O excesso de informação como abuso do direito (dever)

AutorJoão Pedro Leite Barros
CargoDoutorando na Universidade de lisboa
Páginas13-60

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EXCERTOS

"O objeto do presente trabalho tem raiz no fenômeno recente do excesso de informação no tocante aos contratos celebrados via internet com o consumidor"

"O direito subjetivo à informação surge como consequência da obrigação legal que tem o fornecedor ante o consumidor, resguardado a qualquer tempo o seu exercício"

"O dever pré-contratual de informação é consequente da boa-fé, enquanto regra de conduta aplicável às tratativas contratuais, visto que engloba todas as circunstâncias que em concreto possam influenciar a formação do contrato"

"O direito subjetivo à informação que o consumidor possui ante o caráter obrigacional do negócio jurídico que seria entabulado é muitas vezes mitigado pela prestação deficiente da informação pelo fornecedor"

"A função social do dever de informar do fornecedor é permitir que o consumidor obtenha a informação adequada, correspondendo às suas reais expectativas e necessidades, aferidas em função do conteúdo, finalidade e amoldamento"

"Seja pela via moral - em que o consumidor deixaria de comprar ou contratar serviços de determinado fornecedor - ou pela ordem legal - em que o poder judiciário puniria qualquer transgressão à legislação vigente -, o direito do consumidor deve ser resguardado sempre"

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1. Introdução

A tutela da informação3nunca se fez tão presente na modernidade. Seja para proteger o consumidor, seja para resguardar direitos do fornecedor, não se pode olvidar o seu propósito: instrumento vetor capaz de satisfazer os anseios das partes.

Durante largo tempo a doutrina grassou a ideia de que quanto mais extensa for a informação sobre um produto ou serviço, mais protegido estaria o consumidor. Entretanto, tal assertiva, ao menos no comércio eletrônico, deve ser mitigada ou ponderada com parcimônia.

O objeto do presente trabalho tem raiz no fenômeno recente do excesso de informação no tocante aos contratos celebrados via internet com o consumidor. Em que pese o caráter garantista4da norma de consumo em Portugal, desde a alçada constitucional5, passando pela lei de defesa do consumidor6, regime jurídico das cláusulas gerais7, decreto-lei 7/20048, culminando com a última diretiva de 24/2014 (proveniente da transposição da diretiva 2011/83/EU) que ampliou sobejamente os direitos pré-contratuais de informação, o sistema é ao mesmo tempo protetivo e falho. Seja porque o discurso de "quanto mais informação melhor para o consumidor" sucumbe, na prática, na consequente desinformação por parte desse, seja porque o fornecedor, conscientemente ou não, lesa o consumidor com as informações ali expostas.

Fixadas tais premissas, o corte metodológico do estudo será delimitado pelos casos em que o fornecedor preenche todos os requisitos normativos necessários acerca da informação do produto ou serviço para com o consumidor antes da efetiva contratação eletrônica. Contudo, ao fazê-lo excede seu dever, causando prejuízos ao consumidor e à sociedade como um todo, incorrendo numa espécie de abuso de dever.

Assim, em vertente inovadora e incipiente, o presente relatório demonstrará que a teoria do abuso do direito, sob o espeque do exercício de posição dominante, pode ser, de fato, entendida também como uma espécie de abuso de dever.

Será também demonstrado que o fornecedor não incorre em culpa in contrahendo ou até mesmo responsabilidade civil por conselho,

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recomendação ou informação, mas sim em abuso do direito (dever) por infringir a função social da obrigação ali em destaque, qual seja a proteção do consumidor, alçando-o a uma espécie de efeito erga omnes.

Finalmente, o presente estudo também terá como escopo esmiuçar as consequências jurídicas que o fornecedor poderá sofrer, numa perspectiva dialética com aquilo já proposto pela teoria do abuso do direito.

2. Dever de informação

Dever jurídico9é a imposição do ordenamento jurídico a uma determinada conduta do indivíduo, na medida em que arbitra uma sanção ao comportamento contrário. Por seu turno, o direito subjetivo à informação surge como consequência da obrigação legal que tem o fornecedor ante o consumidor, resguardado a qualquer tempo o seu exercício.

Sob essas premissas, dever de informação é conceituado10 simplificadamente como transmissão de fatos de forma objetiva, quer verse ela sobre pessoas, coisas ou qualquer relação.

Em que pese o entendimento minoritário inglês11no sentido de que não há nenhum dever geral de informar entre as partes, fato é que a proteção pela informação e seus consectários se tornou realidade na última década, em especial na área do consumidor.

A falsa sensação de segurança econômica e a facilidade de crédito12 mobilizou os consumidores a adquirirem mais produtos13no mercado e, com isso, muitos fornecedores se aproveitaram da situação para visar tão somente o lucro14. Assim, foi no comércio eletrônico que se concentrou a maior expansão econômica entre os países, sobretudo por permitir que o cidadão acessasse o sítio eletrônico em qualquer lugar e tempo e pudesse pactuar com o fornecedor quando bem entendesse. Nesse contexto, a informação do produto ou serviço passou de mero coadjuvante na compra e venda de mercadorias a protagonista, tornando-se o elemento principal. Contudo, àquela época, a proteção do consumidor não foi acompanhada no mesmo compasso pela doutrina portuguesa15, uma vez que o adquirente virtual se subsumia às regras gerais do contrato de consumo e não recebia atenção especial.

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Por outro lado, ao passo em que o consumo cresceu, também desencadeou, em similar proporção, a necessidade de tutelar a parte vulnerável16, em especial quanto aos deveres de informação dos produtos e serviços que a ela eram ofertados.

A bem dizer, a proteção do consumidor virtual ganhou espaço nas legislações recentes em face do próprio modus operandi peculiar17do

contrato eletrônico, já que esta espécie contratual fragiliza a posição do consumidor no sentido de seu poder negocial ser diminuto (ausência física do consumidor), deixando-o em posição vulnerável, especialmente no que diz respeito à insegurança na circulação das informações pessoais e dados de cartão de crédito para que se concretize a transação. Com efeito, muitas vezes as informações propagadas ao consumidor são demasiadamente extensas e, embora sejam verdadeiras, o confundem na compreensão dos elementos cruciais do contrato.

O professor Dário Moura vicente18já trazia elementos da presente crise moderna de informação quando explanou que a descodificação do direito privado tem levado à adoção de diretivas descoordenadas entre si, sem ter o legislador preocupação valorativa dessas. Com o advento da sociedade de informação19, surgiram múltiplas demandas jurídicas, muitas delas ainda sem solução.

Se, por um lado, a máxima amplitude informacional dos regulamentos exige um dever geral de informação20completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, abordando os seus pormenores, por outro, os diplomas legais21não se preocuparam com o fenômeno recente do excesso de informação. Incongruências à parte, fato é que a superproteção ao consumidor, por vezes, acarreta prejuízos para ele. Informações que, em excesso, acabam por traduzir-se em desinformação.

2. 1 Do dever de informação no ordenamento português

A informação, per si, tem um valor democrático22, uma vez que permite transparência e difusão do poder, sendo simultaneamente uma ferramenta eficiente de controle de decisões. O direito à informação foi alçado como direito fundamental pela constituição Portuguesa de 1976, e dentro da possível normatização23, o direito à informação nas negociações pela internet é hoje encontrado nos seguintes diplomas24:

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cláusulas contratuais gerais, lei 24/96, decreto-lei 7/2004 e decreto-lei 24/2014.

No que concerne à lei 24/96, os artigos 7º e 8º esmiúçam as características de informação para o consumo. O artigo 7º, ao dispor sobre o direito à informação geral, traduz todas as diretrizes gerais sobre o tema, a língua a ser adotada, as atribuições dos órgãos fiscalizadores e até mesmo as ações proativas necessárias para a tutela do consumidor. Por sua vez, o artigo 8º, ao discorrer sobre o direito à informação em particular, dispôs minuciosamente todos os requisitos que compõem uma informação clara, precisa e suficiente, quer seja a identidade do fornecedor do serviço ou até mesmo as modalidades de pagamento.

A despeito das cláusulas gerais, o artigo 6º prevê o dever de informar25tendo em vista as circunstâncias e um dever de prestar os esclarecimentos razoáveis uma vez solicitados. Há três conceitos distintos26a serem tomados em consideração no ordenamento português: comunicação, informação e esclarecimentos.

A simbiose27entre o dever de comunicação e informação resulta no propósito de que a parte adquirente possa e deva ter conhecimento efetivo do contrato, pois mesmo que não utilize ou solicite esclarecimentos, o dever de informação será sempre exigível do proponente.

Nesse mesmo contexto protetivo consumerista, o decreto-lei 7/2004, que versa sobre comunicações eletrônicas, em especial a lei 46/2012, reflete a preocupação com a utilização das informações fornecidas pelo consumidor e muitas vezes empregadas de forma arbitrária e sem a sua anuência.

No que concerne ao decreto-lei 24/2014, o iminente diploma trouxe novidades sobre a matéria, principalmente no tocante à informação pré-contratual adequada28. Isso porque, no que tange ao comércio eletrônico, as...

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