Execução por quantia certa contra o devedor solvente: generalidades

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas345-356

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207. Introdução

Tal como se passou com as obrigações de fazer, ou não fazer e de entrega de coisa, também o regime executivo do Livro II do novo Código traçado para as obrigações de quantia certa ficou restrito à execução forçada dos títulos extrajudiciais. As sentenças que imponham pagamento em dinheiro não mais se executam nos padrões da ação executiva separada ou autônoma. Seu cumprimento, após a vigência da Lei nº 11.232/2005, segue as regras do incidente de cumprimento de sentença, disciplinado pelos arts. 520 a 527, do NCPC.1Aplicam-se, entretanto, ao cumprimento da sentença, em caráter subsidiário, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial, no que couber (art. 771).2A Lei nº 11.382/2006, à época do CPC/73, completou a reforma da execução forçada civil, por meio de uma remodelação do Livro II, daquele CPC, visando simplificar e agilizar, também, as execuções dos títulos extrajudiciais. Foi, porém, na execução por quantia certa que, nessa segunda etapa da modernização das vias executivas, se concentraram as maiores inovações, que foram posteriormente mantidas pelo CPC de 2015.

À guisa de exemplos, podem-se citar algumas medidas, de alto impacto prático engendradas pela Lei nº 11.382, como a outorga de poderes ao exequente para indicar, já na petição inicial, os bens a penhorar (art. 652, § 3º, CPC/73; NCPC, art. 829, § 2º) e para matar o processo no nascedouro, por meio da adjudicação dos bens penhorados, sem necessidade de conduzir a execução até hasta pública (art. 685-A, CPC/73; NCPC, art. 876); a possibilidade de o próprio exequente diligenciar a alienação dos bens penhorados, promovendo-a particularmente, por si mesmo ou com o concurso de corretor (art. 685-C, CPC/73; NCPC, art. 880) se não lhe convier adjudicá-los. Tal

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opção, também, pode ser tomada no início do processo, sem depender do complicado e ineficiente procedimento da hasta pública. Os embargos do devedor, por outro lado, perderam a força de instrumento que o executado malicioso usava para tumultuar a execução e procrastinar os atos de expropriação e satisfação, pois agora não dependem da solução prévia das questões em torno da nomeação de bens à penhora; devem ser propostos logo nos quinze dias que se seguem à citação (art. 738, CPC/73; NCPC, art. 915), haja ou não penhora (art. 736, CPC/73; NCPC, art. 914); e não têm, de ordinário efeito suspensivo (art. 739-A, CPC/73; NCPC, art. 919).

Outras inovações relevantes foram introduzidas na disciplina da penhorabilidade e da impenhorabilidade (arts. 649, 655, 655-A, 655-B, do CPC/73; NCPC, arts. 833, 835, 854 e 843) e da repressão à fraude e à litigância de má-fé (art. 656, § 1º CPC/73; NCPC, art. 847, § 2º), bem como no incidente da substituição da penhora (arts. 656 e 668, do CPC/73; NCPC, arts. 848 e 847).

208. Execução por quantia certa como forma de desapropriação pública de bens privados

A execução das obrigações de dinheiro é preparada por meio de atos expropriatórios realizados judicialmente sobre o patrimônio do executado (NCPC, art. 824).3

Expropriar é o mesmo que desapropriar e consiste no ato de autoridade pública por meio do qual se retira da propriedade ou posse de alguém, o bem necessário ou útil a uma função desempenhada em nome do interesse público. De ordinário, a desapropriação transfere o bem do domínio privado para o domínio público do próprio órgão expropriante. No processo executivo, a expropriação dá-se por via da alienação forçada do bem que se seleciona no patrimônio do devedor para servir de instrumento à satisfação do crédito exequendo.

Quando a Administração Pública, no desempenho de suas funções, resolve realizar uma obra pública, à custa de bens do domínio privado, tem que proceder, primeiro, à transferência de ditos bens para o domínio público, a fim de, depois, utilizar-se deles na consecução do serviço projetado.

Tal, como é óbvio, não se faz arbitrariamente, mas segundo um plano jurídico-legal que vai desde a definição do bem particular a ser utilizado até seu efetivo emprego no serviço público, mediante prévia e justa indenização ao proprietário.

Para tanto existe, no ordenamento jurídico, um processo que se inicia nas vias administrativas e pode, eventualmente, se consumar na via judicial, se o particular não concordar com a indenização que lhe oferecer a Administração.

A execução por quantia certa, no âmbito da jurisdição, é um serviço público que o Estado põe à disposição do credor para realizar, coativamente, a benefício deste, mas

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também no interesse público de manutenção da ordem jurídica, o crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, na época e forma devidas.

Partindo da regra de que "o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações" (novo Código de Processo Civil, art. 789),4a execução por quantia certa tem por objetivo expropriar aqueles bens do devedor inadimplente que sejam necessários à satisfação do direito do credor, como dispõe o art. 824 do mesmo Código.

Essa expropriação executiva para obter o numerário a ser aplicado na realização do crédito exequendo se opera, ordinariamente, por meio da alienação forçada do bem afetado ao processo, seja em favor de terceiros, seja em favor do próprio credor. Mas, pode, excepcionalmente, limitar-se à apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens para, assim, conseguir numerário que possa cobrir o crédito insatisfeito (novo Código de Processo Civil, art. 825, III).5O modus faciendi da expropriação executiva não é, em essência, diverso do da desapropriação por utilidade ou necessidade pública. A exemplo do que se passa na atividade da Administração Pública que se vai utilizar compulsoriamente de bens particulares, o procedimento complexo de expropriação da execução por quantia certa compreende providências de três espécies, quais sejam:

a) de afetação de bens;

b) de transferência forçada de domínio; e

c) de satisfação de direitos.

Isto, em outras palavras, faz da execução por quantia certa uma sucessão de atos que importam:

a) a escolha dos bens do devedor que se submeterão à sanção;

b) a transformação desses bens em dinheiro, ou na sua expressão econômica;

c) o emprego do numerário ou valor apurado no pagamento a que tem direito o credor.

209. O objetivo da execução por quantia certa

O patrimônio do devedor é a garantia genérica de seus credores (NCPC, art. 789).6Ao assumir uma obrigação, o devedor contrai para si uma dívida e para seu patrimônio uma responsabilidade.

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A dívida é normalmente satisfeita pelo cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. A responsabilidade patrimonial atua no caso de inadimplemento, sujeitando os bens do devedor à execução forçada, que se opera pelo processo judicial.

Quando a obrigação representada no título executivo extrajudicial refere-se a uma importância de dinheiro, a sua realização coativa dá-se por meio da execução por quantia certa (NCPC, arts. 824 e ss.).

Não importa que a origem da dívida seja contratual ou extracontratual, ou que tenha como base material o negócio jurídico unilateral ou bilateral, ou ainda o ato ilícito. O que se exige é que o fim da execução seja a obtenção do pagamento de uma quantia expressa em valor monetário.7Pode a execução por quantia certa fundar-se tanto em título judicial (sentença condenatória) como em título extrajudicial (documentos públicos e particulares com força executiva), muito embora as disposições dos arts. 824 e segs. tenham sido traçadas especificamente para os títulos extrajudiciais8. Pode, também, decorrer da substituição de obrigação de entrega de coisa e da obrigação de fazer ou não fazer, quando a realização específica dessas prestações mostrar-se impossível ou quando o credor optar pelas equivalentes perdas e danos (arts. 809, 816 e 821, parágrafo único, do NCPC).9Pressupõe essa execução sempre a liquidez da soma a ser exigida do devedor. Se a condenação porventura não especificar o quantum debeatur (sentença genérica), impõe-se antes de iniciar a execução a medida preparatória da liquidação da sentença (arts. 509 a 512),10remédio, porém, que não se aplica aos títulos executivos extrajudiciais.

Consiste a execução por quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente recursos necessários ao pagamento do credor. Seu objetivo é, no texto do Código, a "expropriação de bens do executado" (art. 824), para cumprir sua função específica.11A obrigação de quantia certa é, na verdade, uma obrigação de dar, cuja coisa devida consiste numa soma de dinheiro. Por isso, a execução de obrigação da espécie tem como objetivo proporcionar ao exequente o recebimento de tal soma. Se é possível encontrá-la em espécie no patrimônio do devedor, o órgão judicial a apreenderá para usá-la em pagamento do crédito do exequente. Não sendo isto possível, outros bens serão apreendidos para transformação em dinheiro ou para adjudicação ao credor, se

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a este convier assim se pagar. O estabelecimento de procedimento diverso daquele observado na execução de entrega de coisa se deve à dificuldade de proceder da maneira singela com que esta se realiza, ou seja, mediante simples mandado de apreensão e repasse da coisa devida a quem a ela tem direito. A execução por quantia certa tem que passar, necessariamente, por uma fase complexa de apropriação judicial de bens ou valores pertencentes ao executado para munir-se o juiz de meio adequado à satisfação do crédito do exequente. Tem como atos fundamentais a penhora, a alienação e o pagamento,12...

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