Excesso na legítima defesa e no estado de necessidade Uma análise da Legislação Brasileira

AutorAndré Renato Servidoni
CargoAdvogado, especialista em direito pela Unaerp, mestrando pela PUC/SP
Páginas1-9

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1- Introdução

O nosso Código Penal estabelece em seu artigo 23, parágrafo único, que o agente, nas hipóteses de exclusão da ilicitude, responderá pelo excesso doloso e culposo.1

Neste diapasão, o presente trabalho tem a finalidade de tecer alguns comentários a respeito do excesso na legítima defesa e no estado de necessidade, tema pouco explorado pela doutrina nacional e que acaba tendo relevância jurídica no julgamento da conduta do agente quando atua preservado pelas excludentes da ilicitude.

2- Conceito de ilicitude/antijuridicidade

O sistema punitivo do Estado destina-se à tutela jurídica de bens e valores da vida social. Essa tutela jurídica se realiza através da proibição de determinadas condutas e da imposição de outras, que a lei descreve nos diversos tipos de delito. A realização da conduta típica revela, em regra, a ilicitude, pois o tipo é, substancialmente, tipo de ilícito, ou seja, modelo da conduta que o legislador proíbe e procura evitar, tornando-a ilícita.

Como o ordenamento jurídico não contém apenas proibições, mas, por igual, normas que permitem ou autorizam certas condutas, em regra proibidas sob ameaças de pena, não basta a realização da conduta típica para determinar a sua antijuridicidade, sendo necessário examinar se a ação ou a omissão não estão cobertas por uma norma permissiva, que exclui a antijuridicidade.2

Assim, dentro do conceito analítico, para a existência do crime é necessária uma conduta humana positiva ou negativa, descrita na lei como infração penal (tipicidade), contrária ao ordenamento jurídico (antijuridicidade) e culpável.

Especificamente sobre a ilicitude, pode ser ela conceituada como a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento Page 2 jurídico, de modo a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado.3

Ressalte-se que a conduta típica é, em regra, antijurídica, funcionando a tipicidade como indício da antijuridicidade; conseqüentemente, a análise da antijuridicidade se resume ao exame da ocorrência, na realização da conduta típica, de causas de justificação que excluam a ilicitude.

3- Conceito de excludentes da ilicitude

O direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, causas excludentes da ilicitude, eximentes ou descriminantes). São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuridicidade por permitirem a prática de um fato típico.

Toda ação típica é ilícita, salvo quando justificada. Com acerto se distingue que as causas justificantes têm implícita uma norma permissiva ou autorizante que, ao interferir nas normas proibitivas ou preceptivas, faz com que a conduta proibida ou a não-realização da conduta ordenada seja lícita ou conforme ao direito.4

Ressalte-se que, da mesma forma que o fundamento do injusto está no desvalor da ação e no do resultado, a sua exclusão subordina-se a um juízo de valor sobre a ação e o resultado das causas justificantes, isto é, devem existir os elementos objetivos e subjetivos de modo que o sujeito atue não só com conhecimento e vontade de que ocorram seus elementos, mas também com ânimo ou vontade no sentido da justificante.

3. 1 - Origem

O instituto da excludente da ilicitude, notadamente a legítima defesa, refletiu em todos os tempos uma necessidade imposta ao homem pela lei natural, sendo por isso mesmo reconhecida no direito das gentes como a harmoniosa manifestação dos sistemas jurídicos que as regeram durante sua longa evolução social.5

Por outro lado, a partir do momento em que o Estado deixou de se conformar com a instintiva e ilimitada oposição da força contra a força, chamando a si o poder de proteção aos direitos individuais, teve de abrir uma exceção, permitindo que o indivíduo o substitua quando a debelação de injusto atacar seus direitos, in continenti.6

Resumidamente, o fundamento da excludente de antijuridicidade penal encontra respaldo no instinto de conservação do ser humano e no próprio direito positivo, quando contemplado como norma penal permissiva. Page 3

3. 2 - Conceito de legítima defesa e estado de necessidade

Ambos são excludentes da ilicitude; todavia, na legítima defesa há uma repulsa da violência pela violência ditada pelo próprio instinto de conservação, enquanto no estado de necessidade há um conflito de bens ou interesses que merecem igualmente a proteção jurídica, concedida a faculdade da própria ação violenta para salvamento de qualquer deles.

Além disso, no estado de necessidade há uma ação e, na legítima defesa, reação. Naquele, o bem jurídico é exposto a perigo, nesta exposto a uma agressão. Só há legítima defesa quando se atua contra o agressor; há estado de necessidade na ação contra terceiro inocente. No estado de necessidade, a ação é praticada ainda contra agressão justa, enquanto na legítima defesa a agressão deve ser injusta.7

Assim, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Por outro lado, está em estado de necessidade quem pratica o fato que a lei define como crime para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.8

4- Excesso na legítima defesa e no estado de necessidade

Um dos requisitos da legítima defesa e do...

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