Execução por quantia certa: depósito e administração dos bens penhorados

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas471-487

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286. Depósito dos bens penhorados

Nosso Código considera feita a penhora "mediante a apreensão e o depósito dos bens" (NCPC, art. 839).1Como ensina Satta, o ato da penhora, formalmente, compõe-se da procura e escolha do bem a penhorar, bem como de sua efetiva apreensão. Materialmente, porém, consiste na subtração do bem apreendido à administração do devedor, mercê da entrega a um depositário.2Assim, usa a lei de dois expedientes para assegurar a conservação da coisa penhorada: juridicamente torna ineficaz as transferências dominiais do devedor sobre a coisa; e, fisicamente, submete a mesma coisa a uma custódia obrigatória, "depósito esse que pode ser atribuído a um terceiro, ao próprio credor, ou também ao devedor, mas que, em qualquer caso, investe o sujeito de particulares poderes (de caráter público), que o colocam junto ao juiz, como seu auxiliar".3Implica a penhora, destarte, a retirada dos bens da posse direta do executado, o que faz do depósito um elemento constitutivo essencial do ato, que, imediatamente, deve ser documentado num auto, com os requisitos do art. 838.4Esse auto de penhora e depósito é uno e também exerce relevante função no processo executivo, sendo mesmo considerado "elemento essencial de formalização de penhora".5"Se houve a penhora e o depositário não assinou o auto de penhora, penhora não houve".6

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Convém ressaltar que a regra é aplicável, com todo rigor, à penhora das coisas corpóreas, em relação às quais o risco físico de consumação ou desvio é real e muito grande.

Não tem aplicação significativa a figura do depósito em caso de bens incorpóreos como direitos e ações, mormente quando a penhora se cumpre por meio de averbação no rosto dos autos. Uma simples certidão do escrivão do feito é o suficiente para aperfeiçoamento do ato executivo (art. 860).7Da mesma forma, a penhora sobre crédito do executado junto a terceiro realiza-se por meio de intimação ao devedor para não satisfazer a obrigação senão por ordem judicial (art. 855, nº I).8Feita a intimação, independentemente de recibo ou termo de depósito, o executado passa a ser considerado automaticamente como depositário judicial da quantia devida, por força da própria lei. Não lhe cabe evitar esse encargo, recusando-se a firmar compromisso de depositário. Sua situação jurídica não muda pela falta de tal termo.

A irrelevância da omissão do comprometimento de depositário, nota-se também na penhora de imóvel ou de veículos automotores feita à luz dos dados extraídos da matrícula no registro competente, em que o § 1º do art. 845 atribui ao proprietário o respectivo depósito, mesmo sem sua presença ao termo lavrado pelo escrivão. Mais uma vez se está diante de depósito legal e não voluntário (ver, retro, o Cap. nº IX).

Mas, fora esses casos excepcionais, as demais hipóteses que envolvem apreensão física das coisas penhoradas, a essencialidade do depósito à ordem judicial é irrecusável e sua prática tem de respeitar os ditames do art. 838.

A exigência dos requisitos do art. 838 tem o importante significado de fazer atuar as seguintes funções que são próprias da penhora: "pela data, tem-se elemento determinante da prioridade; pelos nomes das partes, a identificação subjetiva da relação jurídica ajuizada; pela descrição dos bens, a determinação da responsabilidade, in casu; pela nomeação do depositário, a segurança da conservação e oportuna entrega, segundo o eventus do processo".9287. Nomeação do depositário

A nomeação do depositário é ato que integra o cumprimento do mandado executivo. Cabe, pois, em princípio, ao próprio oficial de justiça escolher o depositário e atribuir-lhe o encargo judicial, mediante assinatura do termo de depósito, que integra o auto de penhora.

A escolha do depositário, no Código anterior, recaía normalmente sobre a pessoa do executado, e somente em caso de discordância do exequente é que se confiavam os bens penhorados a outro depositário, conforme dispunha o caput do art. 666, do CPC/73, em seu texto primitivo.

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Atualmente, não há mais a preferência genérica em favor do executado (isto é, do dono dos bens penhorados). O encargo de depositário somente por exceção ser-lhe-á atribuído. A regra geral é o deslocamento do bem penhorado para a guarda de outrem.

Em três situações excepcionais o executado assumirá o encargo, segundo a previsão do art. 840, do NCPC:10a) quando for penhorado imóvel rural, direito aquisitivo sobre imóvel rural, máquinas, utensílios e instrumentos necessários ou úteis à atividade agrícola.11Nesta hipótese, será necessária a prestação de caução idônea (art. 840, III);

  1. quando houver expressa anuência do exequente, qualquer que seja o bem penhorado; de modo que não é mais a impugnação de exequente que afasta o executado da função de depositário, mas é a liberdade do credor que permite, eventualmente, assunção do encargo processual pelo devedor (art. 840, § 2º);

  2. serão mantidos em poder do executado (que assumirá o encargo de depositário), os bens penhorados que forem de difícil remoção (v.g., maquinário industrial instalado e em funcionamento na fábrica ou estabelecimento do devedor) (art. 840, § 2º).12288. Depósito dos bens móveis, semoventes, imóveis urbanos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos

Dispõe o inciso II, do art. 840, do NCPC que os bens móveis, semoventes, imóveis urbanos e direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos serão depositados em poder do depositário judicial.13Entretanto, excepcionalmente, não havendo depositário judicial, os bens ficarão em poder do exequente (§ 1º). Assim, a regra é a nomeação de um depositário judicial.

O novo Código adotou, destarte, orientação um pouco diversa da legislação anterior. Isto porque entre os bens que normalmente se conservavam com o executado, destacavam-se os imóveis, que não corriam risco algum de desvio e, de ordinário, não reclamavam guarda por terceiro, tornando a medida desnecessariamente onerosa para o executado. Justificava-se tal sistemática com o argumento de que a constituição de um terceiro como depositário, sem maior utilidade para o processo, aumentaria seu custo, contrariando o princípio de que, sempre que possível, a execução deve realizar-se pela forma menos gravosa para o devedor (NCPC, art. 805).

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Por isso, em relação aos imóveis em geral, mandava a regra especial do art. 659, § 5º, do CPC/73, que a penhora, após o respectivo termo, fosse intimada ao executado, ficando este, por força do ato processual, constituído depositário. Quer isto dizer que o devedor, in casu, recebia o encargo de depositário ex vi legis. Era um depositário legal, independentemente de compromisso formal e expresso. O sistema era, como se vê, muito simples e econômico. Sem embargo disso, a norma, como antes se afirmou, foi alterada pelo NCPC. Atualmente, o imóvel ficará depositado em poder do depositário judicial e, não o havendo, em poder do exequente. O executado, destarte, não é mais depositário de seus bens imóveis, a não ser no caso dos imóveis rurais (art. 840, III).

Nada impede, porém, que o exequente, em nome da economia processual, concorde em que o depósito do imóvel seja confiado ao executado que já detém a respectiva posse. É uma solução de bom senso, que a lei não veda e, ao contrário, autoriza (art. 840, § 2º)14.

Por outro lado, quando o art. 840, II, fala em confiar ao depositário judicial "os direitos aquisitos sobre imóvel", não está se referindo ao direito real propriamente dito - pois direito como ente abstrato não se deposita -, mas ao imóvel objeto do referido direito.

289. Depósito no caso de saldo bancário ou aplicação financeira

O depósito do dinheiro penhorado em mãos do executado faz-se, preferencialmente, em estabelecimento oficial de crédito.

No caso, porém, de dinheiro em depósito bancário ou objeto de aplicação financeira, não cabe o deslocamento do numerário para outra instituição de crédito, mesmo não sendo oficial o estabelecimento que o tem em seu poder. A penhora se faz, in casu, mediante bloqueio junto ao Banco Central, com notificação à instituição competente, a qual responderá, daí em diante, perante o juízo da execução como depositária judicial da soma penhorada.15Mas, a soma penhorada será transferida para conta especial, vinculada ao juízo da execução (art. 854, § 5º).

290. Depósito em caso de penhora sobre joias, pedras e objetos preciosos

Exige o § 3º do art. 840, do NCPC16que o depósito de joias, pedras e objetos preciosos, quando penhorados (caso em que serão recolhidos em estabelecimentos

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bancários, de preferência oficiais), se faça necessariamente "com registro do valor estimado de resgate".

Assim, a qualquer tempo, será facilitada a liberação dos bens preciosos, mediante sub-rogação da penhora no numerário que vier a ser utilizado no respectivo resgate. Fixado previamente o valor de resgate, evitar-se-ão controvérsias ao tempo da liberação, e a liquidez da execução será maior.

291. Função do depositário

Dada a finalidade da penhora, que é a de determinar o bem sobre o qual se realizará a expropriação, sujeitando-o à execução forçada, o depositário, como responsável pela sua conservação, assume posição de "figura essencial da penhora".17Sua função no processo é a de "auxiliar da justiça" (NCPC, art. 159).18"O ato executivo do depósito não se confunde com o depósito convencional regulado no direito privado. O depósito de bem penhorado é de direito processual".19"As funções do depositário, por isso mesmo, são de direito público. Ele é a longa manus do juízo da execução, seu auxiliar e órgão do processo executivo, com poderes e deveres próprios no...

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