Fase instrutória do procedimento para pagamento de quantia

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas243-420
CAPÍTULO 03
FASE INSTRUTÓRIA DO PROCEDIMENTO
PARA PAGAMENTO DE QUANTIA
1. A PENHORA
1.1 Advertência inicial: mesmo regime jurídico da penhora na execução por
cumprimento e por processo autônomo
As pequenas diferenças procedimentais da execução por cumprimento de
sentença da que se realiza por processo autônomo terminam na fase postulatória.
Com o início dos atos de constrição do patrimônio, da penhora em diante, ambas as
modalidades se valem das regras existentes na Parte Especial, Livro II do CPC. Assim,
o que aqui será dito para um modelo servirá também para o outro, salvo eventuais
particularidades que, se forem dignas de diferença, serão realçadas no texto.
1.2 Propriedade, patrimônio, responsabilidade patrimonial e penhora
1.2.1 A propriedade do devedor sobre bens e valores que integram o seu
patrimônio
O art. 391 do CCB combinado com o art. 789 do CPC dizem muito sobre o modo
de ser da atividade jurisdicional executiva. Segundo o art. 391 “pelo inadimplemento
das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Eis aí a chave para entender a
execução para pagamento de quantia.
Sabe o devedor, desde o momento que é instaurada a relação jurídica obrigacio-
nal que seu patrimônio responderá caso não realize o adimplemento da prestação.
Esta é a consequência do inadimplemento. Não que em determinados casos, como
nos deveres de fazer e de não fazer e de entrega de coisa, não possa o credor exigir,
prioritariamente, que o devedor realize a própria prestação inadimplida, mas a ri-
gor, sabe o devedor que, ocorrido o inadimplemento, incide a garantia geral de toda
relação obrigacional: a sujeitabilidade do seu patrimônio.
Sem descurar a evolução – e humanização – do conceito de patrimônio a partir
da constitucionalização do direito civil, tomemos aqui por patrimônio do devedor,
em sentido clássico o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos,
economicamente apreciáveis, de determinado sujeito.
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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE • MARCELO ABELHA RODEGUES
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1.2.2 Inadimplemento da obrigação e sujeição do patrimônio do devedor:
retirar do executado e dar para o exequente
Partindo desta premissa, quando se diz que o patrimônio do devedor responde
pelo inadimplemento, o que se quer af‌irmar é que o devedor perderá, em proveito do
credor, por meio da execução forçada, a propriedade que possui sobre determinado
bem dotado de valor. Isso mesmo, quando o art. 391 diz que “pelo inadimplemento
das obrigações respondem todos os bens do devedor” está claro que bens do devedor
são bens que te pertencem e que sejam dotados de valor econômico.
O direito de propriedade que o devedor tem pelas suas coisas e direitos, que
integram o seu patrimônio, será atingido pela execução forçada que o expropriará
no limite da dívida inadimplida para satisfazer o credor. O Estado juiz tirará o que
é do devedor e dará ao credor. Tirar a propriedade de um e dar ao outro no exato
limite do crédito inadimplido.
Obviamente que não poderia o credor valer-se de autotutela para retirar do
patrimônio do devedor o numerário suf‌iciente para satisfazê-lo. Conquanto o deve-
dor tenha que sujeitar o seu patrimônio ao direito potestativo [sujeição e poder da
responsabilidade patrimonial] de excussão do credor, isso não pode ser feito senão
por meio do processo judicial.
É de se observar, no entanto, que a sujeitabilidade do patrimônio do executado
mais parece uma nuvem que sombreia todo patrimônio do executado, mas apenas
um (ou alguns ou todos) bens e direitos de propriedade do devedor é que serão ex-
propriados. A responsabilidade patrimonial é a sujeição abstrata de todo patrimônio
do devedor para satisfação do crédito inadimplido.
1.2.3 Os limites políticos: o que não pode ser expropriado do executado
Entretanto, é preciso fazer uma advertência. Não é todo patrimônio do deve-
dor que se encontra vinculado a esta sujeitabilidade abstrata, ou seja, nem todo o
patrimônio do devedor responderá pela dívida inadimplida como faz crer o art. 391
do CPC. É que existem bens e direitos de propriedade do devedor que estão imunes
a esta responsabilidade, conf‌igurando o que conhecemos como limites políticos da
execução.
A maior parte destas limitações políticas se manifesta em imunidades legais sobre
o patrimônio do devedor, embora também possam existir limitações ou restrições
aos atos executivos propriamente ditos que, por exemplo, f‌iram direitos humanos
fundamentais, como, por exemplo, a proibição da prisão civil como método coer-
citivo para compelir o devedor a cumprir a obrigação.
Boa parte das limitações políticas à atividade executiva se perfazem hoje me-
diante criação legislativa de imunidades ao patrimônio do devedor, sob fundamento
de que estar-se-ia protegendo sua família, sua dignidade etc.
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CAPítulo 03 • fASE INStrutórIA do ProCEdImENto PArA PAgAmENto dE quANtIA
Recorde-se que a partir da Lei Poetelia/Papiria (326 AC) apenas os bens do devedor
podiam ser dados em garantia de um crédito, ou seja, com a referida lei promulgada
pelos Consules Eleitos Lúcio Papírio Cursor e Caio Petélio Libo Visolo tornava-se
vedada a garantia de uma dívida com a escravidão ou com a vida de quem quer que
fosse. Esta famosa lei estabeleceu um divisor de águas na atividade executiva, posto que
f‌irmou a passagem da responsabilidade pessoal para a responsabilidade patrimonial.
Desde então, o próprio legislador passou a estabelecer limitações à execução
criando imunidades ao patrimônio do executado. Não é apenas a dignidade do deve-
dor e de sua família as únicas justif‌icativas pelas quais o legislador estabelece restri-
ções à responsabilidade patrimonial afastando alguns bens do devedor da atividade
executiva. Uma singela análise do rol do artigo 833 [bens impenhoráveis] deixa isso
evidente. Observemos o artigo 836 do CPC que expressamente deixa evidente que
razões de ordem pública ligadas à própria ef‌iciência (axioma lógico e econômico do
processo) não justif‌icam a expropriação de bens do devedor “quando f‌icar evidente
que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo
pagamento das custas da execução”.
Como dito, estas “escolhas políticas” tanto podem estar em norma constitucio-
nal, como infraconstitucional. Assim, segundo o inciso LXVII do artigo 5º da CF/88
não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. Aqui há uma limitação política
à prisão como meio executivo.
Da mesma forma o artigo 100 do CPC estabelece uma espécie de execução não
forçada protegendo o patrimônio do executado quando este for a fazenda pública
ao dizer que “os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais,
Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos,
proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este f‌im”.
1.2.4 A imunidade patrimonial pode ser objeto de convenção processual?
Ainda em relação às limitações políticas à execução, embora este assunto já tenha
sido mais festejado e com o tempo tenha perdido o seu ímpeto após a promulgação
do CPC, há quem sustente que as partes da execução poderiam estabelecer negócios
jurídicos processuais cujo objeto fosse restrições à atividade executiva, como, por
exemplo, subtração de bens do devedor da responsabilidade patrimonial.1
Obviamente que não somos contra a autonomia da vontade e o livre arbítrio
das partes em entabular convenções processuais em matéria de execução como por
1. A respeito ver ainda o item 1.2.5.3.5 “A” infra, onde tratamos da análise da hipótese de “impenhorabilidade”
do art. 833, I do CPC.
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