O fato no contexto

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas9-48
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CAPÍTULO I
O FATO NO CONTEXTO
“É incrível quão difícil é convencer um estudioso, seguidor de
um determinado método de trabalho, que outros estudiosos, se-
guidores de outros métodos, não são inimigos para exterminar,
mas quase sempre aliados com os quais seria muito vantajoso
procurar um acordo para se auxiliarem reciprocamente”.
Norberto Bobbio8
1. Fato e Norma: uma Questão de Linguagem
O Direito regula as condutas intersubjetivas, tomando
por objeto os eventos que ocorrem no mundo fenomênico. Um
evento corresponde a um fato jurídico se vertido em linguagem
competente, introduzida no ordenamento jurídico por procedi-
mento e formalidade legal. Um evento adquire qualificação de
fato jurídico com a norma. Na norma, a partir do fato jurídico,
por meio de linguagem prescritiva, determina-se a consequên-
cia jurídica, representada por uma relação modalizada deon-
ticamente, a qual corresponde aos efeitos jurídicos do fato: se
8. Norberto Bobbio, Studi sulla teoria generale del diritto, Torino, 1955, p. 131, apud
Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, 4ª ed., São Paulo, Noeses,
2007, p. 21.
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KAREM JUREIDINI DIAS
A, então deve ser B. O Direito é, assim, objeto cultural que se
manifesta por intermédio de linguagem prescritiva, conforme o
princípio da imputação: dado o fato, deve ser a relação jurídica.
É sempre o sistema jurídico que prescreve quais fatos são
fatos jurídicos ou deixam de ser jurídicos – juridicização e des-
juridicização do fático. A juridicização e desjuridicização do
fático9 dependem das regras de formação impostas pelo siste-
ma do Direito Positivo. Nesse contexto, sistema é o “conjunto
de regras ou leis que fundamentam determinada ciência”.10
Sobre o conceito de ordenamento jurídico, Gregorio Ro-
bles11 afirma que ele: (i) é uma estrutura formada por normas;
(ii) é dotado de sentido que pode ser decomposto em institui-
ções; e (iii) aparece como realidade em permanente processo,
adaptando-se à mudança dos tempos. A estrutura normativa
do Direito Positivo possibilita a adaptação do Direito ao seu
tempo pelo processo autopoiético de retroalimentação e de
positivação. São sempre normas criando normas.
Dizemos que o sistema do Direito Positivo é autopoiéti-
co, porque é nele que se encontram as normas de estrutura
que determinam a forma de constituição e desconstituição
das próprias normas jurídicas. As normas de estrutura, assim
como as normas de comportamento, são também voltadas ao
comportamento humano, sendo a denominação “norma de
estrutura” utilizada para conotar norma de comportamento
relacionada à produção de normas dentro do sistema.
O conceito de autopoiese, lembra Marcelo Neves,12 tem sua
origem em teoria biológica. A palavra significa “produção por
si próprio”. Ou seja, são os próprios componentes construídos
9. Nesse sentido, leia-se Lourival Vilanova, Causalidade e relação no direito, 2ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 1989, p. 22-23.
10. Conceito obtido a partir de Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar. Dicionário
Houaiss de língua portuguesa, Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.
11. O direito como texto, Barueri-SP, Manole, p. 97.
12. A constitucionalização simbólica, São Paulo, Editora Acadêmica, 1994, p. 113-115.
11
FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
pelo sistema que constroem o sistema. Esclarece o festejado au-
tor que o conceito de autopoiese nas ciências sociais foi propos-
to por Luhmann, ao tratar da teoria de que as determinações
do meio ambiente só são inseridas no sistema de acordo com os
critérios e códigos próprios do sistema que lhes atribua forma.
Aproximando a teoria de Luhmann, segundo a qual os dados
são inseridos no sistema de acordo com seus critérios e códigos
próprios, temos que os elementos econômicos, políticos, morais,
éticos, dentre outros, só interessam para o Direito e são objeto
de proposição normativa se houver processo seletivo – corte e
recorte – no interior do sistema jurídico. É, portanto, um falso
dilema a confusão entre sistema jurídico e as outras realidades,
pois só interessa para o Direito aquilo que foi juridicizado.
O conjunto de normas que forma o Direito distingue-se das
demais regras sociais, religiosas, morais etc., não só porque pos-
sui coatividade, até a execução forçada e a pena privativa de liber-
dade, mas principalmente pelo seu peculiar sistema de regência.
É jurídico aquilo que criado pelo próprio sistema. Em trabalho
autopoiético, a partir de normas de estrutura e normas de com-
portamento, os eventos subsomem-se à incidência tributária.
Podemos classificar as normas segundo as variáveis de abs-
trata ou concreta e geral ou individual, formando-se então as
quatro espécies possíveis: (i) abstrata e geral; (ii) abstrata e indi-
vidual; (iii) concreta e geral; e (iv) concreta e individual. A relação
jurídica será geral quando se dirigir a um conjunto de sujeitos
indeterminados e será individual quando se referir a indivíduo
ou grupo de indivíduos especificados. O predicado – abstrata ou
concreta – depende da ocorrência do evento, podendo o objeto da
norma ser uma hipótese ou um dado concretamente verificado.
A norma geral e abstrata alcança positivação máxima com
a introdução de norma individual e concreta. Tal positivação
pressupõe ato ponente de norma. Os atos ponentes de norma,
por sua vez, pressupõem competência e veículo introdutor
(e.g., ato administrativo de lançamento). A título de esclare-
cimento, quando falamos em competência jurídica tributária,

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