A evolução do regime legal da petrobrás e a legislação antitruste

AutorArnoldo Wald
Páginas55-65

Page 55

I - A evolução legislativa
  1. Em todos os países, a sociedade de economia mista surgiu como um modo de flexibilização e descentralização das entidades criadas pelo Estado para atender determinados interesses no plano económico. Dotada inicialmente de plena autonomia, regendo-se nas suas relações externas de acordo com as normas de direito comercial, podia substituir as empresas privadas ou com elas competir adequadamente, não obstante ser controlada e fiscalizada pelo Estado. Quer tenha tido a vocação de substituir um verdadeiro serviço público, quer a sua existência se justificasse pela falta de recursos financeiros da iniciativa privada para realizar grandes investimentos necessários a assegurar o desenvolvimento nacional, em todos os casos ela conciliava uma forma de direito privado com uma finalidade pública.

  2. Na medida em que o Estado ampliou a sua presença na economia, sob todas as formas, recorreu a técnicas de descentralização, como a autarquia, a empresa pública e a sociedade de economia mista, para poder atender às finalidades almejadas.

  3. Na doutrina, chegou a ser salientado, pelo Professor Georges Vedei, que estava ocorrendo a chamada comercialização do direito administrativo, pois afirmava o eminente mestre que:

    "o Estado desapropriou os capitalistas, ficando não somente com suas empresas mas também com suas técnicas (jurídicas) e experiências".1

  4. Assim, quando se concebeu o monopólio da Petrobrás, o então deputado Bilac Pinto salientou que se propunha:

    "a constituição de uma empresa estatal, que tenha a mesma flexibilidade das empresas privadas para executar aquele programa".2

    Page 56

  5. Na realidade, a sociedade de economia mista teve, no Brasil, um papel distinto daquele que lhe foi atribuído nos vários países da Europa, nos quais, na maioria dos casos, a sua criação decorreu das nacionalizações, que ocorreram, em grande número, após a Segunda Guerra Mundial, mantendo-se a empresa nacionalizada com uma estrutura relativamente análoga à que tinha, anteriormente, quando sociedade privada.

  6. Em nosso país, com o decorrer do tempo, tanto as autarquias, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista foram perdendo a sua flexibilidade, em virtude dos controles a priori e a posteriori que lhes foram impostos e da relativa politização que sofreram, com a aplicação, numa certa época, do spoil system.

  7. Assim, no Brasil, num movimento pendular, tivemos, sucessivamente, a criação das autarquias e a desautarquização das mesmas, aplicando-se-lhes as normas da administração central. Organizamos as sociedades de economia mista e as empresas públicas, que acabaram, posteriormente, sendo integradas, de uma maneira ou de outra, na administração indireta, sofrendo um processo de quase autarquização.

  8. Enquanto se mantinha a personalidade de direito privado da sociedade de economia mista e os princípios constitucionais lhe asseguravam o mesmo regime aplicado às empresas privadas, as leis referentes às licitações foram, progressivamente, criando uma verdadeira camisa-de-força, que limitou a plena liberdade de atuação dessas empresas, ensejando maiores despesas e menor rentabilidade e tornando-se, hoje, um dos fatores do chamado custo Brasil.

  9. Por outro lado, as sociedades de economia mista mobilizaram, em seu favor, a poupança privada, de tal modo que entre as maiores sociedades abertas do país e as mais negociadas em Bolsa, nos últimos vinte anos, encontramos quase que somente empresas mistas.

  10. De qualquer modo, no passado, em quase todos os países, sob inspiração do direito anglo-americano, costumava-se garantir às sociedades de economia mista as três liberdades, que consistiam na dispensa de prestação de contas ao Bureau of the Budget, na não-incidência das normas e processos referentes ao civil service (sistema de recrutamento e promoção de funcionários) e ao sistema de concorrência pública.3

  11. Aconteceu, todavia, que com o decorrer do tempo, as sociedades de economia mista foram sendo submetidas, de um modo cada vez mais intenso, às normas de direito administrativo, perdendo a sua autonomia e flexibilidade.4

  12. As tentativas de liberalização, como a realizada pela Lei n. 6.404, não alcançaram as suas finalidades, embora os autores do respectivo anteprojeto entendessem, na época, que se tratava de uma verdadeira lei geral das sociedades de economia mista.5

    Page 57

  13. Comentando o mencionado diploma legal, tivemos o ensejo de escrever que:

    "Assim sendo, na sua estrutura e nas suas relações externas com empregados (direito trabalhista), com terceiros, clientes ou fornecedores (direito obrigacional) ou com o próprio Fisco (direito fiscal), a empresa mista obedece aos mesmos princípios que a sociedade anónima privada. Essa situação decorre do princípio da igualdade na competição que se pretende assegurar numa economia de mercado, nas áreas em que a atividade do Estado não é mono-polística. Por outro lado, no tocante à fixação de suas metas, a certos princípios gerais referentes ao orçamento, às despesas de pessoal e de material, aos critérios de gastos de publicidade e divulgação e ao controle das contas e da performance da empresa, cabe evidentemente a supervisão prevista pelo Decreto-lei n. 200 e nada impede que o Estado ou o Município possam fixar, em lei, normas aplicáveis às suas sociedades de economia mista e às suas empresas públicas. Por mais que se respeite o princípio constitucional da equiparação das sociedades de economia mista às demais sociedades anónimas, a legislação ordinária tem admitido a criação de um regime próprio para as sociedades de economia mista, no tocante, às contribuições para o PASEP, a fiscalização financeira do Tribunal de Contas, a certo tipo de contratações, etc...",6

  14. Na medida em que a Petrobrás deixou de exercer o monopólio previsto pela Lei n. 2.004 (art. 29, II), em virtude da Emenda Constitucional n. 9, de 9.11.1995, e da Lei n. 9.478, de 6.8.1997, passou a ser uma sociedade equiparada às demais empresas comerciais, tendo inclusive o legislador afastado expressamente a incidência da Lei n. 8.666, para fazer depender as suas aquisições de bens e serviços de processo simplificado (art. 67 da Lei n. 9.478/97).

  15. É interessante mencionar que a atribuição de maior flexibilidade à Petrobrás, para permitir que possa competir com as demais empresas do setor, foi a preocupação dominante do Governo, desde a elaboração do projeto que se transformaria na Lei n. 9.478. Essa posição do Poder Executivo, depois abraçada pelo legislador, se destina a garantir que a sociedade possa funcionar com "um espírito empresarial", considerado como essencial para modernizar e "reinventar o Governo".7

  16. Assim, na Exposição de Motivos ministerial n. 23, de 25.4.1996, foi salientado que:

    "Os dois últimos Capítulos do Ante-projeto cuidam da situação da Petrobrás, que é mantida com os seus objetivos originais, como agente estatal do monopólio, já agora não mais com a exclusividade que lhe conferiu a Lei n. 2.004, de 3 de outubro de 1953, mas em caráter de livre competição com outras empresas, estatais ou privadas. Mantendo o controle acionário da União sobre a Petrobrás, a nova Lei proporcionará à estatal brasileira maior flexibilidade de atuação no novo cenário, permitindo-lhe, para isso, criar, transformar, fundir ou cindir subsidiárias para exerceras atividades relacionadas com seu objeto social, além da possibilidade de adotar procedimento licitatório simplificado, segundo normas próprias previamente aprovadas pelo Ministro de Minas e Energia e publicadas no Diário Oficial.

    Emancipada da tutela do monopólio, conservará, entretanto, a Petrobrás, suas funções genuínas de braço executivo da política nacional para o setor, passando a exercitar-se em regime concorrencial aberto com os predicados técnicos e de qualidade de gestão reconhecidos pela comunidade internacional da indústria do petróleo. Na verdade, a Petrobrás possui, hoje, ma-

    Page 58

    turidade e competência que lhe permitem compartilhar e concorrer com outras empresas do setor, no país e no exterior, nas oportunidades negociais que estão postas à sua frente".

  17. Está, pois, presente no projeto de lei, desde os seus inícios, a preocupação de flexibilizar a empresa, permitindo-lhe realizar associações de toda espécie.

  18. O texto da Lei n. 9.478 e especialmente os seus arts. 61 a 65 atendem plenamente à preocupação do Poder Executivo de garantir a maior liberdade de atuação à Petrobrás, a fim de permitir a criação de subsidiárias, nas quais tenha posição majoritária ou minoritária, e de realizar parcerias ou consórcios sob todas as formas legalmente permitidas.

  19. Efetivamente esclarecem os mencionados artigos que:

    "Art. 61. A Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás é uma sociedade de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou afins, conforme definidas em lei.

    "§ 1º-. As atividades económicas referidas neste artigo serão desenvolvidas pela Petrobrás em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado, observados o período de transição previsto no Capítulo X e os demais princípios e diretrizes desta Lei.

    "§ 2º. A Petrobrás diretamente ou por intermédio de suas subsidiárias, associada ou não a terceiros, poderá exercer, fora do Território Nacional, qualquer uma das atividades integrantes de seu objeto social.

    "(...)

    "Art. 63. A Petrobrás e suas subsidiárias ficam autorizadas a formar consórcios com empresas nacionais ou estrangeiras na condição ou não de empresa líder, objetivando expandir atividades, reunir tecnologias e ampliar investimentos aplicados à indústria do petróleo.

    "Art. 64. Para o estrito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT