"Fala aí, freguês!": Estratégias de Comunicação na Feira Livre de Itapetinga-Bahia

AutorMoisés dos Santos Viana - Pinto de Odilon Mesquita Filho - Jussara Tânia Silva Moreira
CargoDocente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB -DCHT-Eunápolis-BA). - Docente do Curso de Mestrado de Cultura e Turismo da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). - Docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB-DEBI-Itapetinga-Ba
Páginas93-110

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“Fala, freguês!”: Estratégias de Comunicação na Feira Livre de ItapetingaBahia

“Speak, freguês!” Strategies of communication in “open air fairs” of ItapetingaBahia.

Moisés dos Santos Viana1

Odilon Pinto de Mesquita Filho2

Jussara Tânia Silva Moreira3

Este artigo tem como objetivo apresentar uma descrição das estratégias de comunicação na feira livre de ItapetingaBahia enquanto enunciação (trocas enunciativas). Para tanto, fezse uma incursão no espaço de trocas econômicas, observando e ouvindo as formas orais e as imagéticas que se sucedem nesse local. Percebese que a feira livre apresenta características prémodernas como a ausência de placas escritas, por exemplo, desenvolvendo estratégias comunicacionais típicas. Ademais, as formas de comunicação dos seus agentes, nesse espaço, evidenciam o habitus, determinador das falas e constitutivo de um mercado cheio de tensões. Feira livre. Estratégias de Comunicação. Habitus.

This article aims to present an overview of communication strategies at the “open air fairs” of ItapetingaBahia, as like enunciation (trading enunciations). For that, there is an incursion in the space of economic exchange, watching and listening to oral and imagetic forms that succeed there. It is noticed that the “open air fairs” shows premodern features as the absence of written signs, for example. Moreover, the form of communication of its agents, in this space, shows the habitus, determiner of speech and constitutive of a market full of tensions.

Open air fairs. Habitus. Strategies of communication.

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1 INTRODUÇÃO

Coberta em 1992, a feira livre de ItapetingaBahia se localiza entre a Central 1 e Central 2 de Abastecimento, no bairro São Francisco, próximo ao centro da cidade, ao lado o rio Catolé, que corta o espaço físico da comunidade. Nas adjacências da feira concentramse supermercados, restaurantes e bares, formando o “estômago da cidade”, pois dali saem os alimentos para maior parte da população do município. Funcionando no horário comercial de segundafeira a sábado, há uma construção comunicativa (trocas enunciativas)4 para compra e venda de mercadorias que se realizam nesse universo da feira livre. As expressões da cultura popular acontecem nos espaços da comunidade, possibilitando a troca de informações e de idéias formadas pelo habitus que Bourdieu (1997, p. 22) vai chamar de “princípio gerador de práticas”.

Os processos econômicos de compra e venda de mercadorias, que determinam os espaços e promovem a possibilidade de interação entre sujeitos sociais, acontecem na comunidade pelo habitus, criando comunicação e interrelações entre diversos sujeitos. No entanto, essa ligação é de natureza conflituosa e aparece na linguagem que se manifesta na forma de transação mecadológica de produtos (frutas, legumes, hortaliças, utensílios, derivados de farinha, artesanato, derivados de leite, lanches). Desse modo, nessa análise, desejase reponder o seguinte problema: Quais as estratégias de comunicação na feira livre de Itapetinga? Por isso, o objetivo desse artigo é apresentar uma análise das estratégias de comunicação na feira livre como trocas enunciativas (estratégias comunicacionais). Para tanto, fezse uma abordagem exploratória na feira livre, entrevistando os feirantes, retratando o espaço tal como se apresenta e observando as formas de comunicação entre feirantes e clientes.

A pesquisa foi feita na feira livre de Itapetinga, por duas semanas, divididas em visitas cotidianas, com mais frequencia nas quintasfeira, sextasfeira e sábados do mês de abril de 2009. Buscouse levantar os aspectos comunciacionais deste local formada pela “Central de Abastecimento 1”, apelidade de “Central”, a Feira Livre e a

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“Central de Abastecimento 2”. A escolha por esses dias se justifica por causa do movimento intenso nesses período, quando tradicionalmente as pessoas recebem o salário semanal e vão comprar seus mantimentos, inclusive com a presença de pessoas oriundas da zona rural, intensificando o número de fregueses nas ruas do centro e adjacencias à feira livre.

Desse modo, a pesquisa “[...] visa proporcionar maior familiaridade com o problema tendo em vista tornálo explícito [...]” (SILVA; MENEZES, 2005, p. 21). Recorrese na coleta de informação à entrevista (gravada), solicitando diretamente dos sujeitos da pesquisa seu discurso, capturando no processo da fala. “Tratase, portanto, de uma interação entre pesquisador e pesquisado” (SEVERINO, 2007, p. 124). Além do mais, fezse uma entrevista nãodiretiva, apreendendo o enunciado através das expressões livres do sujeito com estímulos para o depoente: “De preferência, deve praticar um diálogo descontraído, deixando o informante à vontade [...]” (idem, p. 125). Em um universo de sete sujeitos no total, numa amostra nãoprobabilística por intencionalidade ou julgamento, onde a amostragem é feita por critérios de ordem prática, ou seja, recrutando feirantes que quisessem se manifestar acerca da forma como vendem seus produtos. Os critérios de julgamento foram feitos a partir do problema levantado e dos objetivos dessa pesquisa (SILVA; MENEZES, 2005). Aproximandose dos sujeitos nos dias suparcitados, apresentouse o obejtivo da pesquisa e solicitação para gravar a conversa que se iniciara. De uma forma descontraída, os feirantes descreveram como fazem para vender suas mercadorias, como abordam seus fregueses e como se sentem nessa relação. Em outros instantes, ainda, observouse a fala e ações dos feirantes no tratamento com os traseuntes/compradores na feira livre. Os nomes e identidades dos entrevistados foram preservados e classificados em letras A, B, C, D, E. Após isso, esses enunciados foram trasncritos e ordenados de forma crescente em quatro blocos 1, 2, 3, 4, possibilitando a análise que se segue abaixo.

O artigo, em primeiro lugar, apresenta os aspectos da cultura e da comunicação popular e o local da feira livre, enquanto habitus. Em seguida, apresentase as estratégias de comunicação pela inscursão na feira livre, análise dos enunciados e apresentaçãos das estratégias comunicacionais.

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2 ASPECTOS DA CULTURA E DA CULTURA POPULAR: A FEIRA LIVRE

A questão da cultura é ampla e complexa, e por isso, para melhor abordagem metodológica, escolhese o caminho de compreender a cultura como produção humana, constitutivo da sociedade, determinadora dos aspectos essenciais das expressões do ser humano. Assim sendo,

a obra cultural corresponde a uma „visão do mundo’ que exprime e estrutura as aspirações dos demais membros do grupo com que o criador se identifica, porque a sua actividade se desenvolve no interior do campo de subjectividade criado pela prática social do seu grupo de referência. Há assim, uma homologia entre a dimensão material (experiência existencial) e a dimensão ideal (saber constituído), constatase uma homologia entre estruturas mentais e estruturas de classe (GONÇALVES, 1998, p. 4).

Temse, então, uma abordagem da cultura enquanto processo dialético entre o fazer e o pensar, um extrato físico e extrato mental (GONÇALVES, 1998, p. 3). A ação evidencia como a cultura é construída como elemento humano e prático, que no seu conjunto de obras Bourdieu chama de habitus. Ou seja, uma série de condições que geram cultura: “[...] habitus tornase uma espécie de matriz geradora de esquemas de ação e percepção social que, sob a ilusão da naturalidade, parecem ao indivíduo como absolutamente corretos e coerentes” (MARTINO, 2003, p.75). Assim, as pessoas assimilam a situação de sua classe social e a expressam nas práticas cotidianas e extraordinárias, matrizes diversas, ações reguladas e atitudes num contexto específico. Tais ações sociais se apresentam no sujeito como conseqüência de ações anteriores fundamentadas, objetivas e preexistentes: “O habitus funciona como um princípio gerador, organizador e unificador das práticas, dos discursos, das representações, tanto ao nível do agente quanto ao nível do grupo ou da classe social” (GONÇALVES, 1998, p. 4). Desse modo, há uma dualidade das formas culturais, que são as práticas culturais (produção cultural), concomitante aos discursos; além disso, há a práxis do cotidiano, que amplia a condição de expressão da cultura como parte dos aspectos sociais humanos.

A formação do habitus se faz de modo imprevisível, não é mecanicamente fruto do processo estímuloresposta (históriaindivíduo) e o conhecimento situacional dessa relação. Há na formação do habitus uma seleção fragmentada, e

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particularizada, interessada, mas que se faz espontânea, estimulada a certas condições convencionais percebidas e executadas pelos agentes aptos para a ação (BOURDIEU, 2003, p.239): “O habitus é um princípio de ação muito econômico”5, ele assegura economia investigativa e “averiguativa”, de tempo e de espaço para realização da ação. Assim sendo, a concepção da cultura como sendo um habitus leva a inquirir sobre as diversidades de manifestações culturais, especificadas no contexto da...

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