aristóteles já preconizavam que a constituição da "polis" passava pelo fundamento de que a cidade devia ser dirigida por governantes éticos, justos, sábios...

Hoje percebemos claramente que não há convergência entre as práticas políticas e os princípios morais. Estamos cansados de tantas notícias sobre escândalos de corrupção e posturas condenáveis de nossos representantes políticos, tanto no Poder Executivo como no Legislativo e, por que não dizer, até mesmo no Judiciário. O clamor da população que vemos hoje nas ruas não é diferente do pensamento na antiguidade, quando Platão e Aristóteles demonstravam o papel que a justiça deve desempenhar para a vida da sociedade.

Há quem entenda, hoje, tamanha a decepção da população, que são mesmo incompatíveis a ética e

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a política. Já se aceita, por exemplo, o governante que "rouba, mas faz" e que "é assim mesmo, todos roubam"! Por outro lado, "há uma forte expectativa, particularmente nos regimes democráticos, de que os governantes se conduzam de acordo com critérios de probidade e justiça na administração dos negócios públicos" (diniz, 1999, p. 57).

TEMOS ASSISTIDO NOS ÚLTIMOS ANOS A UMA SURPREENDENTE MANIFESTAÇÃO POPULAR NOS MOVIMENTOS DE RUA. A SOCIEDADE ESTÁ CADA VEZ MAIS ÁVIDA PELA MORALIDADE PÚBLICA

Foi Nicolau Maquiavel, grande pensador italiano do período da Renascença e início da moderni-dade, quem promoveu uma grande ruptura entre a ética e a política:

Até o início do século XVI, política e moral não constituíam campos separados; ao contrário, eram tratadas de forma indistinta, sendo as avaliações dos fatos políticos afetadas por julgamentos de valor. Algumas obras revelavam a redução total da política à moral, tal como se pode observar em A educação do príncipe cristão, de Erasmo de Rotterdam, livro publicado em 1515, no qual Erasmo traça o perfil do bom príncipe, enfatizando a relevância da magnanimidade, da temperança e da honestidade, enfim, de atributos definidores da retidão moral do soberano. Maquiavel rompe com essa forma de subordinação da política aos ditames da moral convencional e afirma que a política tem uma lógica própria e razões nem sempre compatíveis com princípios consagrados pela tradição (Diniz, 1999, p. 61).

A forma como a nossa política é conduzida hoje pelos atuais detentores do poder tem levado a população ao descrédito, à apatia e mesmo à rejeição pela vida pública, gerando total desinteresse e até mesmo um certo asco por eleições e pela vida pública. Não há interesse dos bem-intencionados em se envolver com a militância político-partidária, isto é, em se disporem a se candidatar a cargos públicos. Os candidatos são quase sempre os mesmos, não havendo, portanto, significativas mudanças.

Temos, por outro lado, assistido nos últimos anos a uma surpreendente manifestação popular nos movimentos de rua. A sociedade está cada vez mais ávida pela moralidade pública. O movimento Diretas-Já foi uma das primeiras demonstrações da sociedade civil pela redemocratização do país. Milhões de brasileiros foram às ruas, clamando pelo direito de eleger pelo voto direto os seus governantes. Deu certo! Em 1992, tivemos o "movimento pela ética na política", que culminou com o afastamento do então presidente da República,

Fernando Collor de Melo. Os movimentos de rua que temos visto ultimamente são reflexos do inconformismo do povo com os desmandos, com as falcatruas de um governo sem direção, com a corrupção desavergonhada, com a paralisia da economia, com a falta de rumo para o país e com a incapacidade administrativa com a qual estamos tendo que conviver.

Direito eleitoral

Segundo Gomes (2015, p. 21), "o Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos regularizadores dos direitos políticos". Entre outras coisas, busca legitimar o exercício do voto e a concretização da soberania popular.

Conforme ensina Ramayana (2005, p. 18), o direito eleitoral é o ramo do direito público que disciplina o alistamento eleitoral, o registro de candidatos, a propaganda política eleitoral, a votação, a apuração e diplomação, além de regularizar os sistemas eleitorais, os direitos políticos ativos e passivos, a organização judiciária eleitoral, dos partidos políticos e do Ministério Público. O direito eleitoral dispõe de um sistema repressivo penal especial.

Buscando resgatar o contexto histórico de nossa Justiça Eleitoral, de onde provém o direito eleitoral, vamos perceber que só a partir de 1930 o Brasil começou a sistematizar seu processo eleitoral. De 1889, ano da Proclamação da República, até 1930, vivemos a política do coronelismo. Era a orquestra dos governadores, em que o presidente da República apoiava os candidatos indicados pelos governadores e estes apoiavam o candidato indicado pelo presidente. Foi também a época da conhecida "política do café com leite", um período da Velha República no qual apenas os candidatos indicados por São Paulo, produtor de café, e Minas Gerais, produtor de leite, tornavam-se presidentes da República.

Naqueles tempos imperava o coronelismo, pois os "coronéis" definiam os candidatos em quem seus empregados e dependentes deveriam votar. Havia ameaças físicas e morais, compra de votos,

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troca de favores, abuso de poder político e autori-dade. Era o que se chamava de "voto de cabresto", no qual o processo eleitoral era manipulado e o resultado sempre previsível. Esse arranjo, porém, entrou em declínio na década de 1920, com o enfraquecimento da economia. O ponto culminante do rompimento entre Minas e São Paulo foi a indicação pelos paulistas de Júlio Prestes para...

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