Eu e meus amigos': capital social, estilos de vida e trajetórias educacionais

AutorEduardo Vilar Bonaldi
Páginas348-376
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p348
348 348 – 376
“Eu e meus amigos”:
capital social, estilos de vida
e trajetórias educacionais
Eduardo Vilar Bonaldi1
Resumo
Este texto busca adensar e especif‌icar a dimensão analítica aberta pela noção de “capital social” na
reconstituição de trajetórias educacionais de jovens de camadas populares urbanas. Apoiando-se
tanto em estudos da literatura nacional sobre a temática, quanto em algumas referências interna-
cionais contemporâneas, o texto busca evidenciar não somente a relevância de redes de relação
que operam a difusão de f‌luxos informacionais sobre instituições, carreiras e modos de seleção
para o ensino superior (fato que tende a reduzir a distância social e cultural entre jovens do meio
popular e o ensino superior), como também o fato, apontado pela literatura internacional, de que
tais redes podem se af‌igurar como suportes relacionais para a conformação de estilos de vida que
simbolizam e expressam disposições ao alongamento da trajetória educacional entre jovens do
meio popular.
Palavras-chave: Sociologia da educação. Jovens de camadas populares. Acesso ao ensino su-
perior. Capital social.
O capital social em Pierre Bourdieu
Partindo das concepções de Pierre Bourdieu sobre a noção de capital
social, este texto buscará explorar a dimensão analítica aberta pela referida
categoria, evidenciando os nexos empiricamente observáveis entre redes de
sociabilidade juvenis no meio popular, possibilidades para a conformação de
estilos de vida juvenis e, igualmente, a incorporação de trajetórias educacio-
nais singulares e alongadas entre tais jovens.
Na sociologia bourdiesiana, o capital social não designa direta ou exata-
mente os níveis de coesão interna de uma dada comunidade ou grupo social
1 Doutor em Sociologia. Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Email: eduvilarbon@gmail.com
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
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especíco. Tampouco, a noção é compreendida – conforme ocorre, por exemplo,
nos conhecidos estudos de Robert Putnam (1995, 2000) – enquanto um ativo
coletivo e orientado ao discernimento de quais comunidades ou grupos sociais
reuniriam condições mais propícias para assegurar ou ampliar o acesso a bens
potencialmente qualicados como “comuns” – saúde, segurança etc. – a partir
de padrões voluntários de ação coletiva por parte desses grupos ou comunidades.
Assim, em uma denição sucinta, a noção de capital social refere-se, na
perspectiva de Bourdieu, às redes de relações sociais de conhecimento e de re-
conhecimento mútuo, duráveis e estáveis, entre famílias ou indivíduos, insti-
tucionalizadas (em laços matrimoniais, por exemplo) ou não, que podem ser
mobilizadas pelos agentes, consciente ou inconscientemente, para a reprodução
de suas posições sociais (BOURDIEU; WACQUANT, 1992, p. 119): algo cla-
ramente distinto, portanto, da concepção de Putnam, centrada na estruturação
de padrões de ação coletiva em busca de “bens comuns” a partir de graus desi-
guais de coesão interna de uma dada comunidade ou grupo social especíco.
Nesse sentido, portanto, o capital social integra a estrutura dos demais
capitais previstos pela teorização bourdiesiana (isto é, os capitais econômi-
co, cultural e simbólico, principalmente), cuja transmissão ocorre de for-
ma implícita, contínua e inconsciente ao longo da socialização dos agentes.
A incorporação do volume e da estrutura desses capitais, acumuladas ao lon-
go da trajetória familiar do agente, corresponde, desse modo, à incorporação
subjetiva da posição e da trajetória que caracterizam objetivamente seu grupo
familiar no espaço social2.
Logo, à luz de tal perspectiva, o capital social não mede, nem expressa
a coesão ou a integração de comunidades ou de grupos sociais delimitados.
Ao contrário, ele designa as relações de conhecimento e de reconhecimento
pessoal que um grupo familiar ou um sujeito acumula ante outros grupos
familiares, agentes ou instituições desigualmente localizados no espaço social.
Nesse sentido, possuir um vínculo de interconhecimento ou de acesso
para com sujeitos, grupos ou instituições próprios aos setores privilegiados
do espaço social (privilegiados em termos de altas concentrações de capital
econômico ou cultural, sobretudo) pode converter-se em uma vantagem
2 Vale enfatizar, por tanto, que, para Bourdieu (1996), o espaço social é estruturado pela distribuição assimétri-
ca e objetiva dos diferentes capitais acima mencionados.

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