Execução para a entrega de coisa

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas305-324

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176. Conceito

A execução para a entrega de coisa corresponde às obrigações de dar em geral, sendo indiferente a natureza do direito a efetivar, que tanto pode ser real como pessoal.1No feito - contra o alienante (possuidor direto) - baseado numa escritura pública de aquisição de imóvel, com constituto possessório, devidamente assentada no Registro Imobiliário, o adquirente (possuidor indireto) que reclama a posse direta do bem retido injustamente pelo primeiro, ter-se-á uma execução lastreada em direito real. Já no caso de o comprador da coisa móvel que o vendedor não lhe entregou, a execução do contrato se referirá a um direito pessoal, já que o domínio só será adquirido pelo credor após a tradição. Ambas as hipóteses, no entanto, ensejarão oportunidade ao exercício da execução para entrega de coisa.2Numa visão civilista, antiga e ultrapassada, costumava-se atrelar a execução de entrega de coisa a algum direito real, de maneira que inexistindo alguma forma de domínio pleno ou limitado a ser exercido pela parte, descabida seria a pretensão executiva específica. Ter-se-ia de contentar, no caso de inadimplemento, com a reparação das perdas e danos3. A tutela jurisdicional moderna, todavia, encaminhou-se para o rumo da plena efetividade, qualquer que seja a modalidade de obrigação e qualquer que seja sua fonte. Assim, tanto para as obrigações de fazer ou não fazer, como para as de entrega de coisa, a previsão legal é de tutela específica (NCPC, arts. 497, 499, 500 e 498).4A conversão em perdas e danos é, em ambos os casos, excepcional e nunca será objeto de imposição autoritária do juiz ou de exigência unilateral do executado. Somente

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acontecerá quando o credor a requerer ou a tutela específica mostrar-se, in concreto, impossível (art. 499). Ao devedor somente caberá pleiteá-la, quando demonstrar, de forma efetiva, a impossibilidade de cumprir a entrega da coisa devida, nos termos das previsões de direito material (Cód. Civil, arts. 234 e 239).

Não importa, pois, que o direito do exequente oponível ao executado provenha de direito real ou pessoal, pois a execução dar-se-á do mesmo modo. Segundo Francesco Carnelutti, "enquanto o direito de crédito tenha por objeto, como se disse, uma species, não se apresenta nos atos executivos nenhuma diferença saliente entre o caso da simples execução (de um direito real) e o da expropriação (para um direito de crédito). A execução se efetua sempre tirando ao obrigado o bem que devia não tomar ou deixar tomar para consigná-la ao titular do direito".5Se o devedor descumpre a prestação de entrega de coisa, móvel ou imóvel, a execução forçada cumprir-se-á por meio de mandado, em favor do credor, de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme o caso (NCPC, art. 806, § 2º). Ocorre, entretanto, que o objeto da prestação, em tais obrigações, nem sempre vem completamente individuado. Por isso, o Código de 1973, no que foi repetido pelo NCPC, separou em seções distintas a execução da entrega de coisa certa (NCPC, arts. 806 a 810)6e a de coisa incerta (arts.811 a 813),7já que no último caso deve-se passar, preliminarmente, por uma fase de individualização das coisas indicadas no título executivo apenas pelo gênero e quantidade.

Compreende essa modalidade de execução forçada prestações que costumam ser classificadas em dar, prestar e restituir. Diz-se que a prestação é de dar quando incumbe ao devedor entregar o que não é seu, embora estivesse agindo como dono; de prestar, quando a entrega é de coisa feita pelo devedor, após a respectiva conclusão; e de restituir, quando o devedor tem a obrigação de devolver ao credor algo que recebeu deste para posse ou detenção temporária.8177. Entrega de coisa certa

A área de abrangência da execução forçada para entrega de coisa certa passou, nos últimos tempos, por marcantes modificações legais, sucessivamente adotadas, ao mesmo tempo em que o respectivo procedimento, antes único, adaptou-se ao propósito da busca da maior utilidade e eficácia, graças ao recurso de opções modernas recomendadas pela técnica das tutelas diferenciadas.

Tal como a definia o art. 621, do CPC/73, em sua redação primitiva, a execução para entrega de coisa certa tinha cabimento contra "quem for condenado a entregar

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coisa certa". Assim, inicialmente, para aquele código só era admissível essa modalidade de execução forçada nos casos de títulos executivos judiciais.

A Lei nº 8.953, de 13.12.94, no entanto, modificou o texto do art. 621, eliminando a referência que outrora limitava esse tipo de execução às sentenças condenatórias. De tal sorte, passou a ser cabível a execução de obrigação de dar coisa certa ou incerta tanto com base em título judicial como extrajudicial.

Finalmente, a Lei nº 10.444, de 07.05.2002, separou as execuções de títulos judiciais e extrajudiciais. Apenas para estas destinou a antiga ação executiva, nos moldes dos arts. 621 a 631, do Código de 1973. Para as sentenças condenatórias a entrega de coisa, o regime adotado era o da executio per officium iudicis. Não havia mais a ação de execução em sucessivo processo. O sistema era o da sentença executiva lato sensu, como já anteriormente se passava com as ações de despejo e com as possessórias. Ao julgamento do pleito seguia-se a expedição do mandado de entrega da coisa perseguida pelo autor, sem necessidade da abertura do processo de execução (art. 461-A, § 2º, do CPC/73, com a redação da Lei nº 10.444, de 07.05.2002). Esse regime executivo, enfim, foi mantido e generalizado pela Lei nº 11.232, de 22.12.05, que acrescentou ao Código de Processo Civil de 1973 a disciplina do "cumprimento de sentença" fora do campo da antiga actio iudicati, qualquer que fosse a prestação a cumprir de maneira forçada (art. 475-I). Reservou-se a ação executiva autônoma apenas para os títulos extrajudiciais.

O novo Código de Processo Civil manteve a distinção entre os dois regimes (título judicial e extrajudicial). Destinou, assim, um capítulo próprio para tratar do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação entregar coisa e outro para a execução de obrigação de entrega de coisa constante de título executivo extrajudicial. Em qualquer das duas modalidades de execução, porém, o objeto é a coisa certa, isto é, coisa específica ou individuada, que pode ser: a) imóvel (casas, terrenos, fazendas, etc.); ou b) móvel (joia, automóvel, etc.). Sendo incerta (determinada apenas pelo gênero), a coisa deverá, como visto anteriormente, sofrer especialização, observado o regramento próprio a ser examinado mais adiante, item 186.

178. Procedimento

A execução, sob a modalidade de ação autônoma, i. e., a velha actio iudicati (apoiada em título extrajudicial) inicia-se sempre por provocação do interessado, mediante petição inicial.

Deferida a petição, o devedor será citado para em quinze dias, satisfazer a obrigação, entregando a coisa prevista no título executivo (NCPC, art. 806).9

Enquanto o Código anterior previa a expedição de dois mandados ? um para a citação do devedor a entregar a coisa, e outro de apreensão caso a entrega voluntária

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não ocorresse ?, o novo Código simplifica o procedimento, determinando que um só mandado compreenda as duas diligências. De posse dele, o oficial procederá à citação e aguardará o transcurso dos quinze dias previstos no art. 806, caput. Se a entrega ou depósito se efetivou, completa estará a diligência a seu cargo; caso contrário, prosseguirá na busca do objeto da execução, sem depender de novo mandado. É assim que se deve interpretar o "cumprimento imediato" do mandado executivo, de que fala o § 2º, do art. 806.10.

Como o mandado de citação não retorna aos autos senão depois de ultrapassado o prazo de cumprimento pessoal da obrigação pelo executado, a contagem dos prazos de cumprimento da prestação devida e o de embargos à execução, se dará de forma diversa: (i) o de entrega voluntária (ato pessoal do executado) terá como ponto de partida o próprio ato de citação praticado pelo oficial de justiça; (ii) já o prazo para oferecimento de embargos pelo executado, por ser ato que depende da intermediação de representante judicial, começará a fluir, segundo a regra geral do Código, da data da juntada aos autos no mandado de citação (art. 915,11c/c 23112) e será de quinze dias úteis (art. 219), independentemente da segurança do juízo (art. 914).

Cumprida a citação, poderão ocorrer quatro situações distintas:

  1. Entrega da coisa: O devedor, acatando o pedido do credor, entrega-lhe a coisa devida. Lavra-se, então, o competente termo nos autos, dando-se por finda a execução (NCPC, art. 807).13Se houver sujeição, também, ao pagamento de frutos e ressarcimento de perdas e danos, o processo prosseguirá sob a forma de execução por quantia certa. Naturalmente, se o quantum for ilíquido, ter-se-á que proceder à prévia liquidação (arts. 509 a 512),14medida, porém, cabível em princípio apenas no procedimento de "cumprimento de sentença". Sendo o título extrajudicial, não deveria haver o incidente de liquidação. A obrigação ilíquida, segundo o próprio título, é inexequível (art. 783),15e terá de passar, previamente, por acertamento judicial em processo de conhecimento pelas vias ordinárias. Ressalva-se, contudo, o cabimento de liquidação de título extrajudicial, quando este é líquido quanto à coisa devida, e por ato do devedor o objeto da obrigação foi desviado ou consumido. Nesse caso, o Código abre uma exceção e permite a liquidação de seu valor e dos prejuízos sofridos pelo credor em simples petição, nos termos dos...

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