Federalismo brasileiro e desapropriação de bens da união pelo município

AutorCamila Januário Ferreira Soares
CargoAdvogada Graduada (Faculdade Mineira de Direito ? Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) Pós-graduada em Direito Administrativo
Páginas22-27

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1. Introdução

A partir do Decreto-lei
3.365/41, foi estabelecida uma ordem expropriatória para os entes federados, de modo que, conforme o art. 2º, § 2º, do mencionado diploma legal, os bens dos estados, dos municípios e do Distrito Federal podem ser desapropriados pela União, e os bens do município pelo estado, donde o município não poderia expropriar bens das demais entidades federais.

No entanto, a constitucionali-dade deste dispositivo legal tem sido bastante discutida, tendo em vista que, prima facie, ele afrontaria o princípio constitucional do federalismo, especialmente no que tange à autonomia dos entes federados.

2. Federalismo brasileiro

Importa primeiramente examinar o conceito do federalismo pátrio. Neste sentido, o termo federação pode ser aplicado para apontar um modelo de organização territorial do poder político que se caracteriza pela “descentralização do poder político entre entidades de base territorial distintas, dotadas de autonomia recíproca, mas integradas em um território único, correspondente a um só Estado, o Estado federal” (Andrade, 2004, p. 30). Tais critérios constituem os requisitos mínimos para diferenciar a forma federativa de outras duas formas de organização do território, quais sejam, a confederação de estados e o estado unitário.

A descentralização constitucional tripartida do poder político, assim como a autonomia recíproca, o equilíbrio federativo, a integração nacional e a cooperação, constituem o conteúdo jurídico do princípio federativo brasileiro.

Ao fim, destaque-se que a federação deverá ser analisada, precipuamente, à luz da Constituição da República, na qual estão contidos os princípios sob os quais se erige o Estado federado.

2.1. O federalismo na Constituição da República de 1988

Na constituição atual, o princípio federativo é “a linha mestra da tradução normativa de uma opção política referente à forma de organização territorial do poder político no sistema jurídico brasileiro, com relação ao qual desempenha o caráter de princípio fundamental” (Andrade, 2006, p. 25).

Tal princípio aparece já no art. 1º da Constituição da República de 1988 (CR/88), pelo qual a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal. O caráter fundamental deste princípio foi erigido à condição de cláusula pétrea (ex vi art. 60, § 4º, CR/88), sendo vedada a deliberação de propostas tendentes a aboli-lo.

Um marco importante para a caracterização do federalismo brasileiro como opção feita pelo

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constituinte originário resta insculpido no art. 34 da CR/88, na medida em que se corporifica a autonomia recíproca por meio de regra da não intervenção (devidamente excepcionada, conforme delimitadores constitucionalmente estipulados). Neste diapasão, nota-se que tal atuação interventiva é meio de controle eminentemente político, que tem evidente caráter excepcional e sancionatório, donde difere do controle meramente administrativo.

No caput do art. 18 da CR/88 é consolidada a opção federativa do Brasil ao vaticinar que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). União, estados, Distrito Federal e municípios são, pois, os componentes do Estado federal brasileiro.

Em verdade, as normas jurídicas referentes à organização político-administrativa nacional têm em si todos os atributos que permitem a utilização do verbete “federação” para classificar a forma de Estado adotada pela carta magna hoje em vigor, de modo que o poder político é descentralizado entre os entes federados, cada qual com base territorial distinta (União, estados, Distrito Federal e municípios), todos eles com autonomia recíproca e vinculados a um macroterritório único, correspondente a um só Estado soberano, a República Federativa do Brasil.

Desta forma, a CR/88 adota um sistema de divisão de competências que busca concretizar o equilíbrio federativo “por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da

União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os municípios (art. 30)” (Andrade, 2006, p. 477). Mas, apesar de ter estabelecido estas reservas específicas, o constituinte originário entendeu por bem permitir a delegação de algumas atribuições (art. 22, parágrafo único, CR/88), bem como competências comuns entre as esferas federativas (art. 23 CR/88) e ainda competências concorrentes, mas sendo estas apenas entre União e estados.

A divisão de competências (privativas/exclusivas, concorrentes e comuns) deu-se conforme a matéria a ser tutelada, com espeque na qualificação (ou quantificação) do interesse sobre a qual esta versa. De fato, na CR/88 (Moraes, 1998, p. 259):

“O princípio que norteia a repartição de competências entre as entidades federativas é o da predominância do interesse através do qual [...] à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se às matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local.”

As competências privativas, as quais foram atribuídas à União, referem-se a matérias que têm por base o interesse nacional e que devem ser tratadas do mesmo modo em todo a âmbito nacional, assegurando-se uniformidade em sua aplicação. Aos estados foram relegadas matérias de interesse regional, e, sob a égide do mesmo raciocínio, aos municípios, as matérias que versem sobre interesses locais. A este respeito, Letícia Queiroz de Andrade (2006, p. 43) detalha que:

“Quanto à qualificação jurídica de matérias como de interesse regional e local, embora existam algumas matérias que tenham sido assim qualificadas pela Constituição (respecti-vamente, arts. 25, caput e §§ 1º, 2º e 3º; 30, caput; 39; 144,§ 8º e 182), a especificação das matérias que compõem o campo residual de competências dos Estados e das que compõem o campo local dos Municípios será estabelecida nas respectivas leis, já que tanto não fez a Constituição, respeitando-se, é claro, os parâmetros nela estabelecidos.”

No que tange às matérias de competência concorrente, os estados não legislam ilimitadamente sobre elas, mas apenas em conformidade com disciplina prévia disposta na legislação federal. Donde tal limitação consubstancia diretriz da integração nacional, a qual determina aos entes federados a obediência de padronização que visa a um caráter homogêneo. Objetivase, novamente, o bem comum.

E com relação às disciplinas reservadas à competência comum da União, estados, Distrito Federal e municípios, trata-se, em suma, de responsabilidade con-junta da atividade...

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