Experimentação animal: um combate juridico nas universidades brasileiras

AutorFernanda Luiza Fontoura de Medeiros - Letícia Albuquerque
CargoDoutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, com estágio de Doutoramento na Faculdade de Direito de Coimbra/Portugal, bolsista CAPES
Páginas65-83
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p65
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Adaptada.
EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: UM COMBATE JURIDICO NAS UNIVERSIDADES
BRASILEIRAS
Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros
1
Letícia Albuquerque
2
Resumo:
A vivissecção, ou o uso de animais em experimentos, testes ou educação faz parte
de um contexto em que muitas pessoas ainda pensam representar um conflito de
emergência que requer a escolha dos interesses humanos ao invés dos interesses
dos animais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225,
paragrafo 1°, inciso VII, veda a prática de crueldade com os animais. Para
regulamentar o referido dispositivo, foi sancionada em 2008 a Lei 11.794/2008,
conhecida como Lei Arouca, que estabelece procedimentos para o uso cientifico de
animais e a Lei 9.605/2008, que versa sobre os crimes ambientais. Contudo, diante
do que estabelece a Constituição é possível sustentar o uso de animais no ensino e
na pesquisa, sobretudo nas universidades? O objetivo do presente artigo é analisar
a legislação brasileira à respeito do uso de animais em testes, ensino e pesquisa e
através das ações judiciais movidas nos últimos anos por entidades de defesa
animal contra diversas universidades brasileiras discutir a aplicação da legislação
referida, bem como demonstrar o embate jurídico e politico que o tema desperta. Os
resultados apontam para um desacordo entre as práticas vigentes nas
universidades, a legislação e o que dispõe o texto constitucional.
Palavras-chave: Direitos Animais. Vivissecção. Experimentação animal. Crueldade.
Ação Civil Pública.
1 INTRODUÇÃO
A utilização dos animais não-humanos tanto na investigação científica quanto
na atividade docente tem se apresentado como uma prática constante que
acompanha a própria história da ciência (FEIJÓ, 2005, p. 13). No entanto, a referida
prática nem sempre para não dizer raramente vem fundamentada em princípios
éticos claramente definidos. Portanto, o uso de animais em testes, no ensino e na
1
Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina. Professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, RS e do Projeto de Mestrado em Direito e Sociedade da Faculdade de Direito do
Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil. E-mail: flfmedeiros@gmail.com
2
Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina, com estágio de Doutoramento na Faculdade de Direito de Coimbra/Portugal, bolsista
CAPES. Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito da Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: leticia.albuquerque@ufsc.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.65-83, Jan-Jun. 2015
pesquisa é uma questão controversa. Singer desde a publicação de seu livro
Libertação Animal (SINGER, 2002), apontava o uso de animais em experimentos
como uma das formas mais evidente de especismo, uma vez que aqueles que
realizam tais experiências, bem como aqueles que concordam com tal prática,
sempre tentam justificar a sua realização com o argumento de que as experiências
nos levam a descobertas sobre os seres humanos (2002, p.75). Para o autor, os
especistas atribuem maior peso aos interesses dos membros de sua própria
espécie: “os especistas humanos não admitem que a dor é tão má quando sentida
por porcos ou ratos como quando são os seres humanos que a sentem” (SINGER,
2002, p.68).
Passados quarenta anos da publicação da obra de Singer, a polêmica
continua. Conforme Francione (2013), se hoje o uso de animais para fins de
entretenimento, alimentação, vestuário ou outros usos ligados ao nosso prazer,
diversão ou conveniência não podem ser considerados necessários em nenhum
sentido uma vez que temos uma obrigação direta com os animais de não lhes infligir
sofrimento, tal ponto de vista não é amplamente compartilhado com relação a prática
da vivissecção. A vivissecção, ou o uso de animais em experimentos, testes ou
educação faz parte de um contexto em que muitas pessoas ainda pensam
representar um conflito de emergência que requer a escolha dos interesses
humanos ao invés dos interesses dos animais.
Aqueles que se opõem a utilização dos animais não-humanos como objeto da
vivissecção, seja para a pesquisa científica, seja para a atividade docente, se
apoiam, regra geral, em duas questões: uma ética e a outra científica. Brügger
(2008, p. 146) destaca na questão ética “ao direito que temos de dispor da vida de
seres sencientes [...] causando-lhes sofrimento físico e psicológico e interrompendo
suas vidas”. A autora, ressalta, ainda, que a razão de ordem científica “diz respeito à
falta de confiabilidade dos dados provenientes de experimentos com animais não-
humanos”. Medeiros (2013, p. 225) alerta que o “uso de animais não humanos como
colaboradores não voluntários das pesquisas científicas data de milhares de anos” e
destaca que:
[...] o conhecimento acerca dos processos biológicos e todas as interações
para a manutenção e desenvolvimento da vida estão crescendo em
proporção sem precedente [...] despertando uma preocupação entre os
cientistas e a comunidade em geral sobre a segurança no uso de todas

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