A ética ecofeminista de Karen J. Warren: um modelo de ética ambiental genuína?

AutorDaniela Rosendo - Tânia Aparecida Kuhnen
CargoDoutoranda em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina - Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas16-41
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p16
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
A ÉTICA ECOFEMINISTA DE KAREN J. WARREN: UM MODELO DE ÉTICA
AMBIENTAL GENUÍNA?
Daniela Rosendo
1
Tânia Aparecida Kuhnen
2
Resumo:
Karen J. Warren apresenta uma proposta ética ecofeminista, segundo a qual os
contextos precisam ler levados em consideração na análise de situações e
problemas morais, rejeitando-se o monismo ético das correntes principais de ética
animal. O objetivo deste artigo é mostrar, à luz da noção de vulnerabilidade, critério
de considerabilidade moral proposto por Paul Taylor, que a ética sensível ao cuidado
de Warren pode não ser considerada uma ética ambiental genuína, à medida que se
aproxima do biorregionalismo de Gary Snyder e não esclarece de que forma a
consideração moral é atribuída aos animais individualmente. Quanto ao relativismo,
segundo os critérios de James Rachels e Peter Singer, a proposta de Warren parece
não cumprir com os requisitos de uma ética imparcial e geral, e pode incorrer nos
problemas do relativismo, uma vez que a concepção de cuidado da autora é
limitada.
Palavras-chave: Biorregionalismo. Cuidado. Ética ambiental. Filosofia ecofeminista.
Relativismo moral.
1 INTRODUÇÃO
Com o surgimento da filosofia feminista na década de 1970, enquanto área de
conhecimento organizada nos EUA, diversas teóricas feministas passaram a realizar
uma leitura crítica da história da filosofia, supostamente comprometida com a
sociedade patriarcal e a consequente desvalorização e exclusão das mulheres. Em
diferentes campos da filosofia, filósofas e filósofos feministas passaram a reescrever
a história sob o olhar feminista, contribuindo para a expansão da filosofia por meio
de novos temas até então não debatidos ou mesmo através de um novo olhar sobre
teorias tradicionais, procurando salvá-las dos limites de gênero e das afirmações
generalistas sobre a humanidade que nunca consideraram a condição de opressão
1
Doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Filosofia, área de
ética e filosofia política, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora da Associação
Catarinense de Ensino e m embro do Comitê Latino Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos
da Mulher. E-mail: daniela.rosendo84@gmail.com
2
Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Realizou estágio de pesquisa na
Humboldt Universität zu Berlin. E-mail: taniakuhnen@hotmail.com
17
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.16-41, Jan-Jun. 2015
das mulheres. Um dos campos que merece especial atenção nesse contexto, uma
vez que se constitui em uma instância frutífera do pensamento filosófico feminista, é
o da teoria moral feminista, a qual, por sua vez, tem como um de seus principais
expoentes a ética do cuidado.
Embora a ética feminista seja caracterizada por diferentes teorias que têm
como ponto de vinculação a crítica à filosofia moral tradicional, é a ética do cuidado,
iniciada na década de 1980, por meio da obra de Carol Gilligan, In a Different Voice,
que resultou em diversos desdobramentos inclusive no campo de reflexão da
filosofia política, bem como em abordagens distintas em termos de teorias morais.
Merecem destaque as contribuições originárias de Nel Noddings, Annette Baier,
Virgínia Held, Marilyn Friedman, Eva Feder Kittay, entre outras. Apesar das
divergências teóricas entre tais autoras, é consenso entre elas que muitos aspectos
das relações morais ficaram de fora ao longo da história da filosofia moral e que o
cuidado precisa ter lugar nas teorias éticas.
O discurso da ética do cuidado deparou-se também com as reformulações da
ética tradicional que visam à expansão da comunidade moral para além de seres
humanos, originando, através desse embate, a perspectiva ecofeminista. As teóricas
ecofeministas argumentam, de forma geral, que há uma ligação entre a opressão e a
exploração das mulheres, dos animais e da natureza. Com fundamentos diferentes,
mostram que a linha de argumentação tradicional da ética baseada em princípios,
não é suficiente para o fim da exploração, justamente porque diferentes sistemas de
exploração estão imbricados e somente a partir do reconhecimento dessa relação é
possível combatê-los. Por isso, a filosofia ecofeminista visa desconstruir os
dualismos de valor, de origem cartesiana, que promovem as divisões que perpetuam
a desvalorização das mulheres e da natureza.
Ecofeministas em geral chamam também a atenção para o fato de que alguns
grupos são mais afetados pela crise ambiental. Esses grupos são justamente
aqueles que tradicionalmente sofrem com outras crises, como a econômica, isto é,
os que se encontram de forma permanente em situação de opressão e exploração.
A natureza é devastada e os animais são explorados pela mesma lógica
discriminatória e exploradora que vê certos grupos de humanos, e os não humanos,
como meros objetos.
A partir da ótica feminista, Karen J. Warren avalia as éticas animalistas mais

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