Exame Necroscópico nos Acidentes de Trânsito Terrestres

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas391-415

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Introdução

A natureza dos acidentes de trânsito terrestre é muito variável. As principais são:

• Choque com obstáculos (carros estacionados, árvores, postes, muros e calçadas, muros, gado espantado ou abandonado etc.);

• Colisões entre veículos;

• Incêndios;

• Reviravoltas;

• Atropelamento;

• Outros (falta de informação, deslizamento de encostas etc.)

Desses acidentes, os mais frequentes em ordem numérica são: as colisões entre veículos, as saídas da calçada, os atropelamentos e os choques contra obstáculos.

Em relação às causas gerais, estas são divididas nos seguintes grandes capítulos:

1) Falhas dos veículos: defeitos mecânicos,

2) Fatores dependentes da via pública, estrada ou calçada: traçado defeituoso, estrada em mal estado, elementos estranhos que dificultam a aderência dos pneus, etc.

3) Falhas humanas: na maioria das vezes se atribuem ao condutor; porém, nos casos de atropelamento, também podem ocorrer por culpa da vítima.

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Às vezes, em alguns acidentes, há coincidência das 3 causas. É possível afirmar, de acordo com a maioria dos autores, que os fatores humanos são responsáveis por 80 a 95% de todos os acidentes de trânsito, às vezes de forma isolada e, outras, em concorrência com causas de outra natureza. Essa porcentagem de participação do fator humano pode ser mais elevada, se considerarmos as falhas dos veículos (p. ex., pneus desgastados) ou outros vários fatores (existência de solo escorregadio, neblina etc.), também sob controle do usuário.

Fatores humanos como causa de acidentes de trânsito terrestre

Gisbert Calabuig. “Medicina Legal y toxicología”. 6ª ed. Editorial Masson S.A., 2004.

Além dos objetivos comuns a todas as autópsias médico-legais, nesses casos se pretende:

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1) Identificar um padrão de lesões (vítima, condutor, passageiros etc.).

2) Documentar a presença de doenças, uso de álcool etílico ou de fármacos que tenham atuado como fatores desencadeadores do acidente.

3) Coleta de evidências úteis ao caso, como manchas, fragmentos de pintura nas roupas, cabelos, etc.

Padrão das lesões

Neste tipo de acidentes, a variedade das lesões se relaciona sempre a 4 importantes fatores:

  1. Tipo de acidente. São quatro as possibilidades:

    1. Impactos (choques, batidas, colisões);

    2. Perda da estabilidade (saída para o acostamento);

    3. Perda da estabilidade e impacto posterior;

    4. Impacto e deslizamento.

  2. Velocidade. Os resultados e danos do acidente estarão em relação quase sempre proporcional com a velocidade do veículo.

  3. Tipo de desaceleração. Refere-se à rapidez com que o veículo perde a velocidade. Se a desaceleração é instantânea, a transformação de energia causará lesões. Quanto maior o tempo de desaceleração, mais moderado será o grau das lesões provocadas.

  4. Presença de complicações. Explosões, incêndio, queda na água ou em barrancos ou precipícios são algumas das complicações do acidente de trânsito terrestre. Outras vezes, a complicação pode ter origem diversa, como a existência de objetos ou instrumentos capazes de produzir lesões dentro do veículo.

    Os três primeiros fatores concorrem para o grau de energia desencadeada no momento do acidente. O quarto fator já é o resultado do azar ou de outras circunstâncias.

    O dano nos diversos tecidos estará diretamente relacionado com as mudanças dos movimentos. A velocidade que alcança um corpo, por si mesma, não é lesiva. O contrário acontece com as mudanças de velocidade, seja aumentando ou diminuindo.

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    Tais mudanças são medidas em unidades G. Desacelerações de 300 G podem ser suportadas sem lesões; até 2000 G podem ser suportados por curto tempo, se a força atua ao longo do corpo. Por exemplo, o osso frontal pode suportar até 800 G sem se fraturar, enquanto que a mandíbula suporta 400 G, o mesmo que a caixa torácica.

    Além do fator G, a superfície da área que suporta a pressão também influi na produção das lesões. Desse modo, um condutor que é projetado a 80 km/h será afetado diferentemente, caso bata:

    • apenas a cabeça, contra o vidro frontal; • o tórax, a cabeça e os braços, contra o pára-lama; • contra os 500 cm² de um cinto de segurança.

    Nos impactos frontais, quase nunca há uma parada imediata do veículo. Inclusive quando a batida se produz contra uma massa especialmente resistente, os movimentos de deformação do veículo impedem que haja instantaneamente uma completa desaceleração. No desenho de carros se procura, especificamente, que a capacidade de deformação da bitácula e do restante dos componentes do veículo prorroguem o tempo de desaceleração, permitindo um abrandamento das lesões.

    O valor da Unidade de força G pode ser calculado com a fórmula:

    G = C(V2)/D

    V na velocidade,

    D é a distância de frenagem total em metros, depois do impacto,

    C é uma constante de valor 0,0039.

    O politraumatismo é o conjunto de lesões que aparecem com maior frequência nos acidentes de trânsito terrestre. De acordo com diversas publicações, supõe-se que de 30 a 40% de feridos resultam de acidentes nas estradas.

    Produzem-se três tipos de lesões que aparecem simultaneamente:

    • As primeiras são consequência do impacto direto e são visíveis em superfície.

    • As segundas, de mecanismo indireto, são devidas a movimentos bruscos da coluna vertebral, naqueles lugares dotados de maior mobilidade e são invisíveis.

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    • As terceiras, também por mecanismo indireto, se originam de movimentos viscerais nos seus continentes, e podem ser comoções ou lacerações, da mesma maneira invisíveis.

    Em síntese, as lesões encontradas nos diversos acidentes de trânsito terrestres, com vítimas fatais, encontram-se num dos seguintes grupos:

Lesões externas

Um fato habitual, referente às lesões externas dos acidentes de trânsito terrestre, é a desproporção entre a gravidade do acidente e as lesões internas. Geralmente, trata-se de lesões de muito pouca monta, que só excepcionalmente são sugestivas da extensão das lesões internas. Algumas vezes, no entanto, podem-se encontrar lacerações extensas e também lesões perfurocortantes, produzidas por agentes pontiagudos, observados na superfície do veículo, que atuam como agentes vulnerantes diretos. Tal fato determinou, no desenho dos novos carros, uma tendência a eliminá-los, com a finalidade de amenizar as consequências do acidente.

Lesões cranioencefálicas

As lesões encontradas com maior frequência são:

• fratura da abóbada e da base do crânio, • contusões e lacerações do encéfalo, • hemorragias meníngeas epi e subdurais, além de • hemorragia encefálica central, com menor frequência.

Podem ocorrer contusões e as hemorragias subdurais, mesmo sem fraturas no crânio. Dessas, as mais comuns são as fraturas indiretas em relação às diretas, isto é, devidas ao impacto direto de alguma parte do veículo contra o crânio.

Lesões raquimedulares

Com certeza, as lesões mais temíveis nos acidentes de trânsito terrestre são as tetraplegias e as paraplegias, para as quais ainda não foram encontradas ações preventivas eficazes. O cinto de segurança tem um papel protetor importante nas lesões dorsais e lombares, mas a região cervical continua desprotegida.

Se, além desse fato, considerarmos a elevada velocidade que podem ter os veículos fabricados atualmente, encontramos um mecanismo lesivo de

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extraordinária importância. A respeito, Sánchez Vera, em 1990, afirmou que as lesões medulares eram produzidas geralmente com velocidades entre 120 a 140 km/h. Também podemos observar luxações e fraturas ao nível das três partes da coluna vertebral, às vezes em mais de um nível e ocasionalmente com lesões medulares concomitantes, cuja intensidade varia desde a simples contusão até a sua secção transversal. Em casos extremos, pode ocorrer a secção completa do pescoço.

Em relação aos mecanismos pelos quais se produzem lesões na coluna cervical, existe uma investigação muito interessante, realizada por Huelke e Gikas, em 1966, na qual se estabelece uma correlação entre o perímetro torácico e o aparecimento de lesões nessa área do corpo. Foram registradas cinco medidas em homens e mulheres: circunferência da cabeça, do pescoço, distância mandíbula-manúbrio esternal, distância ocipitoapófise espinhal de C7, e perímetro do tórax: quanto maior o perímetro do tórax, menor a possibilidade de ser afetado.

Aumento estatisticamente significativo no tamanho do tórax no homem e na mulher, de um grupo controle versus o grupo com fraturas

Os autores da investigação sugerem maiores estudos, para se poder concluir com maior certeza.

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Lesões torácicas

As observações indicam que podem ser afetados tanto o esqueleto torácico como o seu conteúdo visceral. O esterno aparece fraturado transversalmente, especialmente nos condutores de veículos de quatro rodas, quando são projetados para frente, contra o volante. As costelas podem ser fraturadas em vários pontos (várias costelas simultaneamente, constituindo um “volet” costal).

Em relação às lesões dos órgãos torácicos, são muito diferentes; as mais comuns são as lacerações pulmonares, seguidas das lacerações cardíacas e da artéria aorta. A respeito, Concheiro (1974) realizou minuciosos estudos. Nesses últimos casos o hemotórax é a regra, assim como nas lesões de pulmão.

Importante mencionar a lesão produzida no traumatismo do coração, que pode ser produzido pelo impacto direto contra o volante, assim como pelos movimentos da víscera no interior da caixa...

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