Exceção de Impedimento

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas197-213

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1. Comentário

O estatuto processual civil de 1939 não estabelecia nenhuma distinção de ordem sistemática entre as causas de impedimento e de suspeição. Todas elas vinham enfeixadas sob o título de suspeição e se encontravam arroladas no art. 185.

Pedro Baptista Martins chegou a afirmar ser inteiramente destituída de interesse pragmático qualquer separação nesse sentido.18

A CLT, editada na vigência do CPC, deixou-se infiuenciar por este, de tal modo que também não distinguiu os casos de suspeição dos de impedimento (art. 801). Tudo aqui foi tratado como suspeição, embora o parentesco (letra “c”) diga respeito ao impedimento.

Conforme demonstraremos adiante, o impedimento, no processo do trabalho, não deriva, apenas, do parentesco do juiz, senão que também de todas aquelas causas mencionadas no art. 144, do atual CPC (incisos I a IX).

O diploma processual civil de 1973, mais didático tratou de maneira separada, os casos de impedimento e de suspeição (arts. 134 e 135, nessa ordem). Essa separação não derivou de mero capricho do legislador, justificando-se, acima de tudo, por motivos científicos e práticos. Científicos, porque as causas de impedimento do magistrado são muito mais graves do que as de suspeição, vale dizer, apresentam-se muito mais comprometedoras de sua atuação; práticos, porque o silêncio da parte, diante do impedimento, é irrelevante, pois o fato de ela nada alegar acerca do assunto não faz com que se torne sem efeito a proibição legal de o juiz impedido funcionar no processo; na suspeição, ao contrário, a falta de manifestação da parte, no momento oportuno, implicará aceitação da presença do juiz na direção do processo. Além disso, somente a sentença emitida por juiz impedido e rescindível (CPC, de 2015, art. 966, , II).

O CPC de 2015 também manteve essa separação, conforme demonstram os arts. 144 e 145.

A doutrina de nosso país tem sustentado, de maneira uniforme, que a razão de as normas legais haverem instituído o veto à atuação judicial, nas situações de impedimento (e, também, de suspeição), decorreu da preocupação de assegurar-se a imparcialidade do magistrado na condução do processo. Nós mesmos, em páginas transatas, escrevemos que a neutralidade do juiz constitui um dos pressupostos necessários ao regular desenvolvimento da relação jurídica processual. Isso não quer dizer que estejamos plenamente de

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acordo com aqueles que veem no impedimento uma política legislativa devotada à necessi-dade de evitar a participação no processo de um juiz parcial, tendencioso. Expliquemo-nos. Não há negar que o juiz, como órgão estatal incumbido de solucionar os conflitos de interesses, deve ser imparcial e que o fato, por exemplo, de ele ser parente ou cônjuge de um dos litigantes, ou, mesmo, parte, coloca em risco esse princípio fundamental da neutralidade. Todavia, se admitirmos a hipótese em que um juiz impedido tenha conduzido o processo, desde o início, e decidido contra a parte a quem, em princípio, se imaginava que estaria propenso a favorecer (por ser seu cônjuge ou parente), parece-nos que ficará um pouco abalado o argumento segundo o qual o veto legal, sob a forma de impedimento, se vincula, exclusivamente, ao receio de imparcialidade do magistrado. Pensamos, assim, que há, nesse veto, também um conteúdo de natureza ética (pois não podemos nos esquecer que o processo é o método formal de que se utiliza o Estado para solucionar as lides), de tal sorte que mesmo vindo o juiz a decidir contra os interesses de um seu parente ou de seu cônjuge, qualquer destes poderá tentar obter um decreto jurisdicional de nulidade do processo ou de desconstituição dos efeitos da coisa julgada material, conforme seja o caso.

Em resumo, a proibição legal de o magistrado atuar em determinadas causas provém não somente da preocupação de assegurar-se aos litigantes a imparcialidade judicial, mas, também, de razões de ordem ética — capazes, por si sós, em algumas situações, de conduzir à nulidade do processo ou à desconstituição da res iudicata, quando o magistrado não observar essa imposição legal de abstenção, no que toca ao exercício das suas funções.

A propósito, determinado setor da doutrina tem entendido que se o juiz violar essa proibição legal serão nulos apenas os atos decisórios.19 Divergimos, data venia, dessa corrente de opinião. Tratando-se de impedimento, a declaração de nulidade deve afetar todo o processo (e, não apenas, os atos decisórios), pois o art. 144, do digesto de processo civil é claro ao advertir que o juiz estará proibido de exercer as suas funções no processo em que se configurou o seu impedimento. Essa proibição legal, portanto, não está circunscrita aos denominados “atos decisórios”, abarcando, por isso, todo e qualquer ato que o juiz possa ou deva praticar no processo. Seria insensato, e. g., supor que o juiz impedido pudesse inquirir testemunhas e apreciar as contraditas apresentadas; mandar juntar ou desentranhar documentos; nomear perito e o mais.

Por traduzir, o impedimento, um veto legal absoluto à atuação do juiz, estamos convencidos de que essa proibição alcança todos os atos processuais, motivo por que eventual desrespeito do magistrado a essa proibição acarretará a nulidade total do processo, tirante a petição inicial. De nada adiantaria, para a parte interessada, ver anulados somente os atos decisórios, ou desconstituídos os efeitos da coisa julgada material, se o pronunciamento de mérito se baseou em atos processuais anteriores, que foram praticados sob a direção do juiz impedido. Tais atos estão, fora de qualquer dúvida razoável, contaminados pelo desacato judicial à proibição que emana do art. 144, do CPC.

Não se pense, entretanto, que os atos praticados por juiz impedido integram a classe (algo inexplorada pela doutrina) dos inexistentes. Nada disso. Inexistentes seriam

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esses atos se quem os realizasse não fosse juiz. Sendo-o, referidos atos existem, ainda que comprometidos por vícios insanáveis. Se fossem inexistentes, é óbvio que não poderiam ser objeto de ação anulatória ou rescisória, e, sim, de ação declaratória (de inexistência), embora esta nem sempre seja necessária.

Dissemos, há pouco, que o impedimento corresponde a um veto legal absoluto à atuação do juiz. Essa afirmação é inteiramente verdadeira, não apenas em face da dicção inequívoca da norma legal (CPC, art. 144, caput), mas também se levarmos em conta o fato de que, na suspeição, o dever judicial de abstenção é relativo, haja vista que se a parte deixar de arguir a suspeição no momento oportuno esse seu silêncio permitirá a participação do juiz no processo, ainda que seja amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes; credor ou devedor de qualquer delas; tenha interesse no objeto da lide, etc.

As próprias causas de impedimento, legalmente prevista, justificam a razão por que o veto legal, neste caso, é infiexível. Essas causas, aliás, podem ser objetivamente constatadas, pois a prova, em regra, é documental (sem prejuízo de outros meios, por lei admitidos), ao passo que as causas de suspeição envolvem, muitas vezes, aspectos fortemente subjetivos, como se dá com a amizade íntima, com a inimizade capital, com o interesse no objeto do litígio e o mais.

O juiz togado, como representante, por excelência, do Estado, tem o dever de ser neutro, imparcial, seja na condução do processo — oportunidade em que deve ministrar um tratamento equânime às partes, nos termos do art. 139, I, do CPC —, seja no momento da entrega da prestação jurisdicional. Eventual quebra desse dever de imparcialidade poderá conduzir à decretação de nulidade do processo.

2. Casuística

São estas as disposições do CPC sobre o impedimento do magistrado.

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;

II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;

III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

V – quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo; VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;

VII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;

VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;

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IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

§ 1.º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz.

§ 2.º É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz.

§ 3.º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo. Dediquemo-nos a examinar esses casos.

Caput. Ainda que por outras palavras, o veto à atuação do juiz impedido estava expresso no caput do art. 134 do CPC revogado.

O estatuto processual civil de 1939 não estabelecia nenhuma distinção de ordem sistemática entre as causas de impedimento e de suspeição. Todas elas vinham...

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