Execução da dívida ativa da fazenda pública

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas775-787

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508. Procedimento especial da execução fiscal

Já fizemos observações nos Capítulos IV, VII e X a respeito da nova regulamentação do processo de execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública.

Damos a seguir uma visão panorâmica das principais alterações a que se submete o Executivo Fiscal.

Em linhas gerais, a sistemática da execução fiscal introduzida pela Lei nº 6.830/80 é a mesma do Código de Processo Civil, ou seja, a execução por quantia certa contra devedor da Fazenda Pública é processo de pura atividade de realização do direito do credor.

Não se destina a acertamento da relação creditícia, nem à definição de responsabilidades, mas apenas à expropriação de bens do devedor para satisfação do direito do credor (NCPC, art. 495).1Só o título líquido, certo e exigível pode autorizá-lo, como dispõe o art. 7832do mesmo Código, já que no bojo do processo executivo não há lugar para discussões e definições de situações controvertidas.

O acertamento é fato que precede à execução e que se consolida no título executivo (no caso, a "certidão de dívida ativa"). Daí a equiparação do título extrajudicial à sentença condenatória trânsita em julgado, para efeito de autorizar a execução por quantia certa (NCPC, art. 784).3A execução fiscal não foge à regra geral da execução forçada. Assim é que somente a Dívida Ativa regularmente inscrita é que goza da presunção de liquidez e certeza (Lei nº 6.830, art. 3º). E, na definição da Lei, é a inscrição que se constitui "no ato de controle administrativo da legalidade", sendo promovida "pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito" (art. 2º, § 3º).

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Antes, portanto, de ingressar em juízo, tem a Fazenda Pública de promover o acertamento de seu crédito, mediante o procedimento da inscrição, para atribuir-lhe liquidez e certeza.

Somente depois da inscrição e da extração da competente certidão de Dívida Ativa (que é o título executivo fiscal), é que estará habilitada a promover a execução em juízo. A oposição à execução fiscal, por parte do devedor executado faz-se, por não ser o processo de índole contraditória, por meio de embargos. Ao contrário da contestação, que é simples resistência passiva do réu, no processo de conhecimento, os embargos à execução configuram verdadeira ação paralela ao executivo fiscal, movida pelo devedor contra a Fazenda Pública, para tentar desconstituir o título que serve de fundamento à atividade executiva do Estado posta à disposição do credor.

Continua, pois, inadmissível, em executivo fiscal, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidade de terceiros ou coobrigados que não figuraram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo que é a certidão de Dívida Ativa.

Não importa que o art. 4º, da Lei nº 6.830, diga que a execução fiscal pode ser promovida contra outras pessoas além do devedor. O certo é que a mesma lei dispõe que a liquidez e certeza, requisito sine qua non da execução forçada, só decorre da regular inscrição do débito pelo órgão competente para apurar a mesma liquidez e certeza (arts. 2º e 3º, caput).

O não devedor, destarte, pode também ser executado, mas apenas quando por algum dispositivo legal, ou por acertamento judicial ou administrativo prévio tiver tornado líquida e certa sua corresponsabilidade. Isto, aliás, é fora de dúvida, pelos próprios termos da Lei nº 6.830 que manda seja feita a inscrição, como ato de controle da legalidade do crédito público, em nome do devedor e dos corresponsáveis.

Evidentemente, a corresponsabilidade também há de ser apurada e só depois do indispensável acertamento é que ela será havida como líquida e certa, o que, como é óbvio, nunca poderá ser feito depois da penhora, no bojo da execução forçada.

Continua, destarte, indispensável o respeito aos limites do título executivo, objetivos e subjetivos, na promoção da execução fiscal (a respeito do tema, veja-se, ainda, o item nº 52).4

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No entanto, não havendo embargos do executado no prazo legal, a execução fiscal prosseguirá normalmente até os últimos atos de expropriação dos bens penhorados e satisfação do credor, sem que haja sentença para julgar o pedido da Fazenda exequente, já que o processo é de realização e não de definição de direito.

Nos tópicos seguintes indicaremos as principais inovações do procedimento da execução fiscal, instituído pela Lei nº 6.830.

509. Simplificação da petição inicial

A petição inicial, agora, nas execuções de Dívida Ativa, será bastante singela. A exequente indicará tão-somente:

I - o juiz a quem é dirigida a petição;

II - o pedido;

III - o requerimento para a citação (art. 6º).

Os demais requisitos serão completados pela certidão de Dívida Ativa, que se considerará parte integrante da inicial, como se nela "estivesse transcrita" (art. 6º,§ 1º).

Facultado será, também, elaborar-se documento único, que contenha já a petição inicial e a própria certidão de Dívida Ativa (art. 6º, § 2º).

510. Despacho da inicial

Mesmo que não seja explícito, o despacho da petição inicial importará, automaticamente, ordem para:

I - citação, pelas sucessivas modalidades que a Lei nº 6.830 prevê no art. 8º;

II - penhora, se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito ou fiança;

III - arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar;

IV - registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de custas ou outras despesas;

V - avaliação dos bens penhorados ou arrestados (art. 7º).

511. Citação do devedor

Com relação ao ato citatório, o procedimento apresenta notáveis novidades:

  1. A citação, em regra, será feita pelo correio, salvo pedido da Fazenda exequente para que se observe outra forma (art. 8º, nº I). E o aperfeiçoamento

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    da citação dar-se-á pela simples entrega da carta no endereço do devedor (art. 8º, nº II), dispensada, portanto, a comprovação de recebimento pessoal do ofício pelo executado.

    A propósito, observa Clito Fornaciari Júnior que "na sistemática da nova Lei da Execução Fiscal, a regra é ser feita a citação pelo correio (art. 8º, nº I), independendo, para tanto, de requerimento da Fazenda Pública cre-dora, da atividade desenvolvida pelo devedor, do fato de ser ele pessoa física ou jurídica, e, ainda, do seu próprio domicílio, podendo a citação ser feita a devedor domiciliado em comarca diversa daquela onde esteja sendo desenvolvida a execução. Apenas se o devedor estiver no estrangeiro esta forma não pode ser utilizada reservando-se, então, a citação por edital para a hipótese".5b) Quando feita a citação por edital, o prazo será sempre de trinta dias para ter-se como citado o devedor; e a publicação será apenas uma vez no Órgão Oficial, abolida, portanto, a divulgação do edital na imprensa local (art. 8º, nº III). Quando, porém, o executado estiver ausente do País, o prazo do edital será ampliado para sessenta dias.

  2. A citação far-se-á com prazo de pagamento ou penhora de cinco dias (art. 8º, caput).

512. Prescrição

Nas execuções fiscais, considerar-se-á interrompida a prescrição não mais pela citação, mas simplesmente pelo despacho do juiz que a ordenar (art. 8º, § 2º). Para essas execuções, portanto, não se terá, doravante, que cogitar se a citação foi ou não efetivada, e se se observou ou não o prazo de dez dias para sua consecução, pois, com a nova lei o ato interruptivo é apenas o despacho positivo da petição inicial. Dita regra encontra respaldo, no direito material, no Código Tributário Nacional, art. 174, parágrafo único, inc. I.

Outra regra importante da Lei nº 6.830 é a de seu art. 40, onde se dispõe que "o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrado seus bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição".

A polêmica sobre a imprescritibilidade, ou não, durante a suspensão indefinida do executivo fiscal sem penhora, foi finalmente superada pela Lei nº 11.051, de 30.12.2004, que acrescentouo§ 4º ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, com o seguinte teor: "se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato".

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Sobre a contagem do prazo da prescrição intercorrente, o STJ fixou o seguinte entendimento: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspendese o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição quinquenal intercorrente" (Súmula nº 314).6O juiz, entretanto, não decretará a extinção do executivo fiscal sem antes ouvir a Fazenda exequente, que poderá ter algum motivo legal para arguir contra a prescrição7.

Após o silêncio da credora ou diante da improcedência de seus argumentos é que a decretação da prescrição intercorrente se dará.

A imprescritibilidade de início projetada pelo legislador ordinário, felizmente, foi repelida pela jurisprudência, pelo menos nos termos absolutos que o texto legal sugeria originalmente8, e que afinal o próprio legislador corrigiu com a reforma do § 4º do art. 40.

513. Penhora

Poderá, nas execuções fiscais, recair a penhora em bens de terceiro, desde que, é claro, ofertados pelo legítimo dono e aceitos pela Fazenda Pública (art. 9º, nº IV).

É admissível, outrossim, a substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia (art. 9º, nº II), observadas as condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 9º,§ 5º).

Quando passível de registro, a penhora será inscrita por diligência do próprio Oficial de Justiça, com base em contrafé e cópia do termo ou auto de penhora, independentemente do...

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