Família com multiparentalidade é constitucional?

AutorDávio Zarzana
Páginas153-194
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FAMÍLIA COM MULTIPARENTALIDADE É
CONSTITUCIONAL?
Dávio Zarzana1
Sumário: 1. Questões-objeto do presente artigo – 2. O que é multiparentalida-
de? – 3. Preliminares: 3.1 Estamos no debate – o que dizem os que aceitam a
multiparentalidade como natural e constitucional? – 4. Quanto a outro aspecto
desse assunto: a adoção – 5. Mudando cenário: que tem a ver o Preâmbulo da
nossa Constituição com o assunto?: 5.1 Continuando com a Constituição Fe-
deral em pontos de seu art. 5º; 5.2 E o art. 6º da Constituição Federal?; 5.3 E
quanto ao art. 203 da Constituição Federal?; 5.4 E quanto ao art. 226 e seu teor
de nossa Constituição Federal? – 6. Provimento 63/2017 do CNJ – 7. Conselho
Federal de Medicina – 8. Diversidades, opostos e opções – “os choques” – 9.
Respostas finais – Referências bibliográficas.
1. Questões-objeto do presente artigo
1. Advogado formado pela USP em 1967. Economista e Contador pela Faculdade de
Economia de Marília. Ex- Gerente da Price Waterhouse na área Tributária. Ex-Ge-
rente Geral Jurídico da Owens Corning Fiberglass e outras grandes empresas. Au-
tor de vários livros sobre Direito Tributário, Previdenciário e Trabalhista. Partici-
pante de Comitês da American Chamber of Commerce e membro da UJUCASP.
6. A multiparentalidade (dois pais, duas mães, oito avós) viola o princípio
constitucional do melhor interesse das crianças e adolescentes?
6.1. O procedimento administrativo de registro civil da multiparentalida-
de, regulado pelo CNJ, é inconstitucional?
6.2. A procriação assistida pode ser regulada exclusivamente por normas
de deontologia (CFM) e por órgão de controle e fiscalização das atividades
cartorárias (CNJ)?
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UJUCASP
2. O que é multiparentalidade?
“Este termo é composto pelo prefixo “multi” ou “plu-
ri” que significa “múltiplos, numerosos” + substantivo “paren-
talidade” que consiste no “estado ou condição de quem é pai ou
mãe” (referente ao DICIONÁRIO PRIBERAM, 2013).”
Concordo com uma definição de Karina Azevedo Simões
de Abreu, que assim afirma: “trata-se da possibilidade jurí-
dica conferida ao genitor biológico e/ou do genitor afetivo de
invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade
para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vín-
culos parentais.”
Ou seja, simploriamente falando, refere-se à existência
de um vínculo dito familiar, no qual uma pessoa se liga a “tal
grupo familiar” com outro pai ou outra mãe, com todos os di-
reitos e deveres inerentes à essa nova família.
Multiparentalidade é na verdade a constituição de paren-
tes juridicamente ligados e reconhecidos e registrados como
tal, por vínculos de afetividade, sob a égide do princípio de
dignidade humana.
3. Preliminares
De início, já se afirme que a palavra multiparentalidade
não constava de nossos bons dicionários da língua portuguesa,
pelo menos até a maior parte do século passado.
Dir-se-á que a evolução dos costumes e da linguagem tem
o poder de criar palavras significando novas realidades, que
tudo evolui e deve ser registrado, para atualizar-se e refletir
essas novas realidades reconhecidas.
Lógico que nem tudo que evolui, evolui para melhor, ou
para melhores valores. Analogicamente, citem-se os padrões
de descrição médica: existe a evolução de “quadro clínico de
pacientes” ora para melhor, ora para pior, nas UTIs e nem se
diga que todo o jargão e expressões chulas dos que se viciam
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UJUCASP
em drogas ou prática de crimes devam ser contemplados nos
dicionários, pena de deteriorarem-se costumes, facilitando-se
aceitá-los como se fossem costumes normais ainda que fora
do contexto original deles.
1º tempo: “O tempora, o mores”, invocando o tribuno Cí-
cero, da antiga Roma, com sua permissão, porque vivemos em
tempos difíceis, turbulentos, estranhos e cada vez mais agres-
sivos, onde cada indivíduo aparentemente quer poder tudo
e plasmar a sociedade a seu modo de ser, inclusive tentando
impor aos demais essa sua “onipotência” libertária de se con-
duzir e aparecer como bem entenda. Dizem que a mudança
de gerações agora não é mais de 20 em 20 anos, mas de 5 em 5
anos (“aceleraram o mundo”).
2º tempo: Continuando – na linha temporal, se se pudes-
se ter perguntado no ano de 1990 aos Constituintes que elabo-
raram a Constituição, qual a resposta à primeira indagação (6
caput), certamente a grande maioria afirmaria que viola sim o
melhor interesse das crianças e dos adolescentes.
Outro tempo: Agora, se perguntar e o faço hoje a vocês
que me leem, o que se entende por moral e bons costumes,
muitos dirão coisas bastante diversas, outros não conseguirão
responder, outros afirmarão que cada qual tem seu modo de
ser e viver e outros até dirão que este tema nada tem a ver com
o Direito Constitucional, porque a CF assegura a todos a digni-
dade humana e assim cada qual pratica a moral e costumes que
considere justos e válidos!
Premissa a ser considerada: A existência de pessoas que
se interessam e desejam ser pais ou mães afetivos e o fazerem
até melhor que os biológicos, justifica que se equiparem jurí-
dica e faticamente, formas de multiparentalidade, ao ambien-
te e a uma mesma segurança da família tradicional? É pelo
fortalecimento de famílias e grupos dentro da proteção do
direito, que se atende o melhor interesse das crianças e ado-
lescentes? A insistência na multiparentalidade como solução e

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