A execução fiscal judicial em crise: a desjudicialização em busca da eficiência da cobrança dos créditos fiscais
Autor | Marco Antonio Rodrigues e Rodrigo Vieira Farias |
Páginas | 461-480 |
A EXECUÇÃO FISCAL JUDICIAL EM CRISE:
A DESJUDICIALIZAÇÃO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA
DA COBRANÇA DOS CRÉDITOS FISCAIS
Marco Antonio Rodrigues
Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Público e Doutor em
Direito Processual pela UERJ. Professor-Associado de Direito Processual Civil da Facul-
dade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de cursos
de pós-graduação em Direito pelo Brasil. Master of Laws pela King´s College London.
Membro da International Association of Procedural Law, do Instituto Iberoamericano de
Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Instituto Português
de Processo Civil. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Autor de livros e
artigos jurídicos. Membro do Conselho Editorial de revistas jurídicas.
Rodrigo Vieira Farias
Mestrando em Direito Processual pela UERJ. Graduado em Direito Processual pela
UERJ. Professor conteudista de Direito Processual Civil na Universidade Estácio de
Sá e na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assessor no Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro. Advogado.
1. INTRODUÇÃO
Segundo dados do “Relatório Justiça em Números 2020”, elaborado pelo
Conselho Nacional de Justiça, o Brasil finalizou o ano de 2019 com 77,1 milhões
de processo em curso. Desse total, as execuções fiscais representam 39% do total de
casos pendentes e 70% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de
congestionamento de 87%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que
Além da enorme carga de trabalho que as execuções fiscais produzem sobre o
Poder Judiciário, o que se verifica é o reduzido custo-benefício que possuem: somente
na Justiça Federal, segundo dados do ano de 2012, o custo médio total provável de
tramitação de um processo de execução fiscal é de cerca de R$ 4.685,39, sendo certo
que somente 2,6% das ações de execução fiscal resultam em algum leilão judicial,
com ou sem êxito. Do total de processos, em apenas 0,2% dos casos o pregão gera
recursos suficientes para satisfazer o débito, enquanto a adjudicação dos bens do
executado extingue a dívida em 0,3% dos casos2.
1. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2020. Disponível em: https://www.
cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-
-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.
2. INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS APLICADAS – IPEA. Custo Unitário do Processo de Execução
Fiscal na Justiça Federal. Brasília: 2011, p. 19. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstre-
am/11058/7862/1/RP_Custo_2012.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.
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O cenário é desastroso: o Estado-Administração é, hoje, o maior cliente do
Estado-Juiz. A execução fiscal pela via judicial vem se revelando inefetiva e custosa,
com baixíssima probabilidade de êxito, mormente em relação aos créditos de menor
valor, bem como enseja a alocação de recursos do Poder Judiciário – financeiros,
humanos, materiais etc. – que poderiam ser mais bem empregados para reduzir o
estoque de litigiosidade em outras áreas de atuação da justiça.
A despeito de algumas tentativas pontuais levadas a cabo nos últimos anos com
vistas a diminuir a pressão que o executivo fiscal produz sobre o Poder Judiciário e
aumentar sua efetividade, tais como a previsão expressa a possibilitar o protesto de
certidões de dívida ativa3, o eventual condicionamento do ajuizamento de execuções
fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedo-
res ou corresponsáveis4, dentre outros, o quadro fático ainda se apresenta bastante
negativo em desfavor do Fisco.
Uma das propostas que assumiu maior destaque neste contexto é a de instituição
da execução fiscal administrativa, constante do Projeto de Lei 4.257 de 2019. Em li-
nhas gerais, a proposta busca retirar da via judicial o impulsionamento das execuções
fiscais, colocando-a a cargo do Fisco, a ser realizada pela via extrajudicial. O objetivo
deste estudo, com efeito, é debater de que forma a execução fiscal administrativa
pode ocorrer e tentar ampliar a eficiência da recuperação de créditos, tomando como
ponto de partida, exatamente, o Projeto de Lei 4.257 de 2019.
O artigo é dividido em duas partes. Na primeira, o objetivo é explorar o conceito
de desjudicialização e de que forma o processo civil vem a admitindo ao longo dos
últimos anos. Na segunda, o foco está no Projeto de Lei 4.257 de 2019, em especial,
para tratar de que forma se pretende que a instituição da execução fiscal desjudicia-
lizada seja instituída.
2. A DESJUDICIALIZAÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: NOÇÕES
GERAIS
No modelo clássico de tripartição de poderes, o exercício da atividade jurisdi-
cional foi conferido ao Poder Judiciário, o qual seria responsável por aplicar o Direito
criado pelo Poder Legislativo. Ao Poder Executivo caberia a tarefa de administrar,
limitado pelas leis criadas pelo parlamento, somente podendo agir conforme o que
a lei autoriza, como preconizado pelo princípio da legalidade5.
Sob este prisma, que tem origem no reconhecimento da força normativa da
Constituição, a lei em sentido formal passa a integrar um bloco normativo, que tem
3. Prevista no artigo 1º, Parágrafo Único, da Lei 9.492 de 1997. O protesto de CDA será visto mais detalhada-
mente na sequência.
5. Sobre a mutação da legalidade em juridicidade, confira-se: RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos.
Constituição e administração pública: definindo novos contornos à legalidade administrativa e ao poder
regulamentar. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 96.
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