A exploração econômica dos serviços públicos de saneamento básico por empresas estatais

AutorVictor Silveira Martins
Páginas773-804
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A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE
SANEAMENTO BÁSICO POR
EMPRESAS ESTATAIS
VICTOR SILVEIRA MARTINS
Sumário: Introdução. 1. Empresas estatais e serviço público no
Direito Brasileiro. 2. Os serviços públicos de saneamento e as
empresas estatais. 3. O regime de prestação dos serviços públicos
de saneamento por empresas estatais. Conclusão. Referências
bibliográficas.
INTRODUÇÃO
As empresas estatais desempenharam, historicamente, papel
fundamental na organização e prestação dos serviços públicos que
compõem a rede de serviços de saneamento básico no Brasil.1 Diante
1 O serviço público de saneamento não compreende um único serviço, mas um conjunto
de serviços que possuem características próprias. Nesse sentido, pondera Marçal Justen
Filho: “Não é corre referir-se a ´serviço público de saneamento’ – ao menos, não é
correto imaginar que existiria um único serviço público nesse caso. Há inúmeras
atividades estatais, subordinadas a regime jurídico diversos e cuja unidade resulta da
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das prementes necessidades de expansão dos serviços de abastecimento
de água e saneamento, no passado, por uma decisão política, social e
econômica, optou-se por um modelo no qual entidades empresariais dos
Estados federados seriam, em conjunto com o Banco Nacional de
Habitação (BNH)2, os principais condutores do desenvolvimento do
setor, observados os objetivos e metas definidos pelo Governo Federal.3
Nesse cenário, desde meados da década de 1960, ganharam
destaque as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs)
instituídas pelos Estados, às quais foi atribuída a missão de administração
e execução dos serviços de saneamento básico em grande parte do território
vinculação comum ao ‘saneamento básico’. (...) O Direito brasileiro não conhece, até
o presente, um serviço público único e unitário de ‘saneamento básico’. Há diversos
serviços públicos, que apresentam identidade jurídica autônoma (GROTTI, Dinorá
Adelaide Musetti. A Evolução Jurídica do Serviço Público de Saneamento Básico. p. 31 apud
JUSTEN FILHO, Marçal. “Consulta realizada pelo Ministério das Cidades sobre o
Anteprojeto de Lei que visa a estabelecer as diretrizes para os serviços públicos de
saneamento básico e a Política de Saneamento Básico (PNS)”. Parecer, p. 14).
2 Dizia o art. 7º do Decreto n. 82.587/78: “Art. 7º Constituem atribuições do Banco
Nacional da Habitação (BNH), na condição de órgão central e normativo do Sistema
Financeiro de Saneamento (SFS): a) – propor ao Ministério do Interior, a edição das
normas a que se referem as alíneas a e d do artigo 6º deste Decreto; b) – estabelecer
normas complementares às expedidas pelo Ministro de Estado do Interior; c) – analisar
e aprovar os planos estaduais de saneamento básico, integrante do PLANASA; d) –
exercer a fiscalização técnica, contábil, financeira e do custo dos serviços das companhias
estaduais de saneamento básico: e) – analisar os planos, estudos e propostas tarifárias
elaborados pelas companhias estaduais de saneamento básico, com vistas às autorizações
de reajustes; f) – coordenar, orientar e fiscalizar a execução dos serviços de saneamento
básico; g) – propiciar de acordo com seu orçamento, assistência financeira necessária à
execução das programações estaduais de saneamento básico, visando a atingir os objetivos
e metas do PLANASA; h) – estabelecer normas relativas as Sistema Financeiro de
Saneamento (SFS); i) – aplicar as penalidades e sanções estabelecidas pelo Ministro de
Estado do Interior”.
3 Nos termos do art. 9º do Decreto n. 82.587, de 6 de novembro de 1978, competia
às companhias estaduais de saneamento básico “a) – executar a programação estadual
de saneamento básico, em consonância com os objetivos e metas do PLANASA; b) –
elaborar planos, estudos e propostas tarifárias, de acordo com as normas estabelecidas,
submetendo-os ao BNH; c) – aplicar os reajustes tarifários concedidos, de acordo com
as autorizações emitidas pelo Ministro de Estado do Interior; d) – cumprir as normas
expedidas pelo BNH, relativas ao Sistema Financeiro de Saneamento (SFS).
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brasileiro. A escolha da gestão empresarial dos serviços públicos de
saneamento ocorre posteriormente ao modelo de administração
autárquica que alguns municípios adotaram, com a criação de
Departamentos de Água e Esgoto (DAEs) e Serviços Autônomos de
Água e Esgoto (SAAEs).
A década de 1990, contudo, seguindo o contexto das reformas
estruturantes do Estado brasileiro à época, anunciou a redefinição do
padrão de prestação de serviços públicos até então predominante. A
atuação monopolística do Estado nessa seara, na qual as empresas estatais
assumiam ampla responsabilidade, cedeu terreno a um processo de
privatização.4
Inicialmente, os serviços de saneamento básico, apesar de algumas
mudanças que ocorreram em um contexto geral5, não foram sobremaneira
4 No Brasil, o termo “privatização” é comumente utilizado para apontar a transferência
definitiva da titularidade de coisa do Estado para o particular. Fora o que sucedeu com
antigas empresas estatais que tiveram suas ações levadas a leilão, sendo transferidas ao
domínio privado. Entretanto, não se deve olvidar que “privatização” pode ser
compreendido como gênero, de sorte que todas as atividades delegadas aos particulares,
assim, por exemplo, as permissões e concessões de serviços públicos, são espécies de
privatização. Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua bem essa ideia de privatização:
“(...) abrange todas as medidas adotadas como o objetivo de diminuir o tamanho do
Estado e que compreendem, fundamentalmente: a) a desregulação (diminuição da
intervenção do Estado no domínio econômico); b) a desmonopolização de atividades
econômicas de atividades econômicas; c) a venda de ações de empresas estatais ao Setor
Privado (desnacionalização ou desestatização); d) concessão de serviços públicos (com a
devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas
estatais, como vinha ocorrendo); e) os contracting out (como forma pela qual a
Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do
Setor Privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos
de obras e prestação de serviços)” (QUEIROZ. João Eduardo Lopes. “Principais
Aspectos Jurídicos da Privatização”. In: CARDOZO, José Eduardo Martins;
QUEIROZ, João Eduardo Queiróz; DOS SANTOS, Márcia Walquíria Batista (coord.).
Curso de Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 69).
5 As informações sobre a venda de empresas estatais de saneamento de Estados federa-
tivos podem ser encontradas no site do BNDES. Disponível em http://www.bndes.
gov.br/wps/portal/site/home/imprensa/noticias/conteudo/saneamento-18-estados-
-confirmam-ao-bndes/!ut/p/z0/jY3NTgJBEISfxcMcJ93iKnjcIAnhJ14kWedCmt0B
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