Fato jurídico tributário e a relação de interseção normativa

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas143-181
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CAPÍTULO IV
FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E A RELAÇÃO DE
INTERSEÇÃO NORMATIVA
“[…] a intertextualidade é formada pelo intenso diálogo que os
textos mantêm entre si, sejam eles passados, presentes ou futu-
ros, pouco importando as relações de dependência que houver
entre eles. Assim que inseridos no sistema, iniciam a conversa-
ção com outros conteúdos, intrassistêmicos e extrassistêmicos,
num denso intercâmbio de comunicações”.
Paulo de Barros Carvalho160
1. Direito Tributário: Um Direito de Sobreposição
Quando pensamos na incidência tributária, imediatamen-
te vem à mente que o fato deve se subsumir integralmente à
figura delineada na lei (Tatbestand). Tanto assim que a insu-
ficiência de suporte fático impede a incidência tributária, o
mesmo se passando com a insuficiência da própria hipótese,
o que se verifica quando a lei descreve tipo impossível ou não
descreve suficientemente o tipo tributário. Isso porque cumpre
ao agente competente subsumir o conceito do fato ocorrido ao
160. Direito tributário, linguagem e método, 2ª ed., São Paulo, Noeses, 2008, p. 193.
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KAREM JUREIDINI DIAS
conceito da hipótese normativa, em todos os seus aspectos. Os
tipos tributários não podem ser alargados ou mitigados, mas é
inegável que existe recorte para o conhecimento dos eventos
ocorridos no mundo fenomênico, adentrando eles no campo
deôntico, os quais, se tomados como suportes fáticos, compõem
um conjunto que denota a hipótese de incidência tributária.
Para o reconhecimento jurídico dos eventos ocorridos no
mundo, o operador do direito deve partir dos elementos que
compõem o fato em sentido lato e verificar se o conjunto desses
elementos se subsume a um determinado conceito, sendo certo
que esse conceito pode estar veiculado em qualquer texto. Daí
porque fundamental assumir a intertextualidade como pressu-
posto de juízo válido do conceito do fato imponível, bem como do
conceito da materialidade em concreto (fato jurídico tributário).
Oportuno aqui transcrever conclusão de Tácio Lacerda Gama:
161
Isto porque o próprio sentido de um texto só é elaborado em face
do sentido de outros textos que com ele se vinculam, de forma
ostensiva ou velada. E mais, é com a intertextualidade ostensi-
va, confeccionada a partir de citações e referências, que se le-
gitimam interpretações, sendo essa, inegavelmente, a finalidade
primeira de toda dogmática jurídica.
A função da Ciência do Direito é justamente falar do seu
objeto – o Direito Positivo –, partindo dos textos de todos os
seus ramos didaticamente segregados, bem como de outros
sistemas aos quais o Direito Positivo se reporta. A separação
do Direito em diversos ramos é corte meramente didático com
fins analíticos, pela simples razão, como afirma Alfredo Augus-
to Becker,162 de “não poder existir regra jurídica independente
da totalidade do sistema jurídico […]”. O mesmo autor, citando
Emilio Betti, reforça a fenomenologia jurídica do sistema úni-
co, que o professor da Universidade de Roma denominou “câ-
none hermenêutico da totalidade do sistema jurídico”.
161. Competência tributária – fundamentos para uma teoria da nulidade, São Paulo,
Noeses, 2009, p. 299.
162. Teoria geral de direito tributário, 4ª ed., São Paulo, Noeses, 2007, p. 33 e p. 129.
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FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
No escólio de Regina Helena Costa,163 a autonomia didá-
tica do Direito Tributário restringe-se à “homogeneidade das
normas que perfazem seu objeto, qual seja, a disciplina das
relações jurídicas pertinentes à exigência dos tributos”. Como
bem lembra a ilustre professora, são institutos peculiares do
Direito Tributário, dentre outros, o lançamento, a isenção, a
denúncia espontânea, assim como identificamos princípios
próprios, a exemplo da capacidade contributiva.
O Direito Positivo, ao regular condutas intersubjetivas,
oferece inúmeros e variáveis conteúdos, frutos da experiência
sociocultural, com flagrante carga axiológica. As divisões em vá-
rios ramos do sistema jurídico é providência metodológica que
possibilita a aproximação do objeto de conhecimento, mas não
é limitante da tarefa de interpretar. Para interpretar, inclusive
com o fim de descrever o evento e constituir o fato jurídico tribu-
tário, o operador do direito compõe significações da mensagem.
Assim como a norma jurídica é uma estrutura construída
a partir das significações extraídas da leitura dos documentos
do Direito Positivo, o fato jurídico é produto de construção
epistemológica a partir da tradução dos suportes fáticos. O
Direito Tributário está inserido no sistema jurídico, mais es-
pecificamente no âmbito do Direito Público, já que disciplina
relações em que o Estado é parte. Em se tratando de relação
sistêmica, as partes estão lado a lado, tocando-se. Também os
ramos do ordenamento jurídico se inter-relacionam. Não por
outra razão que a doutrina seguiu no sentido de atribuir ao
Direito Tributário a característica de direito de sobreposição.
A tradução dos suportes fáticos não raramente depende
da compreensão de institutos de Direito Positivo metodologi-
camente separados do campo do Direito Tributário que lhes
aproveita. É por essa razão que o ordenamento jurídico, ca-
racterizado como sistema pela Ciência do Direito, pressupõe
163. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional, São
Paulo, Saraiva, 2009, p. 11.

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