Estado de exceção: origem e estrutura topológica

AutorLucas Moraes Martins
CargoDoutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas157-175
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p157
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
ESTADO DE EXCEÇÃO: ORIGEM E ESTRUTURA TOPOLÓGICA
Lucas Moraes Martins
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Resumo
Este artigo objetiva fornecer, panoramicamente, uma reflexão sobre a origem
histórica e os contornos teóricos do estado de exceção para que se possa fortalecer
a luta contra os espaços de exceção existentes dentro das democracias. A partir da
obra Estado de exceção de Giorgio Agamben, buscou-se o ponto de apoio crítico
para a leitura do texto histórico de Théodore Reinach, De l’état de siège, e, ao
mesmo tempo, o aporte teórico para explicar a estrutura topológica do estado de
exceção. Dentro desta metodologia, em um primeiro momento, abordou-se a história
do estado de exceção, vislumbrando, enfim, que este está mais próximo da tradição
democrático-revolucionária do que da tradição absolutista. Em um segundo
momento, analisou-se o funcionamento e a topologia ímpar do estado de exceção,
bem como a importância fundamental da decisão soberana para a instauração de
situações excepcionais. Ao final, afirmou-se a precisão certeira da tese de Walter
Benjamin: a exceção tornou-se a regra. Seria tão ou mais proveitoso, portanto,
pesquisar, não se um governo é ou não democrático, mas sim os espaços de
exceção existentes dentro das democracias.
Palavras-chave: Estado de exceção. Debate histórico. Democracia. Política. Giorgio
Agamben.
1 INTRODUÇÃO
Comumente, medidas excepcionais de governo são associadas à tradição
antidemocrática. Se este ponto for verdadeiro, nada mais estranho ao entendimento
o fato de medidas excepcionais se fazerem presentes com tanta frequência,
justamente no surgimento das democracias. Por exemplo, o ex-presidente do Egito,
Mohamed Morsi, jurando sob os princípios da liberdade, justiça e democracia,
publicou, em 22 de novembro de 2012, uma declaração constitucional na qual
afirma, no artigo 2o, serem os decretos presidenciais insuscetíveis de análise judicial
(EGITO, 2012). Afirma ainda, no artigo 6o, ser factível ao presidente tomar as ações
necessárias para proteger o país e os objetivos da Revolução Egípcia (EGITO,
1
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor na Faculdade de Direito do
Centro Universitário UNA, Belo Horizonte e no curso de Direito da Faculdade Santo Agostinho,
Montes Claros, MG, Brasil. Email: lucasmoraesmartins@hotmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.157-175, Jan-Jun. 2015
2012), iniciada em 25 de janeiro de 2011, que depôs o governo de Hosni Mubarak,
no poder desde a década de oitenta.
Não apenas durante o surgimento, mas também na manutenção das
democracias, medidas excepcionais são amplamente utilizadas, frequentemente
justificadas pela urgência e necessidade. Por exemplo, o USA Patriot Act de 2001,
cujo nome oficial é Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate
Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism (USA PATRIOT) Act of 2001
(EUA, 2001), permite ao Attorney General manter detido o estrangeiro suspeito de
envolvimento com atividades que ponham em risco a segurança interna dos Estados
Unidos. Na redação original da lei, esta indefinite detention do estrangeiro, ou
melhor, a detenção indefinida do estrangeiro, frise-se, realizada à margem das
regras processuais normais e fundada tão somente na suspeita de envolvimento
com atos danosos à segurança nacional, poderia durar até sete dias (EUA, 2001).
O que estes e outros exemplos trazem à reflexão é que o estado de exceção,
na verdade, parece ser mais uma criação da tradição democrático-revolucionária,
iniciada com a Revolução Francesa, do que uma decorrência da tradição absolutista.
Se, dentro das democracias, medidas excepcionais encontram-se frequentemente
como práticas usuais de governo, deve-se, portanto, repensar a história e a relação
entre estado de exceção e a tradição democrática. A ideia do estado de sítio fictício
ou político com a noção de suspensão da Constituição, ou das normas
constitucionais protetoras da liberdade individual, marcaria a origem (Der Ursprung),
o salto original, do estado de exceção.
2 A TRADIÇÃO DEMOCRÁTICO-REVOLUCIONÁRIA
Na história político-jurídica francesa, a transição conceitual do estado de sítio
militar ou efetivo (état de siège effectif) ao estado de sítio político ou fictício (état de
siège fictif) demonstra quão fluidos são os limites da legalidade diante de situações
excepcionais.
Originalmente, o estado de sítio sempre foi uma instituição militar,
condicionado a algumas situações de ataque efetivo ou real às fortificações
permanentes (places de guerre, praça-forte) ou posto militar. Todavia, o estado de
sítio (état de siège) não se confundia com o estado de guerra (état de guerre). O

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