Execução da sentença que condena ao cumprimento de obrigação de declarar vontade
Autor | Humberto theodoro júnior |
Ocupação do Autor | desembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito |
Páginas | 849-856 |
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As promessas de contratar, como as de declaração de vontade em geral, representam típicas obrigações de fazer. Durante muito tempo prevaleceu o entendimento de que o ato de vontade era personalíssimo (só o devedor podia prestá-lo), de modo que tais obrigações figurariam entre as infungíveis e só ensejariam perdas e danos quando descumpridas.
O Código de 1939, em boa hora, rompeu com a injustificada tradição e esposou tese contrária, isto é, no sentido da fungibilidade dessas prestações, admitindo o suprimento da declaração de vontade omitida por uma manifestação judicial equivalente (art. 1.006 e parágrafos).
Assentou-se, assim, o entendimento de que a infungibilidade das prestações de declaração de vontade até então proclamada era apenas jurídica e não essencial ou natural. Da mesma maneira como nas execuções de dívida de dinheiro o órgão judicial pode, contra a vontade do devedor, agredir o seu patrimônio e expropriar bens para satisfação coativa da prestação a que tem direito o credor, também é lógico que pode suprir a vontade do promitente e realizar o contrato de transferência dominial a que validamente se obrigou. Não há diferença essencial ou substancial entre as duas hipóteses de agressão ao patrimônio do executado para realizar a sanção a que se submeteu juridicamente.
A concordância do devedor, o seu ato de vontade, não é fato ausente das obrigações sob apreciação. Acontece que firmando o compromisso de contratar, sem a possibilidade de arrependimento, já houve a vontade indispensável para a vinculação do promitente. A execução, por isso, poderá prescindir de nova aquiescência do obrigado.
Do pré-contrato (promessa ou compromisso) nasce, portanto, ao credor o direito à conclusão do contrato principal. Se o devedor não cumpre a obrigação, será lícito ao credor obter uma condenação daquele a emitir a manifestação de vontade a que se
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obrigou, por meio de uma sentença que, uma vez transitada em julgado, produzirá os efeitos da declaração não emitida (NCPC, art. 501).1No Código de 1973, o art. 466-B era de mais largo alcance ainda, pois admitia que o pré-contrato, em determinadas condições, pudesse ser executado com a força do contrato definitivo, ocupando o seu lugar e gerando as consequências e obrigações que adviriam do negócio jurídico principal. Dava-se, então, a eficácia que só poderia existir se houvesse sido firmado o contrato principal prometido.
Isto seria viável quando inexistisse cláusula contratual em contrário e as condições do pré-contrato fossem suficientes para satisfazer as exigências e requisitos do contrato definitivo. Seria oneroso, em tais condições, exigir que primeiro se obtivesse uma sentença para suprir o contrato outorgado, e depois outra que condenasse o devedor à execução do mesmo contrato.
Daí dispor o art. 466-B que a sentença "produz o mesmo efeito do contrato a ser firmado", admitindo, dessa forma, a cumulação de duas ações e dando lugar a que o credor, numa só decisão, alcançasse o estabelecimento do vínculo contratual definitivo e a condenação do devedor à prestação do contrato como se já estivesse pactuado efetivamente entre os contraentes. Reconhecia-se, de tal sorte, que "as promessas de contratar são obrigativas desde logo, quanto ao objeto do contrato prometido, se se observarem quanto ao fundo e à forma os pressupostos que a lei exige ao contrato prometido".2Embora o antigo dispositivo não tenha sido reproduzido literalmente pela nova legislação, as situações do art. 466-B do CPC/73, são implicitamente abarcadas pelo art. 501 do Código novo, considerando que, mesmo na promessa de conclusão do contrato, o que se tem é a obrigação de se emitir uma declaração de vontade capaz de suprir a falta do contrato prometido. Logo, o artigo 501 resolve tais situações pré-contratuais. Mesmo porque, a lei material prevê, expressamente, essa possibilidade, ao dispor que, "esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação" (Cód. Civ., art. 464).
Tome-se, por exemplo, o caso de alguém prometer vender, sem possibilidade de arrependimento, um aparelho em vias de montagem, estipulando, desde logo, o prazo, o preço, a data de entrega e tudo mais que se requer para um contrato de compra e venda, ficando a assinatura do documento definitivo apenas na dependência da conclusão da montagem pelo promitente-vendedor. Uma vez concluída a obra por este, e havendo recusa de cumprimento do pré-contrato, o promissário não terá necessidade de obter primeiro a condenação de outorgar o contrato de compra e venda. Poderá, desde logo, obter a condenação a executar o contrato, como se já fora definitivamente estabelecido. Dá-se, no dizer de Pontes de Miranda, um "salto" que permite, no campo processual,
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e com base no pré-contrato, pedir-se "a condenação como se fosse pedida a prestação do contrato"3. Isto, naturalmente, só é possível se a prestação já se tornou exigível. "Se ainda há de correr prazo, óbvio que só se peça o contrato", "aguardando-se a expiração do prazo para cumprimento dele"4.
Há casos excepcionais em que a lei brasileira permite executar a obrigação de concluir contrato sem recorrer à sentença. É o que se passa com o compromisso de compra e venda de imóveis loteados, e com a promessa de contratar ou ceder tal compromisso, cujo cumprimento forçado é obtido com a intervenção apenas do Oficial do Registro de Imóveis, segundo procedimentos administrativos regulados pelos arts. 26 e 27 da Lei nº 6.766, de 19.12.1979: a) na primeira hipótese, bastará ao promissário exibir o compromisso de compra e venda acompanhado de comprovante de quitação do preço, para que o oficial lhe reconheça valor de título hábil para o registro definitivo da propriedade em favor do adquirente do lote (art. 26, § 6º); b) na segunda hipótese, o Oficial notificará o loteador para cumprir o negócio prometido (ou seja, outorgar o compromisso de venda do lote), e após o transcurso do prazo de 15 dias, sem impugnação, procederá ao registro do pré-contrato prometido (isto é, do compromisso de compra e venda), que passará a vigorar entre as partes segundo os termos do contrato padrão (art. 27, caput). Em ambos os casos, o alcance do contrato prometido pelo...
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