A execução trabalhista e o paradigma processual conciliatório: a questão das 'audiências de execução'

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas233-239

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“Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.” (Bíblia Sagrada – Mateus, capítulo 5, versículo 9)

1. Introdução

Neste estudo, enfatizaremos a necessidade de que o juiz trabalhista mantenha um constante canal de diá-logo pessoal com as partes, por meio de audiências, ainda que em meio ao trâmite executivo, no fito de traçar diretrizes adequadas ao caso concreto e aptas a dar fiel cumprimento, no tempo mais breve possível, ao título executivo.

Tencionamos fomentar, com isso, entre os magistrados trabalhistas, a saudável prática de criar pautas específicas de audiências de execução com vistas a uma breve solução de cada lide executiva posta sob sua responsabilidade.

2. A conciliação e o ambiente processual
2.1. Referenciais Normativos Básicos da Conciliação Trabalhista

Nossa abordagem, por primeiro, há de passar pelos principais referenciais normativos que envolvem o tema, no âmbito do processo do trabalho, ganhando destaque, desde logo, o quanto disposto no art. 764, caput, da CLT, como segue: “Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”.

Trata-se de enunciado legal consagrador do princípio da conciliação, cuja tônica é tão marcante que o legislador decidiu não fazer qualquer restrição ao sistema

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de jurisdição acionado1. Seja na órbita de dissídios individuais, seja na órbita de dissídios metaindividuais, o processo do trabalho há de ser marcado pelo estímulo a uma solução conciliatória da demanda. Ou seja, a rigor, na processualística laboral, não há ambiente inapropriado para uma conciliação2.

O dispositivo em tela destaca ainda que não há preclusão, tampouco “tempo certo” para a realização da conciliação. Ao usar o advérbio “sempre”, o texto consolidado esclareceu que em qualquer momento da marcha processual faculta-se a abertura do diálogo e o travamento de discussão tendente a uma solução negociada do dissídio. Ou seja, a rigor, na processualística laboral, também não há tempo inoportuno para uma conciliação3.

Mas não é só. O § 1º do art. 764 da CLT está assim vazado: “Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos”. Aqui, como é fácil inferir, a referência do legislador é o magistrado trabalhista, que, independente de grau de jurisdição em que vinculado (seja atuando em Vara Trabalhista, seja integrando Tribunal do Trabalho), não apenas deve perguntar às partes se há possibilidade de conciliação, mas – assim exige a lei – deve empenhar-se, denodar-se, esforçar-se nessa árdua missão de esclarecer os litigantes sobre os riscos do prolongamento do conflito e as benesses de uma composição amigável.

Logo, para bem além de um simples e rápido questionamento (“Há acordo?)”, deve o magistrado trabalhista se dispor a conversar com as partes, compreender suas realidades, tomar conta da real dimensão dos fatores processuais, inteirando-se mais de perto da lide jurídica, e enxergar, também, o tanto quanto possível, a chamada lide sociológica, quer dizer, os fatores reais e concretos que, embora extrajurídicos e quase sempre não expressamente visualizados na causa, nela interferem de modo decisivo.

Impõe-se, portanto, que o juiz trabalhista, com boa dose de equilíbrio e serenidade, despenda algum tempo estimulando os litigantes com precisas colocações técnicas e, porque não, em alguns casos, também com adequadas acentuações éticas. Perceba-se que, dentro desse viés, a formulação da proposta conciliatória, para o juiz trabalhista, deve ser muito mais que um simples ato de formalidade. Urge que seja, in vero, um verdadeiro desafio argumentativo rumo à construção da melhor solução para a causa: aquela em que as próprias partes, livres e conscientes, entabulam, aos cuidados técnicos e éticos do juiz, os próprios termos da decisão que porá fim à demanda – pelo menos no que tange à etapa cognitiva –4. Enfim, a conciliação, nessa linha de raciocínio, não se apresenta como um simples ato, mas como um genuíno procedimento.

Vale o registro de que a tarefa de dar cumprimento exitoso a esse procedimento conciliatório não é de competência exclusiva do juiz. Em verdade, todos que participam do processo devem estar enlaçados nesse propósito em uma verdadeira comunidade de trabalho5.

A propósito, confira-se pertinente disposição do novo Código de Processo Civil no sentido de que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º, § 3º). Igualmente, vale fazer referência ao preceito que estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar

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entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º). Logo, a busca por uma solução consensual justa é tarefa de todos que interagem no bojo do processo judicial, tônica que decerto ganha colorido diferenciado no processo do trabalho, onde o princípio jurídico da conciliação, como é cediço, historicamente exerce poderosa influência.

Outro dispositivo que tem muito a ver com a conciliação é o sempre citado art. 765 da CLT, cujo teor segue: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”. De fato, homologado acordo que dá solução a um processo de conhecimento, fecha-se, para as partes, qualquer discussão recursal, o que implica a economia de precioso tempo, redundando, justamente por isso, considerável celeridade.

Em arremate, insta conduzir o tema para o seu devido aporte constitucional, trazendo à baila o que consta do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004), in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação6. Veja-se que, ao tempo em que incorpora o princípio da conciliação como um de seus principais vetores axiológicos, o processo do trabalho se aproxima, contundentemente, do modelo constitucional de processo. Afinado está, assim, com a elevada principiologia constitucional7.

2.2. O Ambiente Processual das Audiências

Malgrado muitos ainda não tenham se apercebido, há sensíveis diferenças entre a audiência realizada na fase cognitiva e aquela realizada na fase executiva8.

Tentaremos, a seguir, alinhavar algumas considerações a respeito da dinâmica um tanto diferenciada que permeia cada qual dessas sessões. Vejamos.

2.2.1. Características da Audiência Realizada na Fase Cognitiva

É possível enxergar, regra geral, algumas especificidades que marcam as audiências realizadas no âmbito da fase cognitiva.

  1. As sessões são ligadas a um contexto de relativa dubiedade quanto ao objeto da lide. O debate travado envolve pretensões que, de regra, ainda não mereceram averiguação probatória exauriente, de sorte que circunda sobre o objeto da lide uma penumbra que só a sentença irá dissipar.

  2. Firmam-se em um cenário de considerável igualdade entre as partes. Como não se tem ainda, na fase de conhecimento, a certificação de quem tem razão na lide, o magistrado porta-se de modo milimetricamente equidistante, no tocante às partes.

  3. Impõem uma atuação judicante imparcial. Em decorrência dessa acentuada postura isonô-mica em relação aos litigantes e da incerteza quanto ao desfecho final da discussão cognitiva, o juiz acaba levando ao extremo a tônica de imparcialidade no ritmo de seu compasso processual.

  4. Trabalha-se com um norte de nítida prevalência da razão. Como decorrência natural de todos esses fatores supracitados, prepondera na fase cognitiva uma postura judicante essencialmente racional, procurando solo firme e seguro no âmago da técnica processual.

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  5. Há relativa ênfase ao valor segurança. Por fim, como culminância dos elementos sobreditos, impõe-se registrar que o juiz, na ambiência processual cognitiva, redobra seus cuidados, atento para não macular o valioso acervo probatório que está sendo cuidadosamente gerado, com vistas a bem julgar a causa.

2.2.2. Características da Audiência Realizada na Fase Executiva

Todavia, quando centramos nossa atenção nas audiências realizadas no âmbito da fase executiva, deparamo-nos com um contexto totalmente diferente.

  1. As sessões são ligadas a um contexto de relativa certeza quanto ao objeto da lide. De regra, nesta fase ocorre a efetivação prática de um comando decisório cujo conteúdo, independentemente de seu caráter definitivo ou precário, sempre vai envolver algum grau de certeza no...

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