Exercício de algumas profissões

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas135-189
CAPÍTULO VI
EXERCÍCIO DE ALGUMAS PROFISSÕES
1. ATLETA PROFISSIONAL
1.1. HISTÓRICO DO DESPORTO NO BRASIL
De todos os esportes, nenhum é mais famoso e mais praticado no Brasil que o futebol. Sua prática começou no
século XIX, trazido da Inglaterra. Jogava-se sem maior rigor, sem normas tutelares, primeiro em São Paulo, onde,
no início do século XX, foi fundada a primeira Liga, e, posteriormente, espalhou-se por todo o país.
A legislação desportiva brasileira teve início com a criação do Conselho Nacional de Cultura, pelo Decreto-lei
n. 526, de 01.07.1938, mas seu nascimento legal efetivo somente ocorreu com o Decreto n. 1.056, de 19.01.1939,
criando a Comissão Nacional de Desportos, e as bases do desporto nacional foram implantadas com o Decreto
n. 3.199, de 14.04.1941.
As relações entre jogador e clube desportivo somente ocorreram após a profissionalização, em 1930, com a
lei da selva, representada pelo regulamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), pelo qual o jogador
dependia do clube.
Em 14.12.1973, foi promulgada a Lei n. 5.988, consagrando o direito de arena no art. 100, e, pela Lei n. 6.269,
de 24.11.1975, foi instituído um sistema de assistência complementar ao atleta profissional.
O passe, velho e grave problema dos desportistas brasileiros, teve na Lei n. 6.354, de 02.09.1976, sua primeira
norma, a cuidar da relação de trabalho do atleta profissional de futebol, que ficaria livre com 32 anos de idade e
dez anos de atividade no mesmo clube. A Lei n. 12.395, de 16.03.2011, revogou a Lei n. 6.354/1976.
A Constituição de 1967, promulgada em momento de exceção da vida brasileira, atribuía à União competência
exclusiva sobre matéria desportiva (art. 8º, XVII, q), tendo o Texto Fundamental de 1988 promovido a constitucio-
nalização do desporto pelo art. 217, da mesma forma como o consagrou como direito fundamental (art. 5º, XXVII,
a), bem como o lazer é incluído dentre os direitos sociais (art. 6º).
De outro lado, a competência legislativa agora é concorrente, porque dividida com as Unidades da Federação
(União, Estado e Municípios) (art. 24, IX, da Constituição de 1988).
Posteriormente, em 1998, foi criado o Ministério de Estado do Esporte e Turismo, com competência para traçar
a política nacional da prática desportiva, sua promoção no Brasil e no exterior, além de estimular, planejar, coor-
denar e supervisionar os planos e programas de incentivo aos esportes (art. 1º do Regulamento aprovado pelo De-
creto n. 3.623, de 05.10.2000). Esse ministério foi desmembrado em dois: do Esporte e do Turismo, no ano 2013.
A fim de minimizar as dificuldades dos desportistas brasileiros, foi promulgada a Lei n. 8.672, de 06.07.1993,
conhecida por Lei Zico, como referência ao Ministro do Esporte e Turismo de então, que era o ex-jogador de fu-
tebol Arthur Antunes Coimbra, o Zico. Previa, inter alia, que estando o salário do atleta atrasado três meses, o
clube ficaria suspenso de competição (art. 22), mas, na prática, nada ocorreu, como o caso do Fluminense Futebol
Clube, do Rio de Janeiro. A rescisão contratual dos jogadores era dificultada, tendo o TST cassado decisão do TRT
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Curso de Direito do Trabalho
Georgenor de Sousa Franco Filho
da 18ª Região (Goiás) e liberado o jogador Marcelo. De outro lado, os menores somente poderiam desempenhar
atividades com a assinatura do responsável; porém, diferente a realidade porque isso ocorria sem autorização,
como o caso do jogador Claudinho e do clube Ponte Preta. E, quanto à Justiça Desportiva, suas decisões deveriam
ser cumpridas em até noventa dias, todavia esse prazo nunca foi observado.
1.2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE DESPORTO
A legislação brasileira sobre desporto é representada, pela Lei n. 9.615, de 24.03.1998, conhecida por Lei Pelé,
em referência ao então Ministro do Esporte e Turismo Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, e que já se encontra
bastante alterada, regulamentada pelo Decreto n. 2.574, de 29.04.1998, e com as alterações introduzidas pela Lei
n. 12.395, de 16.03.2011.
Consagra a Lei n. 9.615/1998 os princípios do desporto brasileiro, a saber: soberania, autonomia, democratiza-
ção, liberdade, direito social, diferenciação, identidade nacional, educação, qualidade, descentralização, segurança
e eficiência (art. 2º), apresentando-se em três manifestações: educacional, participação e rendimento (art. 3º).
Está o desporto organizado sob duas formas: modo profissional, com remuneração; e, modo não profissional,
quando o atleta não recebe remuneração, nem há contrato de trabalho, mas pode receber incentivos materiais e
patrocínio (art. 3º, parágrafo único), não havendo falar, em ambos os casos, em vínculo de emprego.
No desporto, encontramos atleta profissional, cuja atividade caracteriza-se pela celebração de contrato de
trabalho, com remuneração pactuada, celebrado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito
privado (art. 28, caput). Por outro lado, esse tipo de contrato é sempre por prazo determinado, com vigência nunca
inferior a três meses nem superior a cinco anos (art. 30).
Existe o atleta autônomo, que é o maior de dezesseis anos, sem vínculo de emprego com a entidade de prática
desportiva, auferindo rendimentos por conta e por meio de contrato de natureza civil. Não há relação empregatícia
e o vínculo é estabelecido apenas para participar de competição (art. 28-A e § 1º).
O art. 29 do mesmo diploma permite que a entidade de prática desportiva formadora do atleta, a partir de
dezesseis anos de idade, poderá com ele celebrar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, cujo prazo
não poderá ser superior a cinco anos.
O atleta não profissional em formação, que é maior de quatorze e menor de vinte anos, poderá receber auxílio
financeiro da entidade de prática desportiva formadora, como bolsa de aprendizagem, sem que isto signifique
relação de emprego (art. 29, § 4º).
No que é relativo ao atleta estrangeiro, para este exercer sua atividade é indispensável a obtenção de visto tem-
porário de trabalho, que pode ser concedido por até cinco anos, prorrogáveis por idêntico período, uma só vez,
nos termos do art. 46, § 1º, da Lei n. 9.615/1998.
Por outro lado, a suspensão do contrato pode ocorrer em duas hipóteses: por acidente de trabalho (art. 32,
§ 4º, I e II, do Decreto n. 2. 574/98) e por suspensão disciplinar, que pode ser por partida ou por prazo, consoante
o Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF) (arts. 204 e 206), imposta pela Justiça Desportiva que pode
convertê-la em multa (art. 204, § 5º, do CBDF). A suspensão disciplinar importa em não pagamento de salário,
podendo, a critério do empregador, o contrato ser prorrogado pelo prazo da punição, nas mesmas condições (art.
205 do mesmo Código). Bem de ver que, como o atleta praticou falta em ato pessoal, a perda de salário durante
o período do cumprimento da pena justifica-se porque o clube também será privado dos eventuais sucessos que o
atleta poderia proporcionar.
Grave questão é a dos atrasos no pagamento dos salários dos desportistas. De acordo com a Lei n. 9.615/1998,
a mora salarial importará em dois tipos de sanções aplicadas pelo empregado desportista. É o jus resistentiae
do empregado, e, estando o atleta com atraso de seus salários em dois ou mais meses, poderá se recusar a jogar
(art. 32), e, ocorrendo a mora por três ou mais meses, o atleta é considerado liberado, ficando rescindido seu
contrato (art. 31), fazendo jus a receber todos os seus créditos.
A Lei n. 9.615/1998 não regula a aposentadoria dos atletas, e, no particular, considerando as peculiaridades da
atividade e tendo que a vida útil do desportista é menor que a do trabalhador comum, deveria haver lei própria e
não a da Previdência Social geral porque a situação é diferente(146).
(146) SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 64-5.
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Parte I - Direito Individual do Trabalho
Capítulo VI – Exercício de Algumas Profissões
Na trilha das omissões legislativas, verifica-se, também, que a norma existente não regula os calendários das
atividades desportivas, e, às vezes, o atleta não tem direito a gozar da folga semanal, quer porque em seguidas
partidas, quer porque em regime de concentração.
Atingindo em torno de 1.200 treinadores habilitados e 12.000 não habilitados, encontramos a figura do téc-
nico profissional de futebol, de quem se exige formação superior, mediante habilitação em curso de educação
física, havido como empregado da associação desportiva ou do clube de futebol que o contratar (arts. 1º e 2º da
Ademais, nos termos do art. 88 da Lei n. 9.615/1998, os árbitros e os auxiliares de arbitragem, indispensáveis
a qualquer disputa, são considerados trabalhadores autônomos, porque não possuem qualquer vínculo com as
entidades desportivas.
A situação do árbitro de futebol, no entanto, poderia ter sido alterada com a Lei n. 12.867, de 10.10.2013, cujo
art. 1º reconhece a profissão e diz que a mesma lei regulará, sem prejuízo das disposições não colidentes contidas na
legislação vigente, donde remete à Lei n. 9.615/1998, tornando-se, nesse particular, desnecessário. Em seguida, o
art. 2º diz o que está dito desde 1998 na Lei Pelé.
O art. 3º foi vetado e dispunha:
Art. 3º A habilitação e os requisitos necessários para o exercício da profissão de árbitro de futebol serão definidos em
regulamento próprio.
Era, ao que parece, o único dispositivo realmente útil desse diploma, mas o veto presidencial tomou por fun-
damento o inciso XIII do art. 5º da Constituição, acerca da liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão que, segundo o Executivo, estaria sendo vulnerado.
Os constitucionalistas brasileiros caminham em uníssono quando examinam o inciso XIII do art. 5º da Consti-
tuição, anotando Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior que caso seja editada uma lei regulamen-
tando determinada profissão, o indivíduo que queira exercer tal atividade fica adstrito à observância das qualificações
profissionais que o diploma vier a estabelecer(147). Essas exigências, todavia, devem ser razoáveis, porque, como recor-
da Manoel Jorge e Silva Neto, a lei será inconstitucional quando os requisitos ou qualificações ao exercício de profissão,
impostas de modo excessivo, determinarem, de fato, a impossibilidade de fruição do direito individual(148).
Como se verifica, o veto que poderia não existir tornou desnecessária a lei, cujo art. 4º reconhece que é fa-
cultado aos árbitros de futebol organizar-se em associações profissionais e sindicatos, o que também despiciendo,
porque o art. 8º, caput, da Constituição consagra a livre associação profissional ou sindical.
Adiante, o art. 5º admite que é facultado aos árbitros de futebol prestar serviços às entidades de administra-
ção, às ligas e às entidades de prática da modalidade desportiva futebol. Aqui, apesar de ser uma regra imprecisa,
pode ser admitida a possibilidade de se ter reconhecida relação de emprego subordinado do árbitro de futebol às
instituições que menciona. E, mais, abre-se o caminho para que os demais árbitros, de outros desportos, também
possam ter idêntico tratamento, considerando o princípio da igualdade que a própria Constituição consagra. A
jurisprudência trabalhista resolverá a matéria.
O último dispositivo, o art. 6º, cuida da validez temporal da norma, que começou a viger no dia 10.10.2013,
quando de sua publicação.
1.3. PECULIARIDADES DAS QUESTÕES DESPORTIVAS
1.3.1. Passe
Um dos aspectos mais polêmicos e tormentosos da relação de trabalho dos atletas profissionais é o vínculo
desportivo, chamado de passe, que é acessório do contrato de trabalho, a teor do art. 28, § 5º, da Lei n. 9.615/1998.
Assim, terminada a vigência do contrato de trabalho, acaba o passe e o jogador fica livre. Todavia, a partir das mu-
(147) ARAÚJO, Luiz Alberto David & NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p.119.
(148) SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 509.

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