A Extraterritorialidade Penal e o (Esquecido) 'Caso Corinthians' na Bolívia

AutorLeonardo Alves de Oliveira
CargoPós-graduando em Direito Constitucional e em Direito Administrativo. Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Assessor de Gabinete da 1º Vara de Família e Sucessões de Rondonópolis/MT
Páginas15-19

Page 15

1. Introdução

F oram motivo de grande alvoroço na América do Sul os fatos ocorridos envolvendo alguns torcedores do Sport Club Corinthians Paulista e o jovem torcedor do time de futebol San José, da Bolívia, em fevereiro de 2013, no jogo de estreia do time brasileiro em uma competição internacional.

É certo que um brasileiro, adolescente, de dezessete anos, já em solo brasileiro, assumiu a autoria da conduta delituosa que ceifou a vida do torcedor boliviano, também menor, de quatorze anos. Contudo, pouco se soube acerca de eventuais consequências penais aplicadas ao infrator, caindo o fato em total esquecimento.

O trágico episódio que culminou na morte de um menor boliviano e na prisão de doze brasileiros leva-nos a fazer diversos questionamentos que permanecem turvos e obscuros, mesmo sob as elucidações feitas pela mídia, mormente acerca da aplicação de penalidades no aludido evento catastrófico.

Assim, com o propósito de trazer a lume esclarecimentos no que

Page 16

se refere ao caso em apreço, sobretudo sob o prisma da visão do direito penal brasileiro e da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que apresentamos o presente artigo científico, no afã de compreender melhor a legislação pátria, sua aplicação aos fatos ocorridos no estrangeiro, tendo como norte o caso paradigmático ocorrido em Oruro, na Bolívia.

2. Desenvolvimento
2. 1 Breve escorço histórico (entendendo o caso)

Na noite de 20 de fevereiro de 2013, no Estádio Jesús Bermú-dez, em Oruro, Bolívia (a 230 km de La Paz, capital do país), ocorrera uma partida de futebol disputada pela fase inicial da competição popularmente chamada de "Copa Libertadores da América", que envolve times de vários países da América Latina, sendo que o jogo da referida noite foi entre o clube do Brasil, Corinthians, em face do time boliviano, San José.

Ocorre que durante o jogo de futebol, onde naturalmente havia torcedores de ambos os times, inclusive brasileiros que viajaram até a Bolívia para acompanhar sua equipe de preferência, foi disparado do meio de torcedores corintianos um artefato naval, do tipo sinalizador (não cabendo aqui discutir se o foi de modo doloso ou culposo), que teve seu trajeto direcionado a um grupo boliviano de torcedores, atingindo o rosto de um menor, de quatorze anos, que não resistiu aos ferimentos ocasionados e foi a óbito.

Diante dos fatos, foram presos doze pessoas, todos maiores e torcedores do time brasileiro, que estavam no aglomerado de pessoas na arquibancada de onde partira o disparo do sinalizador náutico, sob acusação de envolvimento da morte do garoto boliviano.

O caso gerou repercussão e comoção, inclusive envolvendo tentativas de acordos entre advogados brasileiros, o órgão de acusação competente boliviano e até mesmo de agentes diplomáticos dos dois países. Contudo, por ausência de provas, após seis meses de prisão, em junho de 2013, sete suspeitos foram liberados para voltar ao Brasil e, em agosto, os demais que ainda estavam detidos tiveram igual destino1.

Todavia, antes da liberação dos doze brasileiros que ficaram detidos, entre o final do mês de abril e início de maio daquele ano, um menor, também brasileiro, já aqui no Brasil, assumiu a autoria culposa (segundo relatou) do disparo que atingiu o menor boliviano em fevereiro e, ainda, prestou depoimento ao promotor boliviano responsável pela persecução penal do caso2.

A expectativa era que a assunção da culpa por parte do menor ajudasse os demais brasileiros que aguardavam presos na Bolívia, o que se concretizou já que poucos meses depois houve a liberação destes, por ausência de elementos probatórios, que volta-ram ao Brasil sem maiores danos ou penas, além do tempo que permaneceram encarcerados.

De igual sorte, o menor que confessou ser o autor do disparo de sinalizador naval que atingiu outro menor, boliviano, permaneceu no Brasil sem qualquer sanção.

Ora, a impunidade causa estranheza e repúdia quando a infração é confessada pelo agente, especialmente quando se refere a um fato deveras gravoso, homicídio, ainda que na modalidade culposa, sendo o ponto nodal que se pretende elucubrar com este trabalho.

2. 2 A extraterritorialidade e a garantia de punição dos crimes ocorridos no estrangeiro

O tema ora esmiuçado é deno-minado "lei penal no espaço" (que engloba o estudo da territorialidade e da extraterritorialidade) e tem como objetivo limitar as fronteiras de atuação da lei penal nacional, vi-sando evitar ou dirimir um conflito internacional de jurisdição.

Para isso, o diploma repressivo pátrio norteia a aplicação e a validade da norma penal com base em dois princípios centrais: a territorialidade, que foi adotado como regra pelo ordenamento jurídico penal, insculpido no art. 5º do Có-digo Penal (aplica-se a lei penal brasileira aos crimes ocorridos no território nacional) e a exceção, a extraterritorialidade, também chamada de territorialidade mitigada ou temperada, que, em suma, é a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos no exterior, preceito inserto no art. 7º do digesto penal.

De proêmio, importa-nos colocar em relevo que território é o local em que determinado Estado exerce sua soberania política. Tra-ta-se do espaço geográfico somado ao espaço jurídico (por equiparação ou ficção), ou seja, no caso do Bra-sil, além do espaço territorial delimitado pelas fronteiras com outros países, rios, lagos, mares interiores, ilhas e todo o subsolo, também é território nacional o mar territorial que tem uma faixa de 12 milhas marítimas de largura a partir do litoral e seu subsolo, a plataforma continental, medindo 200 milhas marítimas a partir do litoral brasileiro, todo o espaço aéreo acima de seu território, os navios e aeronaves de natureza pública, onde quer que estejam, assim como os navios e aeronaves...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT