Fases do processo que levam à escolha esclarecida, o direito à informação e o correlato dever de informar

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Páginas159-198
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FASES DO PROCESSO QUE LEVAM
À ESCOLHA ESCLARECIDA, O DIREITO
À INFORMAÇÃO E O CORRELATO
DEVER DE INFORMAR
Em face de todas as particularidades expostas nos capítulos anteriores, verif‌ica-se
que o paciente, para que faça uma escolha esclarecida, deve passar – em maior ou menor
medida, de acordo com as circunstâncias concretamente consideradas – por um pro-
cesso informativo e de esclarecimentos que o levará a essa escolha e, se optar por um
determinado caminho que envolva uma atuação médica, emitirá o seu consentimento.
Assim, não basta ao médico estar tecnicamente apto ao exercício da sua prof‌issão,
o que se presume por sua formação e manutenção de registro prof‌issional. Ele deve ter
preparo (ou delegar para quem o tenha, quando e na medida do que for possível) para
verif‌icar se o paciente (ou terceiro a ele vinculado, como um apoiador ou representante)
tem condições de passar por esse encadeamento informativo e de esclarecimentos e, sub-
sequentemente – estando ele apto a recebê-las –, prestar informações e esclarecimentos
adequados, suf‌icientes e claros aos utentes ou aos seus representantes legais, ao tempo,
modo e local adequados; permitindo (quando admissível e em especial no atendimento
eletivo) que estes façam as suas escolhas cabíveis e que elas sejam fruto de maturação,
no que isso for possível. A informação serve para o cumprimento dessa f‌inalidade.
Esse dever tem sua gênese na lei, na boa-fé objetiva, na conf‌iança e no dever de
cuidado, e o processo informativo-decisório ocorre em algumas fases, sendo a primeira
o esclarecimento para o exercício da autodeterminação e a segunda, composta pelo
esclarecimento terapêutico aos que optaram por decidir.
Quando esta obra menciona o processo de escolha esclarecida, quer referir a todo
encadeamento que envolve o repasse de informações e esclarecimentos ao destinatário,
que propiciará a tomada de uma decisão (a escolha esclarecida propriamente dita), que
também é designado como processo informativo-decisório.
O dever de informar (abrangendo os esclarecimentos) é do médico, embora se saiba
que, na atualidade, é cada vez mais comum o atendimento realizado por equipes multi-
disciplinares, passando a ser admitido que a informação seja repassada ao destinatário
por membro (médico) da equipe de atendimento, sob a responsabilidade do prof‌issio-
nal que realizará o atendimento ou o procedimento. Caso, na equipe, haja diferentes
especialidades atuando em conjunto, cada uma deverá ter um prof‌issional habilitado
a transferir as informações que sejam pertinentes à sua especialidade, admitindo-se,
CONSENTIMENTO DO PACIENTE NO DIREITO MÉDICO • FLAVIANA RAMPAZZO SOARES
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doutrinariamente, a possibilidade de que a equipe de enfermagem possa auxiliar nos
esclarecimentos a esse destinatário1.
Com o desenvolvimento tecnológico, será cada vez mais comum o uso de sistemas
informáticos que apresentarão as informações ao paciente. Nesse caso, será fundamen-
tal a passagem por uma etapa posterior não automatizada e com o acompanhamento
técnico mencionado no parágrafo anterior, destinada à conferência quanto ao conteúdo
das informações recebidas, os esclarecimentos necessários, bem como a sua compre-
ensão e apreensão por parte do destinatário, para que esse passo possa ser considerado
admissível e adequado.
Tenha-se em mente, convém repetir, que o processo informativo-decisório tem
como sujeito a pessoa que deliberará, a envolver o paciente (que pode solicitar que as
informações também sejam prestadas à pessoa de sua conf‌iança que venha a indicar,
a qual o auxiliará na sua deliberação2), ou quem o represente. Com isso, estabele-
cer-se-á se haverá, por parte do paciente, um consentimento, um dissentimento, uma
postergação da decisão ou, ainda, uma transferência da faculdade de decidir a terceiro;
ou, a quem seja sujeito à representação, uma autorização, uma não autorização, uma
postergação da decisão ou, quando isso for possível, uma transferência do exercício
dessa faculdade decisória (o que ocorre, por exemplo, quando o representante do
paciente pede ao médico que este def‌ina o tratamento a ser prestado). Tratando-se
de situação na qual haja tomada de decisão apoiada, o apoiador igualmente deverá
participar desse processo. Com essa def‌inição, tem-se o destinatário das informações
e o titular do direito de ser informado3.
O ideal é que o repasse de informações seja realizado de forma individualizada.
Porém, se for feito concomitantemente para mais de um paciente, há estudo indicando
um nível semelhante de ef‌iciência em comparação com os provenientes do repasse
1. PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento..., cit., p. 360-367. No mesmo sentido, BERGSTEIN, Gilberto.
A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 128-131.
2. “O dever de sigilo não será violado no caso, de resto frequente, de o próprio paciente se fazer acompanhar nas
consultas por um familiar (cônjuge ou f‌ilho), assim dando tacitamente ao médico o direito de partilhar com esse
terceiro as informações de carácter clínico. Este esclarecimento à família pode, de resto, ser um fator de motivação
do próprio paciente para a compliance, isto é, para seguir os tratamentos com uma atitude positiva e de vontade
de superar a própria doença.” PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento..., cit., p. 209.
3. Informar é diferente de esclarecer. O primeiro é o conteúdo de um determinado conhecimento, e o segundo é o
“seguimento de questões colocadas pelo credor da informação”, ou seja, um detalhamento dirigido à comple-
mentação da informação ou à dissipação de dúvidas.
Por esse motivo, tem-se que toda referência feita nesta obra ao processo de escolha esclarecida e aos seus compo-
nentes não se refere unicamente ao paciente, mas, sim, a quem for o destinatário das informações e da decisão.
Nas referências ao dever de informar e ao processo informativo incluem-se os esclarecimentos, o que é feito para
evitar repetições que carregam o texto.
Conforme Moreira da Silva: “É possível distinguir conceptualmente dever de esclarecimento de dever de informa-
ção. Enquanto o primeiro pressupõe um cumprimento espontâneo por parte do devedor, o segundo refere-se ao
dever de prestar informações no seguimento de questões colocadas pelo credor da informação. Neste trabalho, no
entanto, não vamos explorar esta diferença. O regime jurídico do dever de informação será, em regra, idêntico ao
do dever de esclarecimento, pelo que trataremos ambos sem distinção, incluindo o conceito de esclarecimento no
de informação, visto aqui em sentido amplo”. MOREIRA DA SILVA, Eva Sónia. Da responsabilidade pré-contratual
por violação dos deveres de informação. Coimbra: Almedina, 2003. p. 70.
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5 • ESCOLHA ESCLARECIDA, O DIREITO À INFORmAÇÃO E O CORRELATO DEVER DE INFORmAR
individual4, sendo essa medida admissível, desde que sejam atendidos os critérios infor-
mativos especif‌icados no Capítulo 5.5 e que o destinatário tenha a oportunidade, caso
queira, de passar por uma etapa adicional de esclarecimentos específ‌icos que entenda
ser convenientes para uma correta decisão. Adicionalmente, deverão ser evitados os
procedimentos de repasses coletivos de informações, quando isso expuser o paciente
à disseminação da informação de uma condição de saúde que é pessoal (informação
sensível, portanto) e que o próprio utente não queira compartilhar.
Embora o paciente tenha o direito de ser informado, e o médico tenha o dever de
informar aquele que aceite receber as informações porque pretende participar desse
processo material de tomada de decisão, é certo que o paciente também tem o direito
de não querer recebê-las5. Ao não ser informado, o paciente deve ser alertado a respeito
dos riscos envolvidos nessa decisão, bem como se deve verif‌icar se ele deixará a decisão
quanto aos aspectos técnicos ao médico ou se outorgará poderes a terceiro, para decidir
em seu lugar. Nessas situações, convém que o esculápio faça os devidos registros (no
prontuário, na f‌icha do paciente ou em outro documento válido) para prova e memória.
Quanto à renúncia ao direito de receber informações, o art. 9º da Lei espanhola n.
41/2002 limita esse direito do utente aos casos em que essas informações se ref‌iram ao
“interesse da saúde do próprio paciente, de terceiros, da coletividade e pelas exigências
terapêuticas do caso” (uma redação assaz ampla e passível de críticas), sendo que essa
renúncia deverá ser documentada.
Segue-se a linha de que o consentimento absolutamente não informado não é
admissível, porque, nas situações nas quais ele é exigível, a informação é essencial à
4. GOLDIM, José Roberto et al. O processo de consentimento livre e esclarecido em pesquisa: uma nova abordagem.
Revista da Associação Médica Brasileira. Vol. 49, n. 4, 2003. p. 372-374. Destaca, na p. 374: “A transmissão coletiva
de informações no processo de consentimento livre e esclarecido auxilia na adequada compreensão do projeto
de pesquisa, pois permite mais tempo e o uso de outros recursos, tais como meios audiovisuais, habitualmente
não utilizados na sua obtenção. O indivíduo adequadamente informado está em melhores condições de exercer
livremente a sua escolha entre participar ou não de uma pesquisa. Essas características melhoram a qualidade
global do consentimento obtido”.
5. O art. 4º da Lei Espanhola n. 41/2002 prevê o direito do paciente de ser informado, além do direito de recusar o
recebimento de informações. Transcreva-se o teor do artigo para demonstrar:
“Artículo 4. Derecho a la información asistencial.
1. Los pacientes tienen derecho a conocer, con motivo de cualquier actuación en el ámbito de su salud, toda la
información disponible sobre la misma, salvando los supuestos exceptuados por la Ley. Además, toda persona
tiene derecho a que se respete su voluntad de no ser informada. La información, que como regla general se pro-
porcionará verbalmente dejando constancia en la historia clínica, comprende, como mínimo, la f‌inalidad y la
naturaleza de cada intervención, sus riesgos y sus consecuencias.
2. La información clínica forma parte de todas las actuaciones asistenciales, será verdadera, se comunicará al
paciente de forma comprensible y adecuada a sus necesidades y le ayudará a tomar decisiones de acuerdo con su
propia y libre voluntad.
3. El médico responsable del paciente le garantiza el cumplimiento de su derecho a la información. Los profe-
sionales que le atiendan durante el proceso asistencial o le apliquen una técnica o un procedimiento concreto
también serán responsables de informarle.”
“Artículo 5. Titular del derecho a la información asistencial.
1. El titular del derecho a la información es el paciente. También serán informadas las personas vinculadas a él,
por razones familiares o de hecho, en la medida que el paciente lo permita de manera expresa o tácita.”
Disponível em: www.boe.es. Acesso em: 07 nov. 2018.

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