Extinção da Punibilidade (Arts. 107 a 120)
Autor | Francisco Dirceu Barros |
Ocupação do Autor | Procurador-Geral de Justiça |
Páginas | 555-606 |
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Arts. 107 a 120
1. Extinção da punibilidade
1.1. Conceito de extinção da punibilidade
É o desaparecimento da pretensão punitiva
ou executória do Estado, em razão de especí cos
obstáculos previstos em lei. Não se deve confundir
extinção da punibilidade com condição objetiva
de punibilidade, condição negativa de punibilidade
(também denominada escusa absolutória) e com
condição de procedibilidade.
1.2. Condição objetiva de punibilidade
É a condição exterior à conduta delituosa, que,
via de regra, está fora do tipo penal e do elemento
subjetivo do agente, tornando-se uma condição para
punir. É causa extrínseca ao fato delituoso, não co-
berto pelo dolo do agente. Ex.: sentença declaratória
de falência, em relação aos crimes falimentares. É
chamada, também, de anexo do tipo ou suplemen-
to do tipo.
1.3. Condição negativa de punibilidade
(Escusa absolutória)
É uma escusa especial e pessoal, fundada em
razões de ordem utilitária ou sentimental, que não
afetam o crime, mas somente a punibilidade. Tem
efeito idêntico ao da condição objetiva de punibilida-
de. Ex.: art. 181, I e II, ou art. 348, § 2º, do Código
Penal (crimes contra o patrimônio e favorecimento
pessoal, respectivamente).
1.4. Condição de procedibilidade
É condição ligada ao processo, que, uma vez
presente, autoriza a propositura da ação. Ex.: repre-
sentação do ofendido nos crimes de ação pública
condicionada.
1.5. Causas gerais e especí cas
São gerais (comuns) as que se aplicam a todos
os delitos (por exemplo: morte, prescrição, etc.); são
especí cas (particulares) as que somente se apli-
cam a alguns tipos de delitos (por exemplo: retra-
tação do agente nos crimes contra a honra). Via de
regra, ocorrendo uma dessas causas, extingue-se a
possibilidade de o Estado impor uma pena ao agen-
te, embora remanesça o crime praticado. Há duas
exceções que permitem a exclusão do próprio delito:
anistia e abolitio criminis. Quando um fato deixa
de ser considerado criminoso (abolitio) ou o Estado
declara esquecê-lo (anistia), é natural que se afaste
a concretização do crime.
2. Casos que extinguem a punibilidade
2.1. Morte do agente
Como a responsabilidade penal é personalíssi-
ma, a morte do agente faz com que o Estado perca
o jus puniendi, não se transmitindo a seus herdeiros
qualquer obrigação de natureza penal.
2.2. O princípio mors omnia solvit
Noronha e Fragoso957 ensinam que a extinção da
punibilidade no caso de morte do agente decorre de
dois princípios básicos: mors omnia solvit (a morte
tudo apaga) e o de que nenhuma pena passará da
pessoa do delinquente.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Leia atentamente esta questão: “Fale sobre o
princípio mors omnia solvit”.
957 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 30. ed., v. 1., p.
334; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal:
Parte Geral. 4. ed., p. 400.
Capítulo 13
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CASO CRIMINAL
Posição divergente na doutrina é o seguinte caso:
1. O agente, estando processado, junta aos
autos, por meio de seu advogado, uma certidão
de óbito. O Juiz extingue a punibilidade. Poste-
riormente, descobre-se que a certidão é falsa.
Comocaaquestão?
Resposta:
1ª posição: O pressuposto da declaração da ex-
tinção de punibilidade é a morte e, como esta inexis-
te, a decisão não adquire a força de coisa julgada.
Destarte, o processo pode prosseguir, salvo a ocor-
rência de outra causa de extinção da punibilidade.
2ª posição: O pressuposto é a certidão falsa e
não a morte ctícia. Dessa forma, a sentença faz
coisa julgada formal e material, como qualquer outra
fundada em prova falsa. Como no Brasil não exis-
te revisão contra o réu, é impossível a reabertura
do processo, só restando a punição dos autores da
falsidade e do uso da certidão falsa (posição dou-
trinária dominante).
Minha posição: a primeira, a o despacho que jul-
gou extinta a punibilidade do réu, a vista de atestado
de óbito falso não pode fazer coisa julgada porque
foi baseado em fato juridicamente inexistente, não
produzindo quaisquer efeitos.
•É a posição dominante do STF: RTJ 93/986, HC
nº 55.091/SP; HC nº 60.095/RJ; HC nº 58.794/RJ.
•É também a posição dominante do STJ: HC
31.234/MG, HC 2003/0190092-8 – 5ª Turma, p. 198.
Obs.: a extinção da punibilidade pela morte do
réu é incomunicável ao corréu.
EXEMPLO PRÁTICO
2. “A” e “B” estão sendo processados por
homicídio. “A” morre. Pergunta-se: estando extinta
apunibilidadepara“A”,comocaasituaçãode
“B”?
Resposta: A morte do agente é incomunicável no
tocante aos coautores e partícipes; assim, o processo
continua em relação a “B”.
2.3. A questão da morte presumida
Quanto à morte presumida (prevista no Código
Civil), a doutrina divide-se. Nélson Hungria, Noro-
nha e Fragoso sustentam que, declarada a morte no
campo civil, pode-se aproveitar tal decreto no con-
texto criminal, extinguindo-se a punibilidade.958 Mire-
bete e Damásio seguem à risca o disposto no art. 62
do Código de Processo Penal, aceitando somente a
certidão de óbito para a extinção da punibilidade.959
Minha posição: a segunda. Na realidade, a
declaração da morte presumida só tem efeitos me-
ramente patrimoniais, não podendo, in casu, ser
usada para extinguir a punibilidade. (É a posição
doutrinária dominante).
3. Anistia, graça ou indulto
3.1. Anistia
Anistia é o esquecimento jurídico de uma ou mais
infrações penais.
Tem caráter retroativo (efeito ex tunc), é irrevogá-
vel e de natureza genérica, isto é, abrange fatos, e
não pessoas. Pode ser aplicada, em regra, a crimes
políticos (anistia especial), nada obstando que seja
aplicada sobre delitos comuns (anistia comum).
Tal procedimento não se aplica, porém, aos de-
litos referentes à “prática de tortura, o tráco ilícito
de entorpecentes e drogas ans, o terrorismo e os
denidos como crimes hediondos” (art. 5º, inc. XLIII,
da Constituição Federal).
3.1.1. A concessão da anistia
A anistia só é concedida por meio de lei editada
pelo Congresso Nacional. Possui efeito ex tunc, ou
seja, de forma retroativa, apagando o crime e todos
os efeitos da sentença, embora não atinja os efeitos
civis.
3.1.2. Competência para decretar a extinção
da punibilidade
Com a concessão da anistia, deve ser declarada
a extinção da punibilidade pelo Juiz da execução
penal.
958 HUNGRIA; NORONHA; FRAGOSO.
959 MIRABETE, Damásio.
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A Constituição Federal disciplina a lei concessiva
da anistia (CF/1988, arts. 21, XVII, e 48, VIII). Com-
pete ao Judiciário examinar seu alcance e fazer sua
aplicação. Assim estatui o art. 187 da Lei da Execução
Penal (LEP):
Concedida a anistia, o Juiz, de ofício, a requerimento
do interessado do Ministério Público, por proposta da
autoridade administrativa ou do conselho penitenciário,
declarará extinta a punibilidade.
3.1.3. Os efeitos da anistia
Tratando-se de lei descriminalizadora, pode ser
editada antes ou durante o processo ou, ainda, depois
da sentença condenatória. Da sua natureza de lei
descriminalizadora, dela deduzem-se os seguintes
efeitos:960
a) extingue a ação penal, posto que não pode pros-
seguir a pretensão punitiva acerca de um fato
que perdeu a tipicidade;
b) quando existir decisão condenatória, a anistia
eliminará a condenação e todos os seus efeitos;
c) persiste o direito dos particulares à indenização,
porque a descriminalização em nada afeta a res-
ponsabilidade civil;
d) a anistia não pode ser repudiada pelo beneci-
ário, porque os efeitos de uma lei que descrimi-
naliza operam-se de pleno direito (só pode ser
recusada quando condicionada);
e) a condenação por crime anistiado não pode ser
considerada para os efeitos da reincidência;
f) a condenação por delito anistiado não impede a
concessão do sursis;
g) a anistia do delito cometido pelo autor elimina
também a tipicidade da conduta dos coautores
e partícipes;
h) a parte da pena cumprida até a descriminaliza-
ção é considerada ao abrigo do direito vigente na
época de sua execução, de modo que não se
pode pedir a restituição da multa paga;
i) o autor pode se beneciar da anistia, sempre
que persista algum efeito da condenação, direito
que se estende a seus herdeiros, desde que nele
comprovem legítimo interesse;
j) a anistia não pode ser revogada.
960 ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de Direito Penal
Brasileiro: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
3.1.4. As formas de anistia
São as seguintes:
a) própria: concedida antes da condenação;
b) imprópria: concedida depois da condenação
irrecorrível;
c) geral ou plena: é a que menciona fatos, atinge
todos os criminosos;
d) parcial ou restrita: quando, mencionando fatos,
exige uma condição pessoal do criminoso, como,
por exemplo, ser primário;
e) incondicionada: quando a lei não impõe qualquer
requisito para a sua concessão;
f) condicionada: quando a lei exige o preenchimento
de uma condição para sua concessão. Ex.: que
os criminosos deponham as armas.
3.2. Graça e indulto
Graça ou indulto individual é a clemência destinada
a uma pessoa determinada, não dizendo respeito a
fatos criminosos.
Por que a terminologia graça ou indulto indi-
vidual?
Na Constituição Federal, existe uma contradição
terminológica. O art. 5º, XLIII, utiliza o termo graça
e o art. 84, XII, refere-se tão somente a indulto. En-
tendemos, portanto, que graça e indulto individual
são institutos semelhantes. Inclusive, a terminologia
indulto individual, no sentido de graça, aparece no
O indulto individual poderá ser provocado por petição
do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do
Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa.
3.2.1. Observações didáticas sobre indulto
ou graça individual
a) Trata-se de um tipo de “perdão” concedido pelo
Presidente da República.
b) O art. 84, parágrafo único, da Constituição Federal,
arma que:
O Presidente da República poderá delegar as atribuições
mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte,
aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da Re pú-
blica ou ao Advogado-Geral da União, que observarão
os limites traçados nas respectivas delegações.
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