A favor das relações econômico-negociais: o princípio do favor negotii no Código Civil

AutorGilberto Fachetti Silvestre - Francisco Viera Lima Neto
CargoDoutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas10-41
10
DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n1p10
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.20, n.1, p.10-41, abr.2016 | DOI: 110.5433/2178-8189.2016v20n1p10
* Doutor em Direito Civil pela
Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (PUC-SP).
Mestre em Direito Processual
Civil pela Universidade Fede-
ral do Espírito Santo (UFES).
Professor da Universidade
Federal do Espírito Santo
(UFES). Advogado. E-mail:
gilberto.silvestre@ufes.br.
** Doutor em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo
(USP). Mestre em Direito
Civil pela Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro (UFRJ).
Professor da Universidade
Federal do Espírito Santo
(UFES).E-mail: limaneto@
terra.com.br.
A FAVOR DAS RELAÇÕES ECONÔMICO-
NEGOCIAIS: O PRINCÍPIO DO FAVOR
NEGOTII NO CÓDIGO CIVIL
IN FAVOR OF ECONOMIC AND BUSINESS
RELATIONS: THE PRINCIPLE OF FAVOR
NEGOTII IN CIVIL CODE
* Gilberto Fachetti Silvestre
** Francisco Vieira Lima Neto
Resumo: Procura caracterizar o princípio da conservação dos
atos jurídicos como orientação axiológica da teoria do negócio
jurídico, tratando as nulidades como uma exceção no direito
das relações econômicas. Para tanto, busca inter-relacionar
a conservação com os princípios gerais do Código Civil
(socialidade, eticidade e operabilidade) e com os princípios
institucionais da relação obrigatória (autonomia privada, boa-fé
e função social). Trata-se de uma oportunidade de questionar
se realmente o negócio jurídico, como categoria jurídica, é um
conceito em crise.
Palavras-chave: Negócio jurídico. Princípio da conservação.
Nulidades.
Abstract: This paper analyzes the principle of favor negotii
and characterizes it as an axiological route of the general
theory of juristic acts, nullities are, therefore, treated as an
exception to the law of economic relations. This paper seeks
to interrelate the principle of conservation of legal acts with
the general principles of the Brazilian Civil Code (sociality,
morality and operability) and the institutional principles
of legal transactions (private autonomy, good-faith and
social function). Thus, this paper seeks to question if legal
transactions, as a legal category, is a concept that is in crisis.
Keywords: Legal business. Principle of conservation of legal
acts. Nullities.
Como citar: SILVESTRE, Gilberto Fachetti; NETO,
Francisco Vieira Lima. A favor das relações econômico-
negociais: o princípio do favor negotii no código civil.
Scientia Iuris, Londrina, v. 20, n. 1, p. 10-41, abr. 2016. DOI:
110.5433/2178-8189.2016v20n1p10. ISSN: 2178-
8189.
11
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.20, n.1, p.10-41, abr.2016 | DOI: 110.5433/2178-8189.2016v20n1p10
A FAVOR DAS RELAÇÕES ECONÔMICO-NEGOCIAIS: O PRINCÍPIO DO FAVOR NEGOTII NO CÓDIGO CIVIL
INTRODUÇÃO
Esse artigo pretende, além de dar sua contribuição cientíca para a teoria
do negócio jurídico, fazer uma remissão à tradição civilística e pandectística para
demonstrar que problemas inerentes às operações econômicas de hoje podem
ser resolvidos com ideias de longa data que bebem em fontes romanas suas
origens. É o caso do favor negotii, princípio que não tem função meramente
hermenêutica, senão de aplicação prática capaz de solucionar o problema da
invalidade do negócio que não atende aos requisitos legais.
É que hoje a teoria das nulidades passa por uma revisão, de modo a mitigar
seus efeitos desvinculadores entre as partes. Por mais contrário à lei que um ato
esteja, ele expressa a vontade dos sujeitos negociantes, é objeto de legítimas
expectativas e cumpre uma função socioeconômica. A conservação do negócio
oferece instrumentos que indenizam as referidas contrariedades e permitem
que o negócio produza efeitos, no todo em parte. É como se ele fosse a “tábua
de salvação” do negócio que naufraga porque não atende aos requisitos de
validade do negócio.
Esse trabalho procede a uma análise dogmática do princípio, partindo do
Direito Romano e chegando à sua idealização contemporânea. Também objetiva
focar nos valores que realiza, a começar pela função social do negócio jurídico.
E por m verica como os tribunais incorporaram o instituto a julgados.
E porque abordar esse tema? Qual sua importância e relevância para o debate
jurídico em torno das relações econômicas contemporâneas?
Aquele negócio relegado ao nada por causa da nulidade tem a
oportunidade de ser algo; tem a oportunidade de cumprir uma função
socioeconômica que traga algum benefício não apenas para a esfera individual
das partes, mas também para o desenvolvimento social. E, não menos
importante, conrmar as legítimas expectativas das partes, para que o negócio
cumpra – ainda que parcialmente – com seus objetivos e a nalidade individual
a que se destina. Tem-se, então, que:
Importância do tema: preservação das legítimas expectativas criadas
pelas partes de boa-fé; e
Relevância no debate jurídico: garantir a produção de efeitos
econômicos e o desenvolvimento social.
Esses são os pressupostos que se pretende desenvolver nesse trabalho a
partir da análise do favor negotii. O poeta português José Jorge Letria escreve
12
no seu poema Um pouco mais de nós alguns versos que demonstram os valores
“tudo” e “nada” dependem da importância que damos, do quanto o algo é
“único” para nós (2001, p. 10):
E, anal, tudo isso quanto vale?
Vale o nada que é tudo
sempre que damos de nós
o que, sendo acto amor, ganha voz
e se torna eterno por ser único e total.
Assim é a conservação: o instrumento jurídico que garante que o “nada”
(negócio nulo) possa cumprir seu papel para os quais ele é “tudo”. É melhor
que se garanta o nada quando ele propicia um pouco do tudo. É nesse sentido
que a conservação do inválido, sempre que possível, garante que o negócio
cumpra sua função social.
1 O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
A nulidade do negócio jurídico – considerada na perspectiva da
inecácia lato sensu dos atos jurídicos – segue a orientação estabelecida
pelo princípio do favor negotii ou da conservação. A ideia desse princípio é
basicamente direcionada a evitar, dentro do máximo possível, que o negócio
maculado por um defeito deixe de produzir os efeitos (ou alguns efeitos)
pretendidos pelas partes. É direcionado ao legislador e ao juiz, pautando suas
atividades para que tenham em mira, sempre que possível, uma maneira ou
mecanismo jurídico que permita ao negócio produzir alguma ecácia. Por tal
razão, segundo Kliemann (2006, p. 04) pode-se armar que o legislador de 2002
considera o desfazimento do negócio por invalidade uma excepcionalidade,
porque o propósito primeiro é a preservação do vínculo obrigacional.
Segundo Vieira Neto (1977, p. 306), “há conservação quando o ato é
ecaz, mas a ecácia está periclitante, como no caso de excessiva onerosidade.
Ao juiz é dado rever o negócio jurídico, para que a ecácia se conserve, no
todo ou pelo menos em parte”.
O princípio da conservação permite a manutenção do vínculo relacional/
obrigacional a partir de uma adequação do negócio a uma nova realidade; há
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.20, n.1, p.10-41, abr.2016 | DOI: 110.5433/2178-8189.2016v20n1p10


Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT