A exportação de gado vivo no Brasil e a regra constitucional da vedação da crueldade

AutorDaniel Braga Lourenço, Rafael Van Erven Ludolf
CargoDoutor em Direito pela UNESA-RJ/Mestre pela Universidade Federal Fluminense. Advogado
Páginas53-73
53 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 03, p.53 - 73, Set Dez 2020
A EXPORTAÇÃO DE GADO VIVO NO BRASIL E
A REGRA CONSTITUCIONAL DA VEDAÇÃO
DA CRUELDADE
Recebido: 27.10.2019 Aprovado: 22.03.2020
Daniel Braga Lourenço
Doutor em Direito pela UNESA/RJ. Professor
Permanente do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UniFG/BA. Professor Adjunto de
Biomedicina e Direito Ambiental da UFRJ.
E-MAIL: daniel@lourenco.adv.br
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5869787995233483
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0807-439X
Rafael Van Erven Ludolf
Mestre pela Universidade Federal Fluminense.
Advogado.
E-MAIL: rafaelvanerven@gmail.com
LATTES: http://lattes.cnpq.br/7463992524509265
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0714-5432
RESUMO: A prática de exportação de gado vivo tem sido foco d e críticas há décadas no
exterior e recentemente no Brasil, girando o debate em torno do bem -estar animal e da
violação do direito dos anima is. Existe expectativa de crescimento recorde do setor no Brasil
para o ano de 2019 devido a abertura de novos mercados. No entanto, tal setor encontrará
desafios para assegurar o bem- estar animal, responder às críticas das organizações de defesa
animal e das proposições legislativas que visam proibi-la. Nesse contexto, a presente pesquisa
tem por objetivo principal avaliar se o tra nsporte de ga do vivo vi ola a regra da vedação da
crueldade contra os animais, insculpida na parte final do inciso VII do §1º do art. 225 da
Constituição Federal. Foi realizada a revisão da literatura nas bases scopus e web of science,
buscando mapear as principais discussões sobre a exportação de gado vivo no Brasil e no
exterior. Num segund o momento, aplicou-se questionário estruturado a especia listas em
Direito Animal, com 8 (oito) afirmações respondidas pela escala likert de 5 (cinco) pontos.
Identificou-se que esta prática viola a regra constitucional da vedação da crueldade contra os
animais, por ser intrinsicamente cruel, uma vez que a nova ciência do Direito A nimal
considera que o animal não-humano, senciente, interessa como indivíduo, dota do de valor
próprio e, a partir disso, com o sujeito do direito fun damental à existência digna, a salvo de
práticas cruéis, devendo tal prática ser proibida por lei.
PALAVRAS-CHAVE: Exportação de animais vivos. Direito Animal. Bem-Estar Animal.
Crueldade.
ABSTRACT: The practice of exporting live cattle has been the focus of criticism for decades,
abroad and recently in Brazil. There are serious alleged problems relative to this practice,
including the many violations of animal welfare and of animal rights. Record growth is
expected for this sector in Brazil for 2019 due to the opening of new markets. However, the
live export industry wi ll face growin g challenges in ensuring anima l welfare, responding to
criticism from animal welfare organizations and facing legislative proposals aimed at banning
it. In this context, this research aims to evaluate whether the transport of live cattle violates the
rule of prohibiting cruelty to animals, inscribed in the final part of item VII of § 1 of article 225
of the Federal Constitution of Brazil. A literature review was performed in the scopus and web
of science databases, seeking to map the main discussions on live cattle exports in Brazil and
abroad. Secondly, a structured questionnaire was applied to specialists in Animal Law, with 8
(eight) statements answered by the 5 (five) points likert scale. It has been found that this
practice violates the constitutional rule of prohibiting cruelty to animals, as it is intrinsically
Daniel Braga Lourenço e Rafael Van Erven Ludolf
54 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 03, p. 53-73, Set Dez 2020
cruel, since animal law considers t hat the non -human sentient a nimal ha ve individual
interests and inherent value and thereafter is a righ t holder of the fundamental right to a
dignified existence, save from cruel practice. The live export industry should be banned.
KEYWORDS: Exports of live animals. Animal law. Animal welfare. Cruelty.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Revisão da Literatura 2.1 A exportação de animais vivos na
Austrália 2.2 A exportação de gado vivo no Brasil 3 Questionário estruturado 3.1 Análise e
discussão 3.1.1 Afirmativa 1 3.1.2 Afirmativa 2 3.1.3 Afirmativa 3 3.1.4 Afirmativa 4 3.1.5
Afirmativa 5 3.1.6 Afirmativa 6 3.1.7 Afirmativa 7 3.1.8 Afirmativa 8 4 Conclusão 5 Referências
1 Introdução
Segundo a ABREAV, a exportação de animais vivos cresceu 80% e chegou a 750 mil
cabeças em 2018, atingindo volume recorde e com expectativa de embarcar 1 milhão de animais
em 2019. Em nota conjunta em janeiro de 2019, os Ministérios de Relações Exteriores e
Agricultura do Brasil noticiaram que a Malásia abriu seu mercado para exportações brasileiras de
bovinos vivos para abate, país que tem mais de 30 milhões de habitantes e importa cerca de 80%
da carne bovina que consome. Já em maio do mesmo ano, a ministra da Agricultura Tereza
Cristina anunciou que visitou quatro populosos países da Ásia: Japão, China, Vietnã e Indonésia
com o objetivo central de ampliar as exportações brasileiras. O Brasil é o quarto maior
exportador de bovinos vivos do mundo, junto com Austrália, México e União Europeia. Possui
protocolos sanitários firmados com mais de 15 países e compromissos comerciais vigentes com
pelo menos 4 países: Egito, Turquia, Jordânia e Líbano.
Todavia, no início de 2018 deflagrou-se no Brasil um embate jurídico, social e legislativo
envolvendo o navio panamenho MV NADA que, atracado no porto de Santos/SP com 25.193 mil
bovinos com destino à Turquia, foi proibido de seguir viagem por decisão judicial, que impediu
também a exportação de animais vivos em todo o território nacional. Tal decisão foi suspensa
posteriormente pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região - TRF-3, sob o argumento de
lesão à ordem administrativa, à saúde e economia públicas, liberando a embarcação de seguir
viagem.
Este fato foi motivo de atenção da mídia, pecuaristas, juristas e organizações de defesa
animal, resultando em manifestações públicas e proposições legislativas visando a sua proibição,
fatos que merecem ser analisados para se investigar se esta prática viola a regra constitucional
da vedação de crueldade contra os animais, regra pela qual a nova ciência jurídica do Direito
Animal postula como marco inicial para sua autonomia científica, e que segue em franco
desenvolvimento constitucional, legal, jurisprudencial e doutrinário no Brasil.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou o pedido de proibição, concluindo com
10 (dez) votos favoráveis e 7 (sete) contrários à manutenção da prática. Em resumo, dos 10 (dez)
desembargadores que votaram a favor da manutenção da prática o argumento predominante foi
de ordem econômica, os outros 7 (sete) contrários afirmaram a irrelevância econômica da
prática para o PIB brasileiro bem como destacaram o caráter inerentemente cruel da prática em
relação aos animais e ao meio ambiente.
Conflitante e apertada as opiniões sobre esta atividade, pois, de um lado, se pleiteia a
proibição desta prática sob o argumento de ser inerentemente cruel aos animais, agressivo ao
meio ambiente e financeiramente irrelevante. De outro, defende-se a manutenção deste
comércio em razão do relevante percentual financeiro das exportações brasileiras e que se tem
investido em tecnologia para cumprir as normas de bem-estar animal.

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