Evolução histórica

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada. Mestra pela PUC/PR. Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Professora universitária. Associada Benemérita do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário e Associada do Instituto dos Advogados do Paraná - IAP.
Páginas13-19

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No Brasil, os primeiros textos legais sobre acidentes do trabalho de que se tem notícia datam do século XIX e inicialmente eram dispostos de forma esparsa, como exemplificam os arts. 79 e 560 da Lei n. 556/1850 (Código Comercial):

Art. 79. Os acidentes imprevistos e inculpados, que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções, não interromperão o vencimento do seu salário, contanto que a inabilitação não exceda a 3 (três) meses contínuos.

Art. 560. Não deixará de vencer a soldada ajustada qualquer indivíduo da tripulação que adoecer durante a viagem em serviço do navio, e o curativo será por conta deste; se, porém, a doença for adquirida fora do serviço do navio, cessará o vencimento da soldada enquanto ela durar, e a despesa do curativo será por conta das soldadas vencidas; e se estas não chegarem, por seus bens ou pelas soldadas que possam vir a vencer.

Uma preocupação maior com a segurança e com a proteção dos trabalhadores surgiu com a Revolução Industrial, com origem na Inglaterra, mas que também alcançou a Alemanha por volta de 1850. E foi justamente na Alemanha, a partir de 1881, que Otto von Bismarck impulsionou uma legislação social (para tentar conter a onda revolucionária) e, em 1884, criou a primeira lei específica a respeito dos acidentes, criando um seguro protetivo.

Posteriormente, a ideia de proteção acidentária foi adotada por outros países, como Áustria (1887), Finlândia (1895), Inglaterra (1897), Dinamarca, Itália e França (1898) e Espanha (1900).

O Brasil também implantou uma proteção acidentária específica, mas somente no ano de 1919, por meio do Decreto n. 3.724, que regulou as obrigações resultantes dos acidentes de trabalho, com destaque para os dois primeiros artigos, a seguir transcritos:

Art. 1º Consideram-se acidentes no trabalho, para os fins da presente lei:

a) o produzido por uma causa súbita, violenta, externa e involuntária no exercício do trabalho, determinando lesões corporais ou perturbações funcionais, que constituam a causa única da morte ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho:

b) a moléstia contraída exclusivamente pelo exercício do trabalho, quando este for de natureza a só por si causa-la, e desde que determine a morte do operário, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Art. 2º O acidente, nas condições do artigo anterior, quando ocorrido pelo facto do trabalho ou durante este, obriga o patrão a pagar uma indenização ao operário ou à sua família, exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos.

Podemos observar que o conceito de acidente abrangia não somente os acidentes típicos, ocorridos no exercício do trabalho por causa súbita e involuntária, mas também as doenças profissionais, contraídas exclusivamente pelo exercício do trabalho.

A indenização devida pelo empregador variava conforme a gravidade do sinistro (Decreto n. 3.724/1919, art. 5º) e compreendia, além da importância em dinheiro, também a prestação de socorro médico, farmacêutico e hospitalar (art. 13). Não havia, contudo, a garantia de recebimento por parte do trabalhador, porque a legislação não obrigava à contratação de seguro.

O art. 19 instituiu a obrigação de notificação por parte do empregador (ou qualquer outro, inclusive a vítima) à autoridade policial, que naquela época era responsável pelo auto correspondente. E o art. 20, por sua vez, criou a perícia médica judicial para averiguação da capacidade laborativa. Confiram-se:

Art. 19. Todo o acidente de trabalho que obrigue o operário a suspender o serviço ou se ausentar deverá ser imediatamente comunicado á autoridade policial do lugar, pelo patrão, pelo próprio operário, ou qualquer outro.

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A autoridade policial comparecerá sem demora ao lugar do acidente e ao em que se encontrar a vítima, tomando as declarações desta, do patrão e das testemunhas, para lavrar o respectivo auto, indicando o nome, a qualidade, a residência do patrão, o nome, a qualidade, a residência e o salário da vítima. O lugar preciso, a hora e a natureza do acidente. As circunstâncias em que se deu e a natureza dos ferimentos, os nomes e as residências das testemunhas e dos beneficiários da vítima.

§ 1º No quinto dia, a contar do acidente, deve o patrão enviar á autoridade policial, que tomou conhecimento do fato, prova de que fez à vítima o fornecimento de socorros médicos e pharmaceuticos ou hospitalares, um atestado médico sobre o estado da vítima, as consequências verificadas ou prováveis do acidente, e a época em que será possível conhecer-lhe o resultado definitivo.

§ 2º Nesse mesmo dia a autoridade policial remeterá o inquérito com os documentos a que se refere o parágrafo anterior, ao juízo competente, para a instauração do sumário.

Art. 20. Durante o tratamento, é permitido, quer ao patrão, quer ao operário, requerer a verificação do estado de saúde deste último, nomeando o juiz um médico para fazer o exame que se efetuará em presença do médico assistente. Se houver divergência entre ambos sobre o estado da vítima as suas condições de capacidade para o trabalho, o juiz nomeará um outro médico para fazer o exame e no seu laudo baseará o julgamento.

O juiz recebia os documentos e o inquérito e encerrava o processo judicial no prazo máximo de 12 dias, contados da data do acidente. Na sentença, era fixado o valor devido de indenização à vítima ou seus familiares (arts. 21 a 24).

A dinâmica e a sensibilidade do tema, no entanto, não permitiram sua estagnação, e várias alterações legislativas foram promovidas posteriormente. Uma primeira modificação ocorreu pelo Decreto n. 13.493, e seu regulamento, pelo Decreto n. 13.498, ambos de 1919.

Nova alteração adveio da Revolução de 1940, pelo Decreto n. 24.637/1934, que, revogando tacitamente o Decreto n. 3.724/1919, estabeleceu sob novos moldes as obrigações resultantes dos acidentes de trabalho, instituindo a garantia obrigatória da indenização, por meio de seguro ou de depósito. O conceito passou a abranger também as doenças do trabalho, relacionadas às condições do ambiente onde é realizado:

Art. Considera-se acidente do trabalho, para os fins da presente lei, toda lesão corporal, perturbação funcional, ou doença produzida pelo exercício do trabalho ou em consequência dele, que determine a morta, ou a suspensão ou limitação, permanente ou temporária, total ou parcial, da capacidade para o trabalho.

§ 1º São doenças profissionais, para os efeitos da presente lei, além das inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade, as resultantes exclusivamente do exercício do trabalho, as resultantes exclusivamente especiais ou excepcionais em que o mesmo for realizado, não sendo assim consideradas as endêmicas quando por elas forem atingidos empregados habitantes da região.

§ 2º A relação das doenças profissionais inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade será organizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e revista trienalmente, ouvidas as autoridades competentes.

A nova regra isentava a responsabilidade das empresas no percurso entre a residência e o trabalho (art. 2º), e o art. 12 determinava que a indenização estipulada exonerava o empregador de pagar, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum, mas a vítima ou seus familiares, assim como também o empregador, podiam ingressar judicialmente contra um terceiro civilmente responsável pelo acidente (art. 13).

Merecem destaque também os arts...

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