O Exame em DNA e o Acesso à Justiça

AutorIonete de Magalhães Souza
Ocupação do AutorGraduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada
Páginas121-149

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1 O exame em DNA nos tribunais

A criatividade judicial, sob o princípio da responsabilidade, é fator imprescindível na atualidade jurídico-social, para que o povo se satisfaça em seus direitos. Tudo isso consubstanciado, ainda, nos princípios do acesso à Justiça, da razoabilidade e da proporcionalidade, que levarão à efetividade das aspirações, as massas populares, especialmente as mais carentes, resultando em soluções equilibradas.

Quando se analisa tudo o que foi exposto neste trabalho, desde os princípios constitucionais, a sua concretização pelo acesso à Justiça, até o direito de estar inserida uma perícia genética, em tempo razoável, de forma segura e competente, vê-se que, de um modo geral, o Direito estará sempre em atraso em relação aos fatos, pela razão óbvia da própria evolução do homem. Entretanto, para o problema posto em estudo, já existe uma determinação constitucional, a qual requer efetiva e irrestrita concretização.

Como forma de delimitação e de uma visão mais próxima e concreta do que ocorre com alguns direitos fundamentais do cidadão, pode-se ver que a justiça material e de procedimentos é tão complexa como a possível justiça em sentido axiológico. Partindo do princípio de que uma das formas de acesso à Justiça foi alcançada, qual seja, de acesso ao Poder Judiciário, que é

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estar ativamente exercendo a cidadania frente a quem possui a jurisdição, observa-se que concretizar o que está expresso em lei e tentar alcançar o que ela visa proteger é também um obstáculo a ser vencido, em prol da verdadeira efetividade dos dois sentidos de justiça.

As decisões judiciais estão bastante consolidadas, no sentido de se considerar como essencial o exame em DNA, como uma das provas da paternidade, quando forem precárias, duvidosas ou inexistentes outras formas de comprovação do vínculo amoroso ou apenas sexual entre um homem e uma mulher, que deu origem a uma criança.

Seguem abaixo algumas jurisprudências. Cita-se, primeiramente, uma decisão histórica, datada de 11 de abril de 2000, do Tribunal de Justiça do estado de Goiás (TJGO), na qual se ressalta o exame em DNA, mesmo quando não há fragilidade da prova testemunhal:

Perícia genética. (...) Nas ações de investigação de paternidade, a prova científica – consubstanciada na perícia genética pelo mapeamento de impressões digitais de DNA, portadora de alto grau de certeza, direta que é, tem ela peso incontestável – superior ao da prova indireta na formação do livre convencimento –, na medida em que seu resultado se mostre categoricamente infirmativo da perfilhação irrogada, de tal sorte que por mais robusta que se apresente a prova testemunhal, não terá o condão de elidir o valor do exame científico respectivo. (TJGO – AC 51.000-7/188- 2ª
C. Cív. (1ª T.) – Rel. Des. Fenelon Teodoro Reis. J. 11.04.2000).1Em decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), datada de 2008:

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EMENTA: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA – NÃO REALIZAÇÃO – INDISPENSABILIDADE – PRODUÇÃO DA PROVA GENÉTICA – ARTIGO 130 DO CPC – ANULAR A SENTENÇA, PARA SE REALIZAR O EXAME DE DNA. A ação investigatória de paternidade é ação de estado. Envolve discussão acerca de direito indisponível e personalíssimo do investigante e a pretensão de se alcançar, por meio de provas, a verdade real biológica acerca de sua origem genética. Se a parte autora requereu a realização do exame de DNA que, somente não se realizou por acolhimento de justificativa do réu acerca de sua incapacidade financeira de se locomover ao local designado para a realização do exame e por ausência de condições financeiras da parte autora de arcar com o custo do exame em laboratório particular, compete ao Juiz diligenciar na busca da realização da prova, mormente se considerada sua indispensabilidade no caso e a natureza da demanda que debate direito indisponível.2E em decisão datada de junho de 2011, o mesmo TJMG:

EMENTA: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATER-NIDADE – PROVA PERICIAL INDISPENSÁVEL PARA A CORRETA SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA – INTIMAÇÃO PESSOAL DAS PARTES PARA REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO – NECESSIDADE DE EXPRESSA ADVERTÊNCIA DA INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 231 E 232 DO CÓDIGO CIVIL – BUSCA DA VERDADE REAL
– RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. Em se tratando de ação de Estado, de direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, não se justifica desprezar a produção da prova genética (DNA), ainda que encerrada a fase instrutória, posto ser a mesma indispensável para o conhecimento da verdade real, que interessa ao melhor e mais justo julgamento da causa. Na intimação das partes sobre a realização do exame genético, deve haver a expressa advertência de que o não comparecimento dos envolvidos ao laboratório poderá suprir a prova técnica, nos termos dos artigos 231 e 232, do Código Civil.3

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As jurisprudências pioneiras a seguir, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) e do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), tratam de pedido de exame em DNA, quando o processo já está em fase recursal, ressaltada na decisão a importância de diligências extraordinárias, quando se fizerem necessárias:

Paternidade – direito inerente à personalidade civil – investigação – fragilidade probatória – exceptium plurium concubentium indemonstrada – mulher de conduta inabalada – sentença de improcedência – pedido de exame de DNA na fase recursal – admissibilidade, in casu – sentença anulada – a paternidade, como um direito indisponível que é, inerente à personalidade civil, deve ser investigada da forma mais abrangente possível. Diante da fragilidade da prova oral, não restando excluída a paternidade pelo exame hematológico e não demonstrada a exceptium plurium concubentium, se afigura imprescindível a realização do exame de DNA para o esclarecimento da verdade. O mister do juiz não é simplesmente o decidir bem, dando a correta solução da causa em face dos fatos e do direito, para tanto incursionando diligências até extraordinárias, subsidiárias, se necessário. (TJSC – AC n.º 45.096 – 1ª C. Cível – Rel. Carlos Prudêncio – DJSC 17.04.1995)4

Apelação Cível – Investigação de Paternidade – preliminar de conhecimento de agravo retido – recurso tempestivamente interposto contra o indeferimento de realização do exame de DNA – conhecido e provido – sentença anulada – oportunidade de realização do exame DNA a fim de que seja propiciado um julgamento com maior segurança – verificando-se, ao contrário do que certificou o escrivão, que o agravo retido foi interposto tempestivamente, é de se acolher a preliminar argüida na apelação para conhecê-lo e reformar o despacho que indeferiu a realização de exame de DNA, para que seja oferecida às partes a oportunidade de realização desse exame, o que propiciará maior segurança no julgamento. (TJMS – AC – Classe B – XV – n. 53.826-1 – Jardim – 2ª T.C. – Rel. Des. Joenildo de Souza Chaves – J. 25.11.1997)5

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E posteriormente, mas ainda em 2003, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que é atual:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – PROVA TESTEMUNHAL PRECÁRIA – PROVA GENÉTICA – DNA – NATUREZA DA DEMANDA
– AÇÃO DE ESTADO – BUSCA DA VERDADE REAL – PRECLUSÃO
– INSTRUÇÃO PROBATÓRIA – INOCORRÊNCIA PARA O JUIZ – PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO – CERCEAMENTO DE DEFESA
ART. 130, CPC – CARACTERIZAÇÃO – RECURSO PROVIDO – I - Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes. II - Além das questões concernentes às condições da ação e aos pressupostos processuais, a cujo respeito há expressa imunização legal (CPC, art. 267, § 3º), a preclusão não alcança o juiz em se cuidando de instrução probatória. III - Pelo nosso sistema jurídico, é perfeitamente possível a produção de prova em instância recursal ordinária. IV - No campo probatório, a grande evolução jurídica em nosso século continua sendo, em termos processuais, a busca da verdade real. V - Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. VI - Na fase atual da evolução do Direito de Família, não se justifica desprezar a produção da prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz. (STJ - REsp 192.681 - PR - 4ª T. - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJU 24.03.2003)6A maior segurança advinda aos autos processuais, através do exame em DNA, colocará o magistrado numa situação fática e pericial que melhor alicerçará o seu julgamento. Não há de se

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confundir essa segurança com demora e burocracia processual. O TJMG sempre considerou o incontestável peso superior do exame pericial em DNA, na busca da paternidade, sem, contudo, desprestigiar as demais provas advindas aos fatos alegados no decorrer do processo judicial, como pode ser constatado a seguir:

Investigação de Paternidade – prova científica – exame pelo método DNA – peso superior sobre prova indireta – formação do livre convencimento do julgador – Na investigação de paternidade, a prova científica relativa à perícia médica feita pelo método DNA, direta que é, na medida em que seus resultados se mostrem categoricamente afirmativos, ou excludentes da paternidade, tem ela peso incontestável superior ao da prova indireta na formação do livre convencimento do julgador, mormente...

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