O fato danoso tributário: o dano

AutorJosiane Becker
Páginas105-151
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Capítulo 4
O FATO DANOSO TRIBUTÁRIO: O DANO
Para a responsabilidade do Estado por ato de conteúdo
tributário, é imprescindível a descrição de um dano na pro-
posição antecedente da norma de índole sancionatória (peri-
norma). Nesse sentido, referido dano é demarcado como o su-
porte fático suficiente e necessário para o desencadeamento
da relação jurídica de responsabilidade, em virtude da qual o
ordenamento atribui ao ofendido o direito de exigir a repara-
ção, e ao ofensor a obrigação de repará-lo. Logo, o dano, na
medida em que vertido em linguagem competente, é fato154
de violação de direito alheio (dever jurídico ou interesse ju-
ridicamente tutelado), verificado pelo transbordo dos limites
ditados pela ordem jurídica.
Nesse contexto, verifica-se que a tributação, como ablação
legítima da propriedade que é, deve seguir as prescrições do or-
denamento jurídico para realização do propósito da norma de
incidência tributária, que é o pagamento do tributo por parte
do sujeito passivo da relação jurídica tributária. Na medida em
que o Estado, no exercício da exigência da obrigação tributária,
154. Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, Paulo de Baros. Di-
reito tributário. Fundamentos Jurídicos da Incidência. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 141), fatos são enunciados linguísticos sobre as coisas e os acontecimentos,
sobre as pessoas e suas manifestações.
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JOSIANE BECKER
causa lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, deve ser o de-
ver de reparar o prejuízo injustamente suportado.
Evidente que a própria tributação é fato que viola o patri-
mônio do sujeito passivo, porém essa turbação, na medida em
que autorizada pela ordem constitucional e realizada dentro dos
princípios estabelecidos pela Carta Magna, não constitui fato da-
noso tributário indenizável, conforme abaixo será explicitado e
foi muito bem colocado por Gabriel Lacerda Troianelli, vejamos:
Mas, por mais que se repudie essa visão negativa do tributo, não
se pode negar que a tributação consiste, essencialmente, em re-
tirar de alguém uma parcela do seu patrimônio para entregar ao
Estado, sendo, portanto da essência da atividade tributária a ge-
ração de um certo “dano” ao patrimônio do contribuinte.
É evidente, todavia, que não pode o Estado ser obrigado a inde-
nizar o contribuinte pelo “dano” causado pelo pagamento de tri-
buto devido do exigido com o emprego de meios legítimos e sem
a imposição de qualquer outro “dano colateral” diverso daquele
representado pelo decréscimo patrimonial do contribuinte.
Caso contrário, todo tributo devidamente pago daria ao contri-
buinte o direito, pelo menos, à sua restituição, o que inviabiliza-
ria a atividade tributária, coisa que não é realista.
155
O dano tributário jamais encontrará identidade com o tribu-
to. É cristalino que o fato danoso tributário corresponde a uma
diminuição do bem juridicamente tutelado do sujeito passivo.
Mas não é só, para se configurar o dano é necessário que também
ocorra a transgressão ao direito correspondente a esse bem. Já
quanto ao tributo, sua exigência deve ser desvinculada a quais-
quer infrações. Além disso, do fato danoso tributário emerge a
norma de responsabilidade do Estado, com índole sancionatória
– a qual estabelece o dever-ser de pagar uma indenização. O tri-
buto, na completude da norma jurídica de incidência tributária,
não constitui sanção por ato ilícito, na sua concepção a prescri-
ção-tese nunca corresponderá a uma sanção (indenização).
155. TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Responsabilidade do Estado por dano tributá-
rio. São Paulo: Dialética, 2004, p. 55.
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FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
O fato danoso tributário apto a integrar a proposição an-
tecedente da perinorma de responsabildade será o que ocor-
re quando o resultado da conduta do Estado transborda os
limites ditados pela ordem jurídica.156 Assim, sempre que a
atuação do Estado resultar na violação de direitos do sujeito
passivo protegidos, estar-se-á perante um eventual dano pas-
sível de indenização.
Importante frisar que referida conduta tem como origem
(na endonorma) atos tributários praticados pelo próprio Es-
tado, consistentes em medidas tomadas para a efetivação da
obrigação tributária. E, como o Estado é uno, distinguindo-se
apenas as funções por meio das quais atua, independe qual
órgão estatal praticou o ato, se do Legislativo, do Executivo
ou do Judiciário.157
Esclarece-se que com o nascimento da obrigação tributá-
ria surgem direitos e deveres correlatos, tanto para o sujeito
passivo quanto para o sujeito ativo. É aqui que o comporta-
mento do Estado, prescrito na proposição-tese da endonor-
ma opera-se, mediante ações ou omissões, como: vistorias,
apreensões, execuções, penhoras, sentenças, concessões de
156. A identificação de excessos cometidos pelo Estado, causadores de danos ao su-
jeito passivo, não passou despercebida para Vasco Branco Guimarães (GUIMA-
RÃES, Vasco Branco. A responsabilidade civil da administração fiscal emergente da
obrigação de imposto. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 30), são suas palavras: “No
exercício das actividades inspectivas e de aplicação da norma pela AF, podem sur-
gir situações-limite, em que direitos protegidos (intimidade, vida provada, proprie-
dade) podem ser violados provocando dano na esfera jurídica do contribuinte. A
conjugação destes vários factores coloca a relação jurídica fiscal como uma relação
em que podem surgir danos para o contribuintem sempre que a sua legalidade es-
trita não seja respeitada ou a invalidade da norma e a sua aplicação errónea ou com
escesso, assim o determinarem.”
157. Zulmar Fachin (FACHIN, Zulmar. Responsabilidade patrimonial do estado por
ato jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 67) afirma que “[...] tendo o Esta-
do personalidade jurídica unitária e manifestando-se sempre por meio de um de
seus órgãos (legislativo, executivo e judiciário), deverá indenizar quando do ato de
seu agente resultar lesão a alguém. Pouco importa saber se o agente estatal desem-
penha uma atividade legislativa, executiva ou jurisdicional. Não pode haver dúvida
de que a responsabilidade patrimonial do Estado pode decorrer de atos legislativos,
executivos e judiciários. É por meio destes atos que se expressa o poder estatal. E o
poder estatal precisa ser responsabilizado por suas manifestações danosas”.

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