A face oculta dos processos de integração

AutorCarla Maria Santos Carneiro - Germano Campos Silva - Lila de Fátima Carvalho Ramos
Páginas97-132

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No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as megaempresas.

Os novos senhores do mundo não têm necessidade de governar diretamente. Os governos nacionais são encarregados da tarefa de administrar os negócios em nome deles. (BAUMAN, 1999, p. 74)

O regionalismo ou os acordos regionais de integração não são novidade histórica. Almeida e Oliveira (2013) afirmam que alianças e pactos entre países ou Estados vizinhos datam de longos séculos e sempre foram recorrentes na busca de enfrentamentos bélicos e defesa mútua.

Os autores afirmam também que no plano económico o exemplo mais antigo de uma associação para defesa de interesses corporativos é o da Liga Hanseática (HANSA), que se constituiu numa aliança de mercadores das ci-dades-estados do mar do Norte e do mar Báltico e que manteve um extenso monopólio sobre o comércio naquela região por um longo período de tempo.

Almeida e Oliveira (2013) declaram ainda que anualmente e de forma crescente, grande parte do comércio internacional ocorre entre blocos comerciais ou são decorrentes de acordos regionais de integração e que tal fato configura a história económica das últimas décadas. Prova do alegado é o processo de integração que deu origem à União Europeia, cujo início na década de 1950

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com apenas seis membros e que, atualmente, comporta quase trinta países. O regionalismo avança e no que tange à América do Sul, os autores afirmam:

No contexto sul-americano, o Mercosul se destaca como a mais importante tentativa de constituição de um mercado comum entre países em desenvolvimento, num modelo que se pretende tendencialmente similar ao europeu, embora não tenha conseguido ainda alcançar a etapa de uma união aduaneira completa; quaisquer que sejam suas vicissitudes atuais, ele deve constituir a base de um possível espaço económico integrado na América do Sul, possuindo, inclusive, diversos outros acordos com parceiros distantes (África do Sul, Israel, Índia, entre outros). (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2013, p. 3)

Sobre as características dos blocos económicos e comerciais, os autores declaram ainda que eles se constituem para permitir cooperação entre parceiros voluntários para, num segundo momento, estabelecer as bases de um processo de integração. Nesse sentido, eliminam-se barreiras tarifárias e não alfandegárias recíprocas e definem-se regras de acesso e normas que visam estimular a complementaridade entre suas economias, ainda que tal fato possa se constituir numa possível discriminação de terceiros. Mas, ainda segundo Almeida e Oliveira (2013), um "novo regionalismo" está surgindo, vez que a vizinhança geográfica passou a ser relativa. No que são corroborados por Bauman (1999), o qual afirma que as distâncias já não importam e a ideia de uma "fronteira geográfica" está cada vez mais distante do "mundo real".

Almeida e Oliveira (2013) entendem ainda que esse "novo regionalismo" nasce em face dos novos intercâmbios globais que passaram a produzir volumes cada vez maiores de serviços que, por sua vez, prescindem totalmente de uma prestação de serviços local ou presencial. Possibilidade essa que, segundo Bauman (1999), somente acontece em face da mobilidade do capital favorecida pela velocidade da comunicação e informação,

Dentre todos os fatores técnicos da mobilidade, um papel particularmente importante foi desempenhado pelo transporte da informação — o tipo de comunicação que não envolve o movimento de corpos físicos ou só o faz secundária e marginalmente. Desenvolveram--se de forma consistente meios técnicos que também permitiram à informação viajar independente dos seus portadores físicos — e independente também dos objetos sobre os quais informava: meios que libertaram os "significantes" do controle dos "significados". (BAUMAN, 1999, p. 21)

Razão pela qual Almeida e Oliveira (2013) concluem pela existência de uma "terceira onda da globalização". Terceira onda essa que, segundo Bauman

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(1999), tem como característica primordial o "descompromisso" do capital com a "alteridade" local.

É que, de acordo com Bauman (2014), a contemporaneidade registra uma extraterritorialidade e leveza do capital como nunca vista antes. Leveza e extraterritorialidade essas que implicam num total descompromisso com as populações locais, a ponto de chantagear agências políticas e submeterem-nas às suas demandas, já que uma simples ameaça de mudança implica numa possibilidade de desinvestimento.

Bauman (2014) afirma ainda que o capital líquido, porque leve e extraterritorial, se livrou do entulho do maquinário volumoso e das enormes equipes de fábrica, e agora viaja apenas "com a bagagem de mão — pasta, computador portátil e telefone celular".

De acordo com o autor,

[...] o novo atributo da volatilidade fez de todo compromisso, especialmente do compromisso estável, algo ao mesmo tempo redundante e pouco inteligente: seu estabelecimento paralisaria o movimento e fugiria da desejada competitividade, reduzindo a priori as opções que poderiam levar ao aumento da produtividade. (BAUMAN, 2014, p. 189)

Bauman (1999) afirma ainda que essa volatilidade é muito similar à liberdade que os antigos proprietários ausentes gozavam em relação à negligência para com as necessidades das populações que os alimentavam. Não obstante, conclui que a liberdade de preocupações e responsabilidade adquirida pelo "capital móvel" no final do século XX, é infinitamente superior aos proprietários ausentes de outrora.

Isso, porquanto, como antes não se podia trocar uma propriedade fundiária pela outra, as pessoas precisavam necessariamente se conhecer e reconhecer, dessa forma o relacionamento estabelecido era obrigatório e dele o encontro da alteridade, da qual nascia a possibilidade de se reduzir as diferenças por meio do uso da força ou acolhendo-se o desafio da comunicação, cujo empenho era constantemente renovado (BAUMAN, 1999).

Fato esse não verificado com o "capital móvel", o qual sempre visa locais mais pacíficos se o compromisso com a "alteridade" exigir uma aplicação dispendiosa da força ou negociações cansativas. Já que "não há necessidade de se comprometer se basta evitar" (BAUMAN, 1999, p. 18).

E conclui dizendo que essa habilidade em "desaparecer" ou a estratégia do desvio e da prontidão e capacidade de fuga, se necessária for, é o núcleo

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de uma nova política de desengajamento e descomprometimento, sinais de saber e sucesso gerenciais (BAUMAN, 2014).

Neoliberalismo e Estado mínimo

Segundo Soares (2011), a tendência de dissolução da soberania do Estado nacional em favor de instituições supranacionais é irreversível. De acordo com o autor, a nova ordem internacional e a globalização económica entronizaram um modelo de Estado mínimo, neoliberal, onde se transfere para a sociedade civil os ónus das prestações do Estado.

Para Dallegrave Neto (2002), o ideal neoliberal foi imposto a partir da decadência do Welfare State (Estado do Bem-Estar), aquele que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Ainda de acordo com o autor, essa decadência ocorreu em face do endividamento interno e externo das nações e da alta inflação dos países em desenvolvimento.

A solução encontrada, portanto, foi impor um novo modelo estatal, no qual se garantisse a presença mínima do Estado, uma lei de mercado que se sobrepusesse à lei do Estado, a submissão do social ao económico e a garantia do ataque ao sindicalismo de combate. Pois, como diria Bauman, "Um governo dedicado ao bem-estar de seus cidadãos tem pouca escolha além de implorar e adular, e não pode forçar o capital a vir e, uma vez dentro, a construir arra-nha-céus para seus escritórios em vez de ficar em quartos de hotel alugados por dia" (BAUMAN, 2014, p. 188).

Nasceu assim o Estado Neoliberal, o qual teve como primeiros governantes Margareth Thatcher (1979) e Ronaldo Reagan (1980), e recebeu adesão maciça das demais nações após a queda do Muro de Berlim (1989), sendo que a adesão do Brasil e demais países da América Latina ocorreu em 1989.

À época, totalmente endividados, os países da América Latina buscaram socorro junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), os quais condicionaram empréstimos a medidas neoliberais, tais como: privatização, queda de barreiras alfandegárias, livre circulação de bens, serviços e trabalhadores, facilitação de capital especulativo internacional; bem como desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, dando-se início, então, à denominada flexibilização do Direito do Trabalho.

Dessa forma, de acordo com Dallegrave Neto (2002), o Neoliberalismo marcou a sociedade pós-moderna com três características: macroeconomia, assim entendida como a financeirização e mundialização do capital; globalização

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da mídia, do consumo e da mão de obra; e a perda da soberania nacional em face da hegemonia dos blocos regionais.

Segundo Bauman (2014),

[...] na prática, isso significa baixos impostos, menos regras e, acima de tudo, um "mercado de trabalho flexível". Em termos mais gerais, significa uma população dócil, incapaz ou não desejosa de oferecer resistência organizada a...

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