Faz sentido que haja credores não sujeitos à recuperação judicial?
Autor | Adriana Maria Cruz Dias de Oliveira |
Páginas | 183-200 |
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ESPAÇO DISCENTE
Resumo: O objetivo do artigo é analisar, sob a
perspectiva da função dos institutos fali-
mentares, em especial da recuperação de
empresas, se faz sentido que alguns credores
sejam excluídos do procedimento concursal
que se forma quando apresentado pedido
de recuperação judicial pela empresa em
crise – assumindo que esta exclusão visa
a dar prioridade aos direitos de referidos
credores em detrimento daqueles que deve-
rão sujeitar seus direitos ao procedimento
de insolvência. São discutidos conceitos e
teorias ligados aos objetivos do sistema de
insolvência, divididos em basicamente dois
grandes grupos – aqueles que acreditam
que o procedimento de insolvência deve
ter como fi m precípuo permitir a efetiva
recuperação de empresas que desenvolvem
negócios economicamente viáveis, bem
como aqueles que acreditam que o principal
objetivo deve ser maximizar o retorno aos
credores participantes da empresa em crise.
Partindo destes conceitos, serão analisadas as
possíveis distorções causadas ao sistema do
direito da insolvência – com consequências
para o alcance de seus objetivos – em razão
de o procedimento judicial de reestruturação
de empresas permitir a reestruturação apenas
parcial dos créditos da empresa em crise.
Palavras-chave: Insolvência; Reestruturação;
Recuperação Judicial; Credores; Extracon-
cursal; Garantias.
1. Introdução
Desde a entrada em vigor, há mais de
10 anos, da Lei 11.101, de 9.2.2005, a Lei
de Recuperação de Empresas e Falência, um
dos assuntos mais discutidos é a validade e
a efi cácia da exclusão dos efeitos da recu-
peração judicial dos créditos garantidos por
alienação fi duciária, em especial a cessão
fi duciária de recebíveis.
A questão era tão relevante que foi
um dos primeiros assuntos relacionados à
interpretação da Lei 11.101/2005 a serem
decididos pelo STJ, em 2013, ocasião em
que foi confi rmado o entendimento de que,
conforme o art. 49, § 3o,1 da Lei 11.101/2005,
FAZ SENTIDO QUE HAJA CREDORES
NÃO SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
A M C D O
1. Introdução. 2. Objetivos do sistema de insolvência: 2.1 Foco no direito dos
credores – 2.2 Foco nos demais stakeholders. 3. O tratamento dos credores
com garantia: 3.1 O tratamento dos créditos tributários. 4. Adequação entre
objetivos e legislação. 5. Distorções causadas pela não inclusão de todos os
credores na reestruturação judicial de empresas – Análise da Lei 11.101/2005 e
realidade brasileira: 5.1 A exclusão de créditos do procedimento de insolvência
prejudica a empresa em crise – 5.2 Distorções para a maximização de valor
aos credores. 6. Conclusão.
1. Lei 11.101/2005, § 3o do art. 49: “§ 3o. Tra-
tando-se de credor titular da posição de proprietário
fi duciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador
mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de
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REVISTA DE DIREITO MERCANTIL 166/167
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referidos créditos estão excluídos dos efeitos
da recuperação judicial.2
Não parece haver muita dúvida sobre
o fato de que, nos termos da Lei Falimentar
brasileira, créditos garantidos por proprie-
dade fi duciária de bens móveis ou imóveis
não se sujeitam à recuperação judicial, muito
menos de que créditos, nos termos do art. 83,
III, do CC, são considerados bens móveis. A
despeito da clareza do instituto, não faltam
iniciativas de devedores e julgadores que,
mesmo após o entendimento adotado pelo
STJ, tentam, com a adoção de teses jurídicas
cada vez mais inovadoras, sujeitar os créditos
garantidos por cessão fi duciária de recebíveis
aos efeitos da recuperação judicial.3
Tentativas como estas, que contrariam
tanto o texto da lei quanto precedentes
já estabelecidos pelas Cortes Superiores,
atrapalham a segurança jurídica e a previsi-
bilidade das quais deve ser dotado o sistema
normativo, e, por isso, devem ser evitadas.
Não se pode negar, entretanto, que
este tipo de decisão representa (incorreta)
manifestação de inconformismo frente à
limitação normativa que impede o juiz de
adotar no caso concreto a solução que lhe
parecia mais adequada ao destino da empresa
(a reestruturação de todo o seu passivo, não
apenas aquele sujeito à recuperação judicial).
É este mesmo inconformismo quanto
à previsão legal trazida pelo § 3o do art. 49
da Lei 11.101/2005 que talvez tenha levado
Manoel Pereira Calças – que, como Desem-
bargador do TJSP, decide constantemente
pela extraconcursalidade de créditos garan-
tidos por alienação fi duciária4 – a indicar em
artigo recentemente publicado que
imóvel cujos respectivos contratos contenham cláu-
sula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive
em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em
contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito
não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e
prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa
e as condições contratuais, observada a legislação res-
pectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de
suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a
venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos
bens de capital essenciais à sua atividade empresarial”.
2. “Recurso especial – Recuperação judicial –
Contrato de cessão fi duciária de duplicatas – Incidência
da exceção do art. 49, § 3o, da Lei n. 11.101/2005 – Art.
66-B, § 3o, da Lei n. 4.728/1965. 1. Em face da regra do
art. 49, § 3o, da Lei n. 11.101/2005, não se submetem
aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos
por cessão fi duciária. 2. Recurso especial provido” (STJ,
4a Turma, REsp 1.263.500-ES, rela. Min. Maria Isabel
Gallotti, j. 5.2.2013).
3. A título de exemplo, cita-se o Exmo. Juízo da
Vara de Falências, Recuperações, Insolvência e Cartas
Precatórias Cíveis de Campo Grande/MS, que nos autos
da recuperação judicial de Fábrica – Química Petróleo e
Derivados Ltda. (Autos 0816741-50.2015.8.12.0001),
a exemplo do que fez em diversas outras recuperações
judiciais, declarou a sujeição dos créditos garantidos por
cessão fi duciária de recebíveis a recuperação judicial já
na decisão que deferiu o processamento da recuperação,
em razão da inconstitucionalidade do § 3o do art. 49 da
Lei 11.101/2005: “Posto isso, com base nos fundamen-
tos expostos, e diante da inconstitucionalidade do § 3o
do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, deixo de aplicá -lo na
presente ação, posto que está em desacordo com as nor-
mas e princípios constitucionais (arts. 170 e 1o, I, da CF),
principalmente os que norteiam a ordem econômica:
da propriedade privada, função social da propriedade
e da empresa, da livre concorrência, garantia do pleno
emprego, suprimento das desigualdades regionais e
sociais e tratamento diferenciado para as pequenas e
microempresas, declarando que os créditos bancários
decorrentes dos institutos jurídicos descritos no pará-
grafo referido, ‘credor titular da posição de proprietário
fi duciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador
mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de
imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula
de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em
incorporações imobiliárias, ou de proprietário em con-
trato de venda com reserva de domínio’, estão sujeitos
à recuperação judicial”.
4. Como exemplo cite-se a decisão alcançada
nos seguintes recursos, relatados por Manoel Perei-
ra Calças: “Agravo de instrumento – Recuperação
judicial – Cédula de crédito bancária – Contrato de
constituição de alienação fi duciária em garantia sobre
bem imóvel – Crédito que não se submete aos efeitos
da recuperação judicial (art. 49, § 3o, da LREF) – Con-
solidação da propriedade do imóvel dado em garantia
em favor do agravado – Decisão mantida – Agravo a
que se nega provimento” (TJSP, 1a Câmara Reservada
de Direito Empresarial, AI 0224457-98.2012.8.26.0000,
j. 13.11.2012); e “Agravo de instrumento – Impugnação
de crédito – Recuperação judicial – Crédito decorrente
de contrato de mútuo garantido por alienação fi duciá-
ria – Cláusula de alienação fi duciária devidamente
levada a registro – Crédito não sujeito à recuperação
judicial (art. 49, § 3o, da Lei n. 11.101/05) – Decisão
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