Execução de ofício: do fim ao recomeço

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas495-502

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1. Introdução

A Lei n. 13.467/2017 deu nova redação ao art. 878 da CLT, que trata da iniciativa do processo de execução trabalhista, restringindo a atuação de ofício do juiz aos processos em que a parte não esteja representada por advogado.

O tema interessa muito ao processo do trabalho, tendo em vista que a fase de execução equivale à concretização da tutela jurisdicional e, não obstante isso, é a mais congestionada do processo do trabalho.2

A restrição imposta tem consequências teóricas e práticas, já que os limites do poder/dever do juiz são determinantes para a observância do devido processo legal – sem o que o processo será nulo –, ao mesmo tempo em que a prática tem demonstrado que o sucesso da execução depende muito da atuação judicial.

O objetivo do artigo é, pois, compreender os efeitos da Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista) na execução trabalhista de ofício, por meio da linha jurídico-teórica de pesquisa, com a abordagem dos aspectos conceitual e prático do tema, bem como o método de investigação hipotético-dedutivo.

Foi utilizado o termo processo de execução, em vez de fase de execução, para que o estudo não ficasse restrito aos títulos executivos judiciais.

Muitos dos conceitos operacionais utilizados estão embasados em textos e pesquisas já publicados pelo autor, principalmente na obra Lições de Direito Processual do Trabalho – teoria e prática (2017), de maneira que o compromisso de ineditismo está restrito às reflexões e conclusões apresentadas.

O artigo se inicia, apresentando a alteração legislativa realizada no art. 878 da CLT, avança com a exposição da argumentação teórica e se encerra, mostrando um extrato das reflexões do autor.

2. A Lei n 13.467/2017 e o fim da execução de ofício

Antes da Lei n. 13.467/2017, o art. 878 da CLT estabelecia que “a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.”

O citado dispositivo estabelecia o regime da execução de ofício no processo do trabalho, o qual atribuía ao juízo o ofício de mover a execução, independentemente da manifestação dos interessados, com a finalidade de garantir a autoridade do provimento jurisdicional que determinasse a satisfação do crédito trabalhista reconhecido no respectivo título executivo judicial (decisão judicial ou acordos homologados), relativamente a todas as matérias de sua competência (ZEDES, 2017, p. 183). É bem por isso que, a nosso ver, muito embora a CLT não dissesse expressamente, a execução provisória 3 e a de títulos executivos extrajudiciais não se beneficiavam desse regime, sob pena de risco de afronta ao dever de imparcialidade do Juiz,4 o que, todavia, ia de encontro à jurisprudência do C. TST, que vinha se inclinando pela aplicação indistinta da execução de ofício a todos os títulos executivos.5

Com efeito, o princípio da execução de ofício não se confunde com o do impulso oficial. Naquela, o juízo tem o poder/dever de quebrar a inércia da jurisdição,6para dar início e ordenar a prática de todos os atos necessários para satisfazer o direito reconhecido no título executivo (ALMEIDA, 2016, f. 88), enquanto que, neste, o juiz, uma vez quebrada a inércia pela parte, apenas ordena a prática dos atos destinados à prestação jurisdicional.

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O impulso oficial está calcado no interesse do Estado na solução do conflito (TEIXEIRA FILHO, 2009, p. 61), de forma justa (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 26) e com duração razoável (GRECO, 2008, p. 56). Ele é, pois, um princípio comum ao Processo Civil e ao Processo do Trabalho; mas a iniciativa ex officio da execução só ocorre neste. Ela é mais vigorosa do que o mero impulso, uma vez que atribui ao Juiz a legitimidade para dar início aos atos durante o processo de execução. Imagine-se, por exemplo, que o credor requeira a penhora de um veículo. O impulso oficial determina que o Juiz expeça o respectivo mandado. Se o veículo não for encontrado, o mesmo princípio criaria o dever de abrir vista ao exequente, para manifestação. Isso é o que ocorre no Processo Civil. No Processo do Trabalho, nada impede que o Juiz, após receber o pedido de penhora de veículo, determine a penhora on-line de dinheiro, pelo sistema Bacenjud, considerando a sua maior liquidez e preferência (art. 882 da CLT c/c art. 835 do CPC de 2015), para só depois apreciar o requerimento de penhora do bem ali indicado.

A execução de ofício está prevista na CLT desde sua edição, em 1943, tratando-se de um dos princípios que mais diferenciam a execução trabalhista da execução do processo civil comum (do CPC). E assim o é também em outros ordenamentos jurídicos especializados, como é o caso do argentino – cuja Lei de Organização e Procedimento Laboral (Ley n. 18.345) estabelece, no art. 132, o início da execução por meio da ordem para liquidação do crédito, com a consequente intimação do devedor para pagamento, o que atribui ao juiz do trabalho um papel ativo (POSE, 2010, p. 118) – e do chileno, no art. 429 da lei processual (FUENZALIDA, 2010, p. 22).

Todavia, a Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista) modifica esse princípio, fazendo com que a execução de ofício fique restrita à hipótese em que as partes não tiverem advogado:

Art. 878. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado. (NR)

Trata-se de alteração que, no nosso sentir, colocará em cheque a efetividade da execução trabalhista e a própria identidade do processo do trabalho, pois a execução trabalhista, que já é dificultosa, poderá se tornar ainda mais demorada e menos efetiva.

É possível que a alteração ainda gere efeitos negativos sobre o papel do advogado, porque o processo sem esse profissional, que é essencial à Justiça (art. 133 da CF), pode acabar ficando mais rápido, gerando um contrassenso.

Mas não se pode olvidar que a lei é apenas um elemento da norma. Para incidir no caso concreto, a norma precisa ter eficácia, ser interpretada e, eventualmente, integrada por outra norma jurídica. Por isso é que se diz que, em verdade, a norma jurídica só se manifesta como tal após esse percurso, de maneira que o texto escrito de uma lei, v. g., é apenas um conjunto de palavras até que interpretação revele sua natureza de norma:

A partir da separação neoconstitucionalista entre texto e norma, percebeu-se que o texto legislativo não esgota a produção do direito. A lei é texto. Como texto, deve ser submetida à interpretação para que dele se extraia a norma regulamentadora da atividade social. O texto legal é um ponto de partida para a solução dos casos concretos. A jurisdição é criada porque, partindo do substrato linguístico da lei, constrói os significados possíveis através da atividade interpretativa, à luz das peculiaridades do caso concreto. O produto dessa interpretação é a norma jurídica reguladora do caso. Mas o modelo constitucional de processo promete, além do contraditório e da ampla defesa, a segurança e a isonomia: casos semelhantes devem ser decididos segundo a mesma interpretação do direito. Para tanto, a nova codificação aposta nos precedentes obrigatórios. O precedente é uma norma jurídica geral, produzida a partir de um caso concreto, para regular casos futuros que se incluam na mesma moldura normativa. (ATAÍDE JÚNIOR, 2016, p. 13).

Analisando os mitos do processo, José Carlos Barbosa Moreira faz referência ao mito da onipotência da norma (ou vale o escrito), dele dizendo o seguinte:

Cumpre renunciar à ilusão de que a vida da norma termina no momento em que começa a viger, e daí por diante já não precisamos interessar-nos pelo respectivo destino. Muito ao contrário: nesse preciso momento é que se inicia a sua verdadeira vida – e é a partir daí que ela demanda nossa maior atenção. Aí nem sempre ‘vale o escrito’, como no jogo inventado pelo Barão de Drummond e habitualmente praticado por senhoras de moral acima de qualquer suspeita, embora incluído na lista das contravenções penais. (MOREIRA, 2000, p. 150).

Assim é que, muito embora a Lei n. 13.467/2017 estabeleça o fim da execução de ofício, a interpretação pode lhe atribuir um recomeço no processo de revelação da norma jurídica.

3. O recomeço

Para ser aplicada, a lei processual trabalhista deve ser previamente interpretada, processo que exige esforço intelectual (e não mecânico ou mecatrônico), para ter definida sua extensão, delimitando em quais casos ela será ou não eficaz. Essa tarefa é, primordialmente, exercida pelo juiz, mas não é dele privativa (senão a que consta da decisão judicial), uma vez que as partes e todos aqueles que participam do processo podem e devem interpretar a norma.

A interpretação é regida por princípios e realizada por métodos.

O princípio mais importante da interpretação da norma processual é o da conformidade com a Constituição: toda e

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qualquer interpretação deve partir da Constituição para a norma processual e não o contrário (art. 1º, do CPC de 2015, c/c art. 769 da CLT). É preciso, portanto, que o intérprete conheça bem o texto, os princípios e a ideologia constitucional, para só então aventurar-se a interpretar a lei processual.

A interpretação é uma atividade e, como tal, acontece por meio de métodos. A doutrina clássica de Savigny aponta quatro grandes métodos, que são o gramatical, o histórico, o teleológico e o sistemático, os quais devem ser utilizados em conjunto.

A interpretação gramatical do art. 878 da CLT, com a novel redação dada pela Lei n. 13.467/2017, é pelo fim da execução de ofício do crédito trabalhista, salvo...

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