Execução por quantia certa: depósito e administração dos bens penhorados
Autor | Humberto theodoro júnior |
Ocupação do Autor | desembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito |
Páginas | 471-487 |
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Nosso Código considera feita a penhora "mediante a apreensão e o depósito dos bens" (NCPC, art. 839).1Como ensina Satta, o ato da penhora, formalmente, compõe-se da procura e escolha do bem a penhorar, bem como de sua efetiva apreensão. Materialmente, porém, consiste na subtração do bem apreendido à administração do devedor, mercê da entrega a um depositário.2Assim, usa a lei de dois expedientes para assegurar a conservação da coisa penhorada: juridicamente torna ineficaz as transferências dominiais do devedor sobre a coisa; e, fisicamente, submete a mesma coisa a uma custódia obrigatória, "depósito esse que pode ser atribuído a um terceiro, ao próprio credor, ou também ao devedor, mas que, em qualquer caso, investe o sujeito de particulares poderes (de caráter público), que o colocam junto ao juiz, como seu auxiliar".3Implica a penhora, destarte, a retirada dos bens da posse direta do executado, o que faz do depósito um elemento constitutivo essencial do ato, que, imediatamente, deve ser documentado num auto, com os requisitos do art. 838.4Esse auto de penhora e depósito é uno e também exerce relevante função no processo executivo, sendo mesmo considerado "elemento essencial de formalização de penhora".5"Se houve a penhora e o depositário não assinou o auto de penhora, penhora não houve".6
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Convém ressaltar que a regra é aplicável, com todo rigor, à penhora das coisas corpóreas, em relação às quais o risco físico de consumação ou desvio é real e muito grande.
Não tem aplicação significativa a figura do depósito em caso de bens incorpóreos como direitos e ações, mormente quando a penhora se cumpre por meio de averbação no rosto dos autos. Uma simples certidão do escrivão do feito é o suficiente para aperfeiçoamento do ato executivo (art. 860).7Da mesma forma, a penhora sobre crédito do executado junto a terceiro realiza-se por meio de intimação ao devedor para não satisfazer a obrigação senão por ordem judicial (art. 855, nº I).8Feita a intimação, independentemente de recibo ou termo de depósito, o executado passa a ser considerado automaticamente como depositário judicial da quantia devida, por força da própria lei. Não lhe cabe evitar esse encargo, recusando-se a firmar compromisso de depositário. Sua situação jurídica não muda pela falta de tal termo.
A irrelevância da omissão do comprometimento de depositário, nota-se também na penhora de imóvel ou de veículos automotores feita à luz dos dados extraídos da matrícula no registro competente, em que o § 1º do art. 845 atribui ao proprietário o respectivo depósito, mesmo sem sua presença ao termo lavrado pelo escrivão. Mais uma vez se está diante de depósito legal e não voluntário (ver, retro, o Cap. nº IX).
Mas, fora esses casos excepcionais, as demais hipóteses que envolvem apreensão física das coisas penhoradas, a essencialidade do depósito à ordem judicial é irrecusável e sua prática tem de respeitar os ditames do art. 838.
A exigência dos requisitos do art. 838 tem o importante significado de fazer atuar as seguintes funções que são próprias da penhora: "pela data, tem-se elemento determinante da prioridade; pelos nomes das partes, a identificação subjetiva da relação jurídica ajuizada; pela descrição dos bens, a determinação da responsabilidade, in casu; pela nomeação do depositário, a segurança da conservação e oportuna entrega, segundo o eventus do processo".9287. Nomeação do depositário
A nomeação do depositário é ato que integra o cumprimento do mandado executivo. Cabe, pois, em princípio, ao próprio oficial de justiça escolher o depositário e atribuir-lhe o encargo judicial, mediante assinatura do termo de depósito, que integra o auto de penhora.
A escolha do depositário, no Código anterior, recaía normalmente sobre a pessoa do executado, e somente em caso de discordância do exequente é que se confiavam os bens penhorados a outro depositário, conforme dispunha o caput do art. 666, do CPC/73, em seu texto primitivo.
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Atualmente, não há mais a preferência genérica em favor do executado (isto é, do dono dos bens penhorados). O encargo de depositário somente por exceção ser-lhe-á atribuído. A regra geral é o deslocamento do bem penhorado para a guarda de outrem.
Em três situações excepcionais o executado assumirá o encargo, segundo a previsão do art. 840, do NCPC:10a) quando for penhorado imóvel rural, direito aquisitivo sobre imóvel rural, máquinas, utensílios e instrumentos necessários ou úteis à atividade agrícola.11Nesta hipótese, será necessária a prestação de caução idônea (art. 840, III);
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quando houver expressa anuência do exequente, qualquer que seja o bem penhorado; de modo que não é mais a impugnação de exequente que afasta o executado da função de depositário, mas é a liberdade do credor que permite, eventualmente, assunção do encargo processual pelo devedor (art. 840, § 2º);
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serão mantidos em poder do executado (que assumirá o encargo de depositário), os bens penhorados que forem de difícil remoção (v.g., maquinário industrial instalado e em funcionamento na fábrica ou estabelecimento do devedor) (art. 840, § 2º).12288. Depósito dos bens móveis, semoventes, imóveis urbanos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos
Dispõe o inciso II, do art. 840, do NCPC que os bens móveis, semoventes, imóveis urbanos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos serão depositados em poder do depositário judicial.13Entretanto, excepcionalmente, não havendo depositário judicial, os bens ficarão em poder do exequente (§ 1º). Assim, a regra é a nomeação de um depositário judicial.
O novo Código adotou, destarte, orientação um pouco diversa da legislação anterior. Isto porque entre os bens que normalmente se conservavam com o executado, destacavam-se os imóveis, que não corriam risco algum de desvio e, de ordinário, não reclamavam guarda por terceiro, tornando a medida desnecessariamente onerosa para o executado. Justificava-se tal sistemática com o argumento de que a constituição de um terceiro como depositário, sem maior utilidade para o processo, aumentaria seu custo, contrariando o princípio de que, sempre que possível, a execução deve realizar-se pela forma menos gravosa para o devedor (NCPC, art. 805).
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Por isso, em relação aos imóveis em geral, mandava a regra especial do art. 659, § 5º, do CPC/73, que a penhora, após o respectivo termo, fosse intimada ao executado, ficando este, por força do ato processual, constituído depositário. Quer isto dizer que o devedor, in casu, recebia o encargo de depositário ex vi legis. Era um depositário legal, independentemente de compromisso formal e expresso. O sistema era, como se vê, muito simples e econômico. Sem embargo disso, a norma, como antes se afirmou, foi alterada pelo NCPC. Atualmente, o imóvel ficará depositado em poder do depositário judicial e, não o havendo, em poder do exequente. O executado, destarte, não é mais depositário de seus bens imóveis, a não ser no caso dos imóveis rurais (art. 840, III).
Nada impede, porém, que o exequente, em nome da economia processual, concorde em que o depósito do imóvel seja confiado ao executado que já detém a respectiva posse. É uma solução de bom senso, que a lei não veda e, ao contrário, autoriza (art. 840, § 2º)14.
Por outro lado, quando o art. 840, II, fala em confiar ao depositário judicial "os direitos aquisitos sobre imóvel", não está se referindo ao direito real propriamente dito - pois direito como ente abstrato não se deposita -, mas ao imóvel objeto do referido direito.
O depósito do dinheiro penhorado em mãos do executado faz-se, preferencialmente, em estabelecimento oficial de crédito.
No caso, porém, de dinheiro em depósito bancário ou objeto de aplicação financeira, não cabe o deslocamento do numerário para outra instituição de crédito, mesmo não sendo oficial o estabelecimento que o tem em seu poder. A penhora se faz, in casu, mediante bloqueio junto ao Banco Central, com notificação à instituição competente, a qual responderá, daí em diante, perante o juízo da execução como depositária judicial da soma penhorada.15Mas, a soma penhorada será transferida para conta especial, vinculada ao juízo da execução (art. 854, § 5º).
Exige o § 3º do art. 840, do NCPC16que o depósito de joias, pedras e objetos preciosos, quando penhorados (caso em que serão recolhidos em estabelecimentos
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bancários, de preferência oficiais), se faça necessariamente "com registro do valor estimado de resgate".
Assim, a qualquer tempo, será facilitada a liberação dos bens preciosos, mediante sub-rogação da penhora no numerário que vier a ser utilizado no respectivo resgate. Fixado previamente o valor de resgate, evitar-se-ão controvérsias ao tempo da liberação, e a liquidez da execução será maior.
Dada a finalidade da penhora, que é a de determinar o bem sobre o qual se realizará a expropriação, sujeitando-o à execução forçada, o depositário, como responsável pela sua conservação, assume posição de "figura essencial da penhora".17Sua função no processo é a de "auxiliar da justiça" (NCPC, art. 159).18"O ato executivo do depósito não se confunde com o depósito convencional regulado no direito privado. O depósito de bem penhorado é de direito processual".19"As funções do depositário, por isso mesmo, são de direito público. Ele é a longa manus do juízo da execução, seu auxiliar e órgão do processo executivo, com poderes e deveres próprios no...
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