Execução por quantia certa contra o devedor solvente: instrução pela penhora

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas357-422

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217. Instrução

Se, após a citação, o executado salda a dívida, o processo extingue-se (NCPC, art. 924, nº II).1Não ocorrendo, porém, o pagamento, segue-se a penhora que abrangerá os bens nomeados pelo exequente na petição inicial, ou à falta desses, outros que forem apontados pelo executado ou encontrados pelo Oficial de Justiça.

A expropriação com que se busca realizar o direito do credor pode, na sistemática do art. 825, consistir:

I - na adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 5º do art. 8762 - 3;

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II - na alienação por iniciativa particular;

III - na alienação em leilão judicial;

IV - na apropriação de furtos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.

É com a ultimação da expropriação que se perfaz a segunda fase do processo executivo. Em qualquer caso, todavia, a medida inicial ou preparatória da expropriação executiva se faz sempre por meio da penhora. Admite-se, ulteriormente, sua substituição por fiança bancária ou seguro garantia judicial (art. 848, parágrafo único).4218. Penhora

A execução forçada, diante do que já se expôs, compreende providências de três naturezas: de afetação, de expropriação e de satisfação. Na primeira temos a penhora, na segunda a alienação e na terceira o pagamento do credor5. Todas essas providências são realizadas pelo órgão judicial, com o concurso de seus auxiliares, como atos públicos de natureza processual executiva, tendentes a um só objetivo, que é satisfazer o interesse do credor.

A penhora é o primeiro ato oficial por meio de que o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva6. Tem ela a função de "individualizar el bien sobre el cual el oficio ejecutivo deberá proceder para satisfazer a los acreedores, y someterlo materialmente a la transferencia coativa".7É a penhora, portanto, "o primeiro ato executório e coativo do processo de execução por quantia certa".8Consiste, assim, a penhora no "ato inicial de expropriação do processo de execução, para individualizar a responsabilidade executória, mediante apreensão material, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor".9Diz-se que é um ato de afetação porque sua consequência imediata é sujeitar os bens por ela

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alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para "à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução", que é "dar satisfação ao credor".10Importa sempre a penhora em apreensão efetiva e em depósito dos bens à ordem judicial. Além disso, no sistema do direito processual alemão, agora adotado entre nós (art. 797, caput),11a penhora cria para o credor uma preferência, "um direito real sobre os bens penhorados",12conferindo-lhe uma garantia pignoratícia equivalente ao penhor convencional ou legal, como "terceira espécie do direito de penhor" (de direito material), de cuja natureza participa, e cujos princípios informativos podem ser-lhe aplicados por analogia.13Aliás, se se reconhece à penhora a força de sequela14(ineficácia das alienações diante do gravame) e se se proclama o direito de preferência dela emergente, oponível a qualquer outro credor que não tenha privilégio ou garantia real anteriores,15não é difícil equiparar a penhora a uma espécie da figura geral da garantia pignoratícia.

Diante desse quadro, pode-se reconhecer à penhora a tríplice função de:

  1. individualizar e apreender efetivamente os bens destinados ao fim da execução;

  2. conservar ditos bens, evitando sua deterioração ou desvio; e

  3. criar a preferência para o exequente, sem prejuízo das prelações de direito material anteriormente estabelecidas.

Uma primeira penhora não impede que outras, de diversos credores, venham a atingir o mesmo bem. Mas a ordem das penhoras fixa, entre os credores quirografários, a ordem para o pagamento, de acordo com o tempo do nascimento do direito pignoratício processual de cada credor: prior tempore, potior jure16(NCPC, art. 797, parágrafo único).17A preferência da penhora, que não exclui os privilégios e preferências instituídos anteriormente a ela (art. 905, nº II),18é de aplicação apenas à execução contra o devedor solvente, não prevalecendo no concurso contra devedor insolvente (art. 797), "onde as preferências são apenas as da lei civil (art. 769) [artigo mantido pelo NCPC, pelo art. 1.052]".19

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Com o advento da Lei nº 8.953, de 13.12.94, que acrescentou o § 4º ao art. 659, do CPC/73, nosso direito positivo adotou, para a penhora de imóvel, a obrigatoriedade de sua inscrição no Registro Imobiliário20, o que foi mantido pelo NCPC, no art. 844. A Lei nº 11.382/2006 substituiu a inscrição por averbação. Com isso, procurou eliminar um grande número de demandas sobre bens que após a arrematação se descobriram já alienados pelo devedor, gerando insegurança e intranquilidade para partes e licitantes e, também, para a própria Justiça. Agora, não mais se deverá levar à praça imóvel sem que previamente a penhora esteja lançada no Registro Público. E, sendo assim, ninguém poderá arguir boa-fé se se aventurar a comprar imóvel sem comprovar no Registro respectivo a inexistência de penhora. E se o fizer, arcará com as consequências da fraude de execução, irremediavelmente configurada.

A redação do art. 844, do NCPC, assim como era a da lei anterior, esclarece qual é a função do ato registral, que é a de gerar "presunção absoluta de conhecimento por terceiros". O andamento da execução, por sua vez, não ficará sobrestado, enquanto se aguarda a diligência a cargo do registro imobiliário. Para a execução a penhora já está aperfeiçoada desde que lavrado o respectivo auto.

219. Procedimento da penhora e avaliação

O art. 829, do NCPC21traça o procedimento com que se cumpre o mandado de citação na ação de execução por quantia certa, evitando incertezas e diligências procrastinatórias.

Num só mandado, o oficial receberá a incumbência de citar o executado e realizar a penhora e avaliação. Citado o devedor, com as cautelas próprias do ato, o oficial deverá aguardar o prazo de três dias para pagamento voluntário. Passado o prazo, verificará em juízo se o pagamento ocorreu ou não. Permanecendo o inadimplemento, procederá à penhora, lavrando-se o respectivo auto, com imediata intimação do executado (art. 819, § 1º, in fine).22Se o credor exerceu a faculdade de indicar na petição inicial os bens a serem penhorados (art. 798, II, c), o oficial de justiça fará com que a constrição recaia sobre ditos bens (art. 829, § 2º).23Não havendo tal nomeação, penhorará os que encontrar, em volume suficiente para garantir a satisfação do crédito e acessórios.

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Ocorrendo dificuldade, na localização de bens penhoráveis, o juiz, de ofício, ou a requerimento do exequente, poderá determinar que o executado seja intimado a indicar bens passíveis de constrição, com especificação dos respectivos valores, prova de propriedade, e certidão negativa de ônus (art. 774, V).24A não indicação sem justificativa, em tal caso, representará atentado à dignidade da justiça, sujeito às penas do parágrafo único do mesmo artigo (multa não superior a 20% do valor atualizado da execução).25A intimação para indicar bens à penhora pode ser feita ao advogado, se o executado já estiver representado nos autos. Somente será pessoal ao devedor, se não tiver, ainda, constituído advogado (art. 841, §§ 1º e 2º, analogicamente).26Consumada a penhora pelo oficial, o executado será imediatamente intimado, em regra, na pessoa de seu advogado ou da sociedade de advogados a que ele pertença (art. 841, caput, § 1º).27Não havendo advogado constituído nos autos, o executado será intimado pessoalmente, de preferência por via postal (art. 841, § 2º).28Em relação a essa diligência, o NCPC previu que, mesmo não sendo encontrado o destinatário no endereço constante dos autos, a intimação será havida como realizada "quando o executado houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo" (art. 841, § 4º), desrespeitando, portanto, a exigência do parágrafo único do art. 274.29É bom de ver que a penhora ocorre depois que o devedor já foi citado, pelo que já está ele ciente de que, no prazo da lei, a constrição se consumará. Se não compareceu nos autos e nem é encontrado em seu endereço habitual, é lícito ao juiz autorizar o prosseguimento do feito sem novas intimações, além daquela relacionada à própria penhora. Observar-se-á a regra geral da revelia (art. 346).30Cabe-lhe decidir em face das particularidades do caso concreto, para insistir na procura do devedor, ou no encerramento da diligência, pela...

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